Venda da Copasa pode ter repetição de votos de deputados contra os próprios partidos

Parlamentares que votaram contra a orientação de seus partidos foram o fiel da balança para a aprovação da PEC do Referendo em outubro. Cenário pode se repetir com o PL de privatização da Copasa

Alencar da Silveira Jr. (em primeiro plano) votou a favor da PEC do Referendo e declara que votará a favor da privatização da Copasa, mesmo com PDT se manifestando contra as propostas

Além das reuniões em plenário na madrugada e deslizes pontuais da base governista, a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que derrubou a exigência de um referendo popular para autorizar a privatização da Copasa ficou marcada por deputados que contrariaram a posição de seus partidos e se manifestaram a favor da venda da estatal. Desde a última quarta-feira (12), a Assembleia Legislativa (ALMG) passou a debater o projeto específico para a desestatização da companhia de saneamento e a Itatiaia procurou parlamentares e legendas para saber se haverá uma mudança de posicionamento.

A chamada PEC do Referendo foi votada em uma sessão conturbada e a aprovação foi decidida literalmente nos últimos segundos, com o 48º e decisivo voto a favor do texto enviado pelo governador Romeu Zema (Novo) sendo computado em manifestação posterior ao fechamento formal da votação. A validade do voto de Bruno Engler (PL) foi constatada a partir de uma análise das câmeras da Assembleia que atestaram a presença do parlamentar no plenário.

A votação apertada alimentou elucubrações sobre os vários cenários em que a base governista, ampla maioria da Casa, poderia ter saído derrotada do pleito. Uma delas diz respeito aos votos dos pedetistas Thiago Cota e Alencar da Silveira Jr. e de Betinho Pinto Coelho (PV), oficialmente um membro do bloco de oposição na Casa.

Em 6 de novembro, dia seguinte à aprovação da PEC do Referendo, o PDT publicou uma nota de desagravo em crítica aos votos de seus filiados a favor do texto que viabiliza a privatização da Copasa. “A votação de nossos deputados estaduais não coadunam com nossa posição”, diz trecho do texto assinado pelo presidente estadual do partido, o deputado federal Mário Heringer.

À Itatiaia, o deputado Mário Heringer disse que o PDT pretende formalizar a orientação a seus filiados a votar contra o PL 4.380/2025, que está tramitando em 1º turno na Assembleia e versa sobre a venda da Copasa. O presidente estadual do partido afirmou, no entanto, que possíveis sanções a membros que contrariarem a posição da legenda ainda não foram discutidas.

Já Alencar da Silveira Jr. foi categórico ao dizer que não recebeu orientação do partido para nenhuma das votações e pretende manter seu posicionamento pela venda da companhia. O deputado argumenta que o serviço prestado pela Copasa é de má qualidade devido ao baixo investimento estadual e que apenas os servidores da empresa se manifestam de forma contrária à desestatização.

“Só vai aparecer dinheiro na Copasa quando ela for para iniciativa privada, porque o estado nunca colocou recurso onde não dá voto em coisa que fica debaixo da terra. Eu tenho 37 anos de vida pública e são 37 anos que eu venho criticando a Copasa [...] O movimento contrário à privatização hoje não é da população, mas dos funcionários. A assembleia vai ter que fazer uma exigência e dar uma uma boa guarita para esses funcionários para que eles não fiquem desamparados”, disse o parlamentar.

Alencar foi eleito pela primeira vez em 1994 e está em seus momentos finais do oitavo mandato consecutivo. Em agosto, o deputado foi escolhido entre seus pares na Assembleia para ocupar uma vaga como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG). As votações envolvendo o futuro da Copasa serão as últimas participações de grande repercussão do parlamentar na Casa.

Além de Alencar, o PDT só tem mais um membro na Assembleia, o deputado Thiago Cota. Procurado pela reportagem, o parlamentar não se manifestou até a última atualização desta matéria.

Dissidência no PV

O Partido Verde integra oficialmente o Bloco Democracia e Luta, oposição a Zema na Assembleia e é a segunda maior legenda do grupo, com cinco deputados. Na votação da PEC do Referendo, os integrantes da sigla se posicionaram desta forma: Mário Henrique Caixa se absteve; Lohanna França, Hely Tarqüínio e Professor Cleiton votaram contra; e Betinho Pinto Coelho votou a favor.

A reportagem procurou Betinho Pinto Coelho para saber se o deputado pretende manter sua posição favorável à venda da Copasa ou se vai virar o voto na análise do projeto. Até a última atualização da matéria, não houve resposta.

Osvander Valadão, presidente do PV em Minas Gerais, afirmou à Itatiaia que o partido vai orientar formalmente o voto contra o PL da privatização da Copasa e que há a previsão de sanções a quem for contra o determinado pela legenda.

“Nosso estatuto e programa tem previsões, Inclusive quando um membro se filia ao PV, declara estar de acordo com o estatuto e o programa do partido”, disse. Valadão também afirmou que esteve fora do país nos últimos dias e ainda pretende se reunir com Betinho Pinto Coelho para discutir sua postura em relação à companhia de saneamento.

O que dizem os projetos relacionados à Copasa?

As intenções privatistas de Romeu Zema em relação a Copasa, Cemig e Gasmig esbarrava no 14º artigo da Constituição de Minas Gerais. O trecho determina que a venda de estatais que fornecem serviços de energia, saneamento e gás natural devem ser necessariamente aprovada pelos eleitores mineiros por meio de um referendo popular.

A obrigação de um referendo foi incluída na Constituição em 2001 por meio de uma PEC do então governador Itamar Franco e foi aprovada por unanimidade pelos deputados estaduais. À época, a iniciativa foi tomada em resposta à gestão anterior, de Eduardo Azeredo (PSDB), responsável pela venda de 33% de ações da Cemig a preços considerados por seus sucessores como abaixo do valor de mercado da empresa.

Além da exigência da consulta popular, a PEC de Itamar Franco determinou que os projetos de lei que versam sobre a venda das estatais precisam ser aprovados por maioria qualificada no plenário da Assembleia. São necessários três quintos, ou 48 parlamentares, para o sucesso do texto.

A PEC 24/2023 foi apresentada pelo governador Romeu Zema como forma de reverter a adição ao texto constitucional aprovada por Itamar e permitir uma privatização das estatais de forma simplificada, sem a prerrogativa da consulta popular.

A iniciativa, apresentada em outubro de 2023, só avançou realmente na Assembleia diante da criação do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), em abril de 2025. O projeto de refinanciamento dos débitos estaduais com a União prevê a federalização ou privatização de ativos como forma de amortizar parte do valor devido e reduzir os juros cobrados sobre o parcelamento do pagamento em até 30 anos.

O texto original da PEC de Zema foi desidratado durante sua tramitação na Assembleia. Cemig e Gasmig foram retiradas da proposta. O governador também queria derrubar exigência dos três quintos para a aprovação do projeto, mas o trecho foi mantido.

Como foi a tramitação da PEC do Referendo para a Copasa

A mudança na Constituição foi aprovada em primeiro turno em uma reunião longa e conturbada no plenário. Marcada para as 18h da última quinta-feira (23) a votação foi estendida madrugada adentro e durou até as 04h30 da madrugada, quando 52 deputados governistas superaram a marca dos 48 votos exigidos para a aprovação da PEC.

Na semana passada, diante da obstrução da oposição, o presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB) marcou reuniões para 0h01, 06h e 12h da sexta-feira.

A empreitada pela privatização da Copasa, além da PEC 24/2023, inclui o Projeto de Lei (PL)4380/2025, que versa especificamente sobre a venda da companhia em si. O texto ainda está em sua primeira etapa de tramitação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Antes de ser votada em primeiro turno no plenário, a proposta ainda deve passar pelas comissões de Administração Pública (APU); e Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO).

No segundo turno, a chamada PEC do Referendo foi aprovada pela conta mínima de 48 votos favoráveis contra 22 contrários na tarde de quarta-feira. A sessão durou mais de sete horas e foi marcada por situações inusitadas como a inversão de papéis entre base e oposição no momento de obstrução da pauta; uma troca de empurrões entre deputados; e com a validade do voto definitivo para a aprovação do texto feita através de análises das câmeras da Assembleia.

Copasa no Propag

A privatização da Copasa, bem como da Gasmig e da Cemig, já integrava a pauta do governo Zema desde o primeiro mandato, mas ganhou novo fôlego com a criação do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Com o projeto permitindo a privatização e federalização de ativos como forma de pagar a dívida com a União, vários projetos da pauta privatista do Executivo andaram na Assembleia após anos parados.

O Propag prevê que estados refinanciem em 30 anos a dívida com a União e estabelece mecanismos para reduzir os juros cobrados sobre as parcelas. O projeto do Executivo Estadual é ingressar no programa abatendo 20% do estoque devido.

Para obter o valor necessário na amortização da dívida, o Executivo enviou projetos para federalizar ou privatizar estatais à Assembleia. No caso da Copasa, além do texto específico que trata sobre a venda da companhia de saneamento, o governo precisa retirar da constituição a necessidade de realizar um referendo para autorização da privatização.

Hoje os juros são indexados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano. Se o estado conseguir amortizar 20% do estoque da dívida, dois pontos percentuais da cobrança adicional são abatidos.

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Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.

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