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Após votação conturbada para Copasa, ALMG pode repetir ‘PEC do Referendo’ para Cemig

Possível privatização da empresa em meio a tratativas de refinanciamento da dívida de Minas com a União pode exigir nova mudança na Constituição

Em primeiro plano, de costas, Tadeu Martins Leite (MDB), o presidente da Assembleia, comanda reunião notívaga no plenário para debater PEC do Referendo

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) mal saiu de uma das mais atribuladas votações de sua história recente e pode ser obrigada a voltar a analisar uma matéria semelhante. A proposta de emenda à Constituição (PEC) que derrubou a exigência de um referendo para autorizar a privatização da Copasa foi aprovada na última quarta-feira (5) não sem antes ter tornado o plenário da Casa palco de reuniões durante a madrugada e até troca de empurrões entre parlamentares. Na quinta-feira, quando o governador Romeu Zema (Novo) anunciou que pretende incluir a Cemig nas negociações de refinanciamento da dívida do estado com a União, a chance de uma nova ‘PEC do Referendo’ ser debatida pelos deputados volta a pairar sobre o Palácio da Inconfidência.

A adesão de Minas ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) foi acompanhada de uma relação de R$ 96 bilhões em ativos que o governo mineiro pretende incluir como forma de abater ao menos 20% do débito de R$ 170 bilhões com a União e reduzir os juros cobrados no parcelamento do pagamento em até 30 anos. Entre eles está a Cemig, mesmo com um entendimento entre os deputados de que a companhia energética não entraria nas negociações do débito do estado.

Mesmo com a derrubada da exigência do referendo para a Copasa, a Cemig e a Gasmig ainda são citadas no artigo 14 da Constituição de Minas Gerais. O trecho incluído na lei estadual em 2001 determina que, para privatizar as estatais, é necessário obter uma autorização dos eleitores mineiros via referendo popular.

O governo Zema defende que a Cemig seja privatizada em um modelo de corporation e que as ações do estado — avaliadas em R$ 13,5 bilhões — sejam transferidas para a União. As negociações para inclusão de ativos no Propag podem ser feitas até dezembro de 2026. Neste período, a Assembleia precisaria autorizar a desestatização da companhia.

Na visão da oposição, o formato de corporation ainda designa uma privatização e, portanto, incluir a Cemig nas negociações do Propag exigiria uma nova versão da PEC do Referendo, desta feita com o texto tratando especificamente sobre a companhia energética.

O deputado Professor Cleiton (PV) teme que o governo estadual, ao optar pelo modelo de corporation para a privatização, alegue que não será necessária a realização do referendo para a desestatização e prevê uma longa discussão jurídica caso a hipótese se concretize.

“Quando se fala da Cemig, apresentam a questão da corporation, que continua sendo uma forma de desestatização e precisa também de referendo. Se vierem com a narrativa de que esse modelo não precisa de referendo, prevejo uma discussão jurídica grande”, projetou o parlamentar.

A reportagem procurou lideranças da base governista para que elas se manifestem sobre seu entendimento acerca da exigência de um novo referendo e não teve resposta. O Governo de Minas também foi consultado e não respondeu. O espaço segue aberto para as manifestações.

A PEC do referendo da Copasa

A chamada “PEC do Referendo” visa permitir a privatização das estatais altera o a Constituição de Minas Gerais no ponto em que a venda de Cemig, Copasa e Gasmig só podem ser vendidas mediante autorização do eleitor do estado. Este artigo está na legislação mineira desde 2001, quando foi proposto pelo então governador Itamar Franco e aprovado por unanimidade na Assembleia.

A PEC foi aprovada em primeiro turno na madrugada da última sexta-feira (24), quando a base governista conseguiu votar o texto às 4h30 após mais de dez horas de sessão em plenário.

Estatais no Propag

A privatização da Copasa, bem como da Gasmig e da Cemig, já integrava a pauta do governo Zema desde o primeiro mandato, mas ganhou novo fôlego com a criação do Propag. Com o projeto permitindo a privatização e federalização de ativos como forma de pagar a dívida com a União, vários projetos da pauta privatista do Executivo andaram na Assembleia após anos parados.

O Propag prevê que estados refinanciem em 30 anos a dívida com a União e estabelece mecanismos para reduzir os juros cobrados sobre as parcelas. O projeto do Executivo Estadual é ingressar no programa abatendo 20% do estoque devido.

Para obter o valor necessário na amortização da dívida, o Executivo enviou projetos para federalizar ou privatizar estatais à Assembleia. No caso de Copasa, Gasmig e Copasa, além do texto específico que trata sobre a venda da companhia de saneamento, o governo precisa retirar da constituição a necessidade de realizar um referendo para autorização da privatização.

Hoje os juros são indexados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano. Se o estado conseguir amortizar 20% do estoque da dívida, dois pontos percentuais da cobrança adicional são abatidos.

Como foi a tramitação da PEC do Referendo para a Copasa

A mudança na Constituição foi aprovada em primeiro turno em uma reunião longa e conturbada no plenário. Marcada para as 18h da última quinta-feira (23) a votação foi estendida madrugada adentro e durou até as 04h30 da madrugada, quando 52 deputados governistas superaram a marca dos 48 votos exigidos para a aprovação da PEC.

Na semana passada, diante da obstrução da oposição, o presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB) marcou reuniões para 0h01, 06h e 12h da sexta-feira.

A empreitada pela privatização da Copasa, além da PEC 24/2023, inclui o Projeto de Lei (PL)4380/2025, que versa especificamente sobre a venda da companhia em si. O texto ainda está em sua primeira etapa de tramitação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Antes de ser votada em primeiro turno no plenário, a proposta ainda deve passar pelas comissões de Administração Pública (APU); e Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO).

No segundo turno, a chamada PEC do Referendo foi aprovada pela conta mínima de 48 votos favoráveis contra 22 contrários na tarde de quarta-feira. A sessão durou mais de sete horas e foi marcada por situações inusitadas como a inversão de papéis entre base e oposição no momento de obstrução da pauta; uma troca de empurrões entre deputados; e com a validade do voto definitivo para a aprovação do texto feita através de análises das câmeras da Assembleia.

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Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.