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Entre dúvidas e otimismo, decreto de Lula impacta debate sobre Propag na Assembleia

Prorrogação nos prazos do programa de refinanciamento da dívida movimentou a Casa em dia com vários projetos sobre o tema em pauta

Os governistas João Magalhães (MDB), Gustavo Valadares (PSD), Doutor Paulo (PRD) e Cássio Soares (PSD) e a oposicionista Beatriz Cerqueira (PT) no plenário da ALMG na quarta-feira (8)

Desde maio, quando o Governo de Minas Gerais enviou à Assembleia Legislativa (ALMG) o pacote de projetos para preparar a adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), a semana atual foi uma das mais movimentadas na Casa no debate sobre o refinanciamento da dívida mineira com a União. Na terça-feira (7) à noite, um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterou os prazos do projeto. A notícia vinda de Brasília foi recebida com reações diversas dos deputados estaduais, passando pela celebração da oposição, dúvidas da presidência da Casa e a indiferença da base governista.

O decreto assinado por Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trata essencialmente sobre os prazos do programa. Em suma, a medida permite que os estados adiram ao Propag até dezembro deste ano — conforme estava definido anteriormente — mas traz a novidade de que não é mais necessário apresentar a lista dos ativos a serem envolvidos na negociação das dívidas já devidamente autorizados pelas assembleias legislativas.

Com a nova formulação dos prazos, os estados podem aderir ao programa até o fim deste ano e tem até o fim de 2026 para realizar as negociações sobre quais ativos pretendem envolver no Propag como forma de abater parte da dívida, refinanciar o restante em até 30 anos e reduzir os juros cobrados sobre as parcelas.

Além disso, o decreto permite que os estados contratem empresas independentes para realizar a avaliação dos ativos que serão apresentados como forma de abatimento dos débitos. Antes, a função era delegada exclusivamente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

As mudanças nos prazos atenderam aos pedidos do presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB), que foi à Brasília para negociar as prorrogações diretamente com integrantes do governo federal. O deputado não tardou a se manifestar sobre o decreto, agradeceu a decisão, mas ressaltou que a medida levantou dúvidas entre os parlamentares e o corpo técnico da Casa.

Propag suspenso em plenário

Em entrevista coletiva convocada para a manhã de quarta-feira (8), Tadeu Leite — conhecido como Tadeuzinho — anunciou que todas as pautas relacionadas ao Propag estariam temporariamente suspensas no plenário da Casa até que algumas dúvidas sobre os efeitos do projeto fossem sanadas.

“Existem dúvidas sobre o decreto. Precisamos nos aprofundar nos próximos dias sobre os termos desse novo decreto. Por exemplo, em uma possível formalização do estado até o final deste ano, o estado começará a pagar como se no Propag estivesse, mas referente a qual valor? O valor atual ou o valor já com o abatimento sugerido pelo próprio estado com as avaliações? Precisamos entender um pouco mais neste sentido. Por isso, tomei a decisão de não chamar reuniões no plenário até acabarmos o estudo sobre o novo decreto”, declarou Tadeuzinho.

A dúvida que paira na Assembleia se refere a como seria calculado o pagamento da dívida de Minas Gerais a partir da adesão ao programa. Atualmente, o estado está sob a vigência do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e paga cerca de R$ 400 milhões mensais do serviço da dívida. O ingresso no Propag determina, obrigatoriamente, a saída do RRF.

A dívida de Minas com a União é de cerca de R$ 170 bilhões. O planejamento do governo estadual é ingressar no programa fazendo uso dos mecanismos previstos para redução dos juros, hoje fixados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% do estoque devido ao ano.

A estratégia é usar recursos do estado, como a Codemig e a Copasa, para abater 20% do estoque da dívida e, com isso, reduzir em dois pontos percentuais a cobrança adicional de juros.

O que os deputados e a equipe técnica da Assembleia querem entender é sobre qual valor será calculado o parcelamento da dívida no caso de uma adesão ao Propag sem a definição dos ativos negociáveis e aceitos pelo governo federal como forma de abater a dívida.

Em resumo, a interrogação básica é: as parcelas, a partir de janeiro, terão o valor do parcelamento do estoque total de R$ 170 bilhões e com cobrança de juros ou serão calculadas sobre a projeção de um estoque abatido em 20% e com juros reduzidos? Essa definição é importante porque determina a pressa para a aprovação dos projetos de privatização ou federalização em tramitação na Assembleia.

O presidente da Assembleia não descartou a possibilidade de entrar em contato com o governo federal para sanar as dúvidas oriundas do novo decreto. Ele ainda destacou que vai suspender a discussão no plenário, mas não tem ingerência na tramitação dos textos nas comissões, que, nas palavras de Tadeuzinho, ‘têm vida própria’.

Oposição celebrou decreto

O decreto foi recebido pelo Bloco Democracia e Luta, oposição ao governador Romeu Zema (Novo) na Assembleia, como um acréscimo argumentativo na tentativa de barrar mais privatizações propostas pelo Executivo Estadual na esteira do Propag.

A Assembleia já autorizou a federalização da Codemig e o uso de créditos da dívida ativa da compensação de regimes previdenciários nas negociações do Propag. Ainda tramitam na Casa projetos que versam sobre o futuro da Copasa, da Minas Gerais Participações (MGI) e de centenas de imóveis do estado.

Os deputados da oposição trataram o decreto como um ‘freio’ na pressa do governo estadual pela aprovação dos projetos restantes, em especial o da Copasa. O bloco também ressaltou que a possibilidade de contratação de empresas independentes para avaliar os ativos retira a legitimidade da argumentação do Executivo Estadual.

“O governo Zema e a sua base aqui na Assembleia diziam: ‘Olha, precisamos que só todas as leis sejam aprovadas. Não dá tempo de ter uma avaliação. O BNDES é quem fará essa avaliação, por isso que a gente nunca apresenta números com o valor da Codemge, MGI’. Com a publicação do decreto, todas as alegações que o governo Zema usava aqui na Assembleia caíram”, afirmou a deputada Beatriz Cerqueira (PT).

Em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira a exigência da realização de um referendo popular para autorizar a privatização da Copasa, a oposição defende que a prorrogação do prazo das negociações do Propag viabiliza a manutenção da consulta popular.

A retirada do referendo é defendida pelo governo estadual como necessária para acelerar a autorização de venda da companhia de saneamento e viabilizar o uso dos recursos obtidos para amortizar a dívida. Para o líder da oposição, Ulysses Gomes (PT), a prorrogação do prazo permite que a consulta popular seja mantida, com a decisão popular incluída no processo eleitoral de 2026.

“Somos contrários à forma que o governo tem manifestado de retirar o direito do cidadão através do referendo, que é constitucional. Com essa prorrogação, está claro que o governo tem tempo, aliás, com a manifestação do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) que aceitaria fazer na nas próximas eleições o referendo. Está claro que é possível se fazer o referendo com o tempo viável e ouvir a manifestação da população”, afirmou o deputado.

Base avança

No dia seguinte ao decreto, o comportamento da base de apoio do governador Zema na Assembleia não se alterou. Os projetos pautados na Casa foram avaliados normalmente e projetos do governo relacionados ao Propag tiveram avanços importantes.

No plenário, pautado antes do anúncio de suspensão feito por Tadeu Martins Leite, foi aprovada a federalização da MGI em primeiro turno. A empresa é acionista de empresas como a Cemig, Copasa, Codemge e Gerdau, todas com fatias inferiores a 1% de participação.

Na Comissão de Administração Pública (APU), o deputado governista Rodrigo Lopes (União Brasil) apresentou seu parecer no projeto que prevê a venda ou federalização de imóveis do estado. O relatório fez alterações importantes na lista que originalmente tinha mais de 300 prédios e retirou todas as estruturas da Universidade do Estado (Uemg) da relação.

O principal avanço da base se deu já no início da noite de quarta-feira, quando a comissão especial de avaliação da PEC do fim do referendo aprovou a proposta que derruba a exigência do referendo popular. A sessão durou mais de quatro horas e teve mais de 300 emendas apresentadas pela oposição, que trabalhava pelo protelamento da discussão. Na terça-feira (7), a obstrução foi bem sucedida.

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Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.