Ouvindo...

Entenda o ‘PL da dosimetria’, nova ideia de anistia após reunião de relator com Temer

Com urgência aprovada na Câmara, relator do projeto quer caminho ponderado para redução de penas, mas sem perdão aos condenados por atos antidemocráticos

Aécio Neves (PSDB-MG), Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e Michel Temer (MDB-SP) se reuniram para debater o PL da anistia

Após quase dois anos rondando o Congresso Nacional, o espectro de um projeto de lei (PL) para anistiar os condenados pelos atos de 8 de janeiro - e por conseguinte o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - teve dias decisivos em Brasília nesta semana. A Câmara dos Deputados aprovou a urgência para a apreciação de um dos textos apresentados para viabilizar a empreitada e definiu o relator da matéria. A designação de Paulinho da Força (Solidariedade-SP) para a função veio com alterações importantes no cenário das punições aos envolvidos na tentativa de um golpe de Estado após as eleições de 2022, incluindo a mudança da alcunha da medida para “PL da dosimetria”.

Na quinta-feira (18) pela manhã, Paulinho da Força foi designado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), como o relator do PL 2162/2023, tido como PL da Anistia. O parlamentar paulista imediatamente acenou para o que considera uma pacificação do tema e indicou que seu parecer sobre o projeto não agradaria extremos à esquerda ou à direita. Ele encerrou o dia na casa do ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) em uma reunião que originou a ideia de rebatizar o projeto como ‘PL da dosimetria’.

O encontro na casa de Temer teve a presença do deputado federal e ex-governador de Minas, Aécio Neves (PSDB-MG). Durante a conversa, os três falaram de forma remota com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e com Hugo Motta. Uma das conclusões do encontro foi a de que uma anistia ampla, geral e irrestrita, como querem os bolsonaristas, não tem espaço para aprovação e seria considerada inconstitucional pelos magistrados da Suprema Corte.

Entra então a ideia da ‘dosimetria’. No contexto jurídico, a palavra se refere ao processo de fixação de pena a um réu condenado de acordo com a percepção da gravidade do delito cometido. Embora as tratativas sobre o que efetivamente será proposto no relatório de Paulinho da Força ainda não estejam definidas, a mudança de nome aponta para uma proposta que não perdoa os crimes, mas prevê uma redução das sanções.

Além dos mais de mil condenados pelos atos de vandalismo na sede dos três poderes, o projeto pode reduzir a pena de Bolsonaro e dos sete integrantes no chamado núcleo da trama golpista. O ex-presidente recebeu uma pena de 27 anos e três meses pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e ameaça grave; e deterioração de patrimônio tombado.

Além de Bolsonaro, foram condenados Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência); Almir Garnier, almirante e ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional); Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa; e Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice-presidente em 2022.

Inelegibilidade mantida

A sugestão de um projeto de lei que não perdoa, mas revê as penas consideradas exageradas interfere diretamente no cenário de preparação para as eleições de 2026. Capitaneados por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) direto dos Estados Unidos, os parlamentares mais ferrenhamente alinhados ao ex-presidente não engolem a ‘anistia light’ também por razões eleitorais.

A opção por votar apenas a possível redução de penas manteria a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Além de ter tido os direitos políticos suspensos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em duas decisões de 2023, a condenação criminal afasta Bolsonaro das urnas por ao menos oito anos além da pena estabelecida, conforme o que dita a Lei da Ficha Limpa nos parâmetros atuais.

Escolha do relator foi um aceno à ‘ponderação’

A votação da urgência ao PL da anistia aconteceu em meio a outra polêmica na Câmara dos Deputados. No calar da noite de quarta-feira (17), os deputados aprovaram, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021. Apelidada de ‘PEC da Blindagem’, a medida prevê que um deputado ou senador só possa ser processado com autorização prévia das casas.

Impopular, a votação da PEC foi liberada após negociações entre parlamentares bolsonaristas, o centrão e Hugo Motta. No centro das tratativas e com vários interesses a conciliar, o presidente da Casa viu na escolha da relatoria da próxima pauta de repercussão na Câmara a chance de fazer um aceno ao STF.

Paulinho da Força é próximo a Temer e Alexandre de Moraes, o ministro que relatou a condenação de Bolsonaro e alvo preferencial dos movimentos bolsonaristas em todo o país. O deputado seria o elo entre os poderes para uma decisão ‘ponderada’, como prega Motta.

Com a urgência aprovada, assim que o relatório de Paulinho da Força ficar pronto, o texto pode ser votado diretamente em plenário, sem passar pelas comissões. A expectativa na Casa é que o processo se dê já na próxima semana.

Leia também

Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.