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Zema ignora acordo da Assembleia e inclui Cemig entre ativos para negociar a dívida

Cemig está na lista de ativos que o governo pode incluir nas negociações da dívida com a União no âmbito do Propag

Assembleia decidiu tirar Cemig de PEC que derruba a exigência de um referendo popular para a privatização de estatais

O pedido de adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) feito pelo governador Romeu Zema (Novo) ao governo federal nesta quinta-feira (6) traz a Cemig na lista de ativos que Minas Gerais pretende envolver na negociação do débito de R$ 170 bilhões com a União. A decisão de incluir a companhia energética na relação de estatais que podem ser privatizadas vai de encontro a um entendimento pacificado na Assembleia Legislativa (ALMG) de que a empresa não seria negociada.

Em uma lista que reúne R$ 96 bilhões em ativos que o estado pode usar para pagar a dívida no âmbito do Propag. Procurado pela reportagem, o governo Zema defende que a Cemig seja privatizada em um modelo de corporation e que as ações do estado — avaliadas em R$ 13,5 bilhões — sejam transferidas para a União.

“O modelo parte do princípio da transformação da Cemig em corporation, após debate e análise por parte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). É importante reforçar que as fontes de recursos indicadas para abatimento da dívida foram estabelecidas de acordo com a seguinte ordem de prioridade: imóveis (R$ 1,9 bilhões), fluxo de recebíveis (R$ 72,7 bilhões), estoque da dívida ativa (R$ 2,6 bilhões) e, por último, participação societária em empresas, incluindo a Cemig (R$19,2 bilhões)”, disse o governo, em nota.

A negociação da empresa, porém, já foi reiteradamente negada dentro da Assembleia. Ainda em setembro, deputados da oposição e o presidente da Casa, Tadeu Martins Leite (MDB) conseguiram retirar a companhia energética do texto apresentado pelo governo para derrubar a exigência de um referendo popular para autorizar a venda da empresa. O projeto andou na Casa versando apenas sobre a privatização da Copasa.

Em meio à polêmica votação da derrubada do referendo para a venda da Copasa, Tadeuzinho reiterou sua posição em relação à companhia de energia. Em entrevista ao Jornal da Itatiaia na última quinta-feira (30), o presidente da Assembleia garantiu que a privatização da Cemig não estava e nem estará em debate.

O Propag foi aprovado no Congresso Nacional em dezembro de 2024 e regulamentado pelo governo federal em abril deste ano. A ideia central do projeto é permitir que os estados dividam o pagamento de suas dívidas com a União em até 30 anos e reduzam os juros cobrados sobre as parcelas, hoje fixados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano.

Um ponto percentual de juros é reduzido com a contribuição com o Fundo de Equalização Federativa (FEF) e outro ponto pode ser abatido com o uso do valor que seria pago em adição às parcelas em reinvestimentos feitos em áreas como segurança pública, ensino profissionalizante e infraestrutura. A grande celeuma, porém, reside na supressão de dois pontos percentuais de juros com o pagamento de 20% do estoque da dívida.

Para conseguir pagar os 20% da dívida — que seriam cerca de R$ 34 bilhões no valor atual do débito — o Governo de Minas enviou uma série de projetos à Assembleia solicitando autorização para a privatização de ativos do estado. A Casa já autorizou a federalização da Codemig e a cessão de créditos da dívida ativa, por exemplo.

Privatização da Cemig é desejo antigo

A Cemig, no entanto, é um tema mais complexo. O artigo 14 da Constituição de Minas Gerais determina que as estatais de energia, gás natural e saneamento só podem ser privatizadas mediante autorização dos eleitores do estado via referendo popular.

Mais de um ano antes da criação do Propag, Zema enviou à Assembleia a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023 para retirar da lei mineira a exigência do referendo para Gasmig, Copasa e Cemig. O texto ficou travado na Casa desde então, mas ganhou novo fôlego com o programa de refinanciamento da dívida.

A PEC do Referendo avançou sem Gasmig e Cemig, mas com muita polêmica e longos embates em plenário. No primeiro turno a votação começou às 18h do dia 23 de outubro e se estendeu até as 4h30 da madrugada do dia seguinte.

No segundo turno, a chamada PEC do Referendo foi aprovada pela conta mínima de 48 votos favoráveis contra 22 contrários na tarde da última quarta-feira (5). A sessão durou mais de sete horas e foi marcada por situações inusitadas como a inversão de papéis entre base e oposição no momento de obstrução da pauta; uma troca de empurrões entre deputados; e com a validade do voto definitivo para a aprovação do texto feita através de análises das câmeras da Assembleia.

Agora, já aprovada a derrubada do referendo da Copasa, a Cemig pode voltar à discussão, já que está entre os bens que o governo estadual pretende envolver na negociação da dívida.

O Governo de Minas argumenta que nem todos os ativos listados no pedido de adesão ao Propag serão, de fato, privatizados ou federalizados. A ideia é oferecer o maior número possível de bens para ter uma margem de manobra caso o governo federal recuse algum item. A relação de R$ 96 bilhões em bens estatais mineiros é quase três vezes superior ao necessário para aderir ao Propag com todos os benefícios de redução de juros.

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Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.