O que dizem relatórios contratados pela Copasa para campanha de privatização

Documentos produzidos pela Ernst & Young trazem guia de relacionamento institucional e plano de comunicação para viabilizar transformação na companhia de saneamento

Copasa contratou empresa inglesa de consultoria para produzir relatórios com mapeamento de mídia e relações institucionais

Em meio às votações para a derrubada da exigência de um referendo popular para a privatização da Copasa e a efetiva venda da companhia de saneamento, relatórios produzidos pela empresa de auditoria e consultoria Ernst & Young ganharam destaque nos debates realizados na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Relatórios produzidos pelo escritório londrino com a prerrogativa de estudar o cenário de universalização do saneamento no estado e apresenta projeções sobre o futuro da empresa com o avanço do processo de desestatização perpetrado na Assembleia com projetos enviados à Casa pelo governador Romeu Zema (Novo).

A oposição acusa o governo de ter feito um mapeamento para viabilizar lobbies pela privatização da empresa.

A Itatiaia teve acesso aos relatórios e, em consulta ao Portal da Transparência da Copasa, conferiu que a empresa inglesa foi contratada por R$ 5,5 milhões em maio deste ano. O vínculo entre a estatal e a Ernst & Young tem vigência de 12 meses.

Monitoramento de figuras importantes

O relatório mensal de setembro tem 264 páginas e um detalhamento do plano de ação contratado pela Copasa. Nele, a Ernst & Young descreve os agentes importantes para o debate sobre a privatização da empresa. Eles são definidos como ‘defensores’, ‘neutros’ e ‘contrários’ em uma seção do estudo denominada ‘mapeamento de stakeholders’

Entre os defensores, a Ernst & Young lista: “o governo estadual; a base governista; diretores e Conselheiros da Copasa; prefeitos e vereadores que visualizam benefícios; líderes de entidades empresariais e representativas de classe; influenciadores digitais com pensamento modernizante e setores da imprensa preocupados com a universalização dos serviços de água e esgoto.

As entidades contrárias são apresentadas a partir de: “sindicatos e corporações internas; parte dos servidores de carreira; oposição na ALMG; influenciadores digitais vinculados aos partidos de oposição e setores críticos da imprensa; prefeitos e vereadores vinculados aos

partidos de oposição”.

Há ainda os tratados como neutros: “população em geral; imprensa da Capital e do interior; deputados estaduais não posicionados nos polos ideológicos; prefeitos e vereadores não posicionados nos polos ideológicos; porção mais jovem e engajada do corpo técnico da companhia; e órgãos de controle”.

Prefeitos, deputados estaduais e órgãos de controle são tratados como ‘stakeholders estratégicos’. Para cada um deles, a consultoria apresenta focos de trabalho no convencimento pela pauta descrita como ‘universalização do saneamento’, atrelada à desestatização da Copasa.

No relatório produzido em junho, o primeiro desde a contratação da Ernst & Young, há uma lista com 1.107 pessoas e entidades que devem ser tratadas como estratégicas nas ações da companhia por sua desestatização. Cada participante da relação foi classificado como acionista; deputado estadual; diretor da Copasa; especialista; Governo do Estado; imprensa; líder de entidades empresariais e representativas de classe; órgão de controle; população; prefeito; sindicato e corporação interna; ou rede social.

Atuação expandida da consultoria

Em entrevista à Itatiaia, o advogado, mestre em direito público e professor na escola do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), Fabrício Souza Duarte, avalia que os relatórios chamam a atenção por abordarem temas normalmente alheios à atuação de uma empresa especializada em consultoria e auditoria fiscal.

“A Ernst & Young tem uma expertise muito grande na área de auditoria tributária e financeira e o contrato prevê o serviço de assessoria de comunicação. Não é a praxe desse tipo de contrato. Não é adequado você fazer contratos tão distantes, porque poderia ter sido firmado um compromisso com empresas especializadas nesse tipo de serviço e que poderiam prestá-lo com preços menores”, avalia.

A contratação da empresa inglesa foi feita no modelo de inexigibilidade de licitação, quando não é aberta uma concorrência para a contratação do serviço mais barato. Ainda assim, Duarte avalia que poderia ter sido respeitado o princípio da especialidade ao contratar o serviço de assessoria de comunicação.

O contato direto com políticos e lideranças também chamou a atenção do especialista, que destaca que esse tipo de contato institucional costuma ficar a cargo da direção da própria empresa. Ele destaca que os relatórios descrevem uma atividade de lobby, o que não é, a priori, irregular.

“O que me parece na leitura do documento é que a função da Ernst & Young é exatamente fazer um lobby. A gente tende a demonizar essa atuação, mas no sentido de convencimento, é perfeitamente possível. Desde que não haja corrupção, é plausível”, conclui.

O que diz a Copasa

Em nota enviada à reportagem, a Copasa afirma que toda e qualquer contratação de prestação de serviços obedece a normas rigorosas de controle, governança e compliance, reconhecidas internacionalmente e atestadas pela Certificação ISO 37.301.

“Como empresa de economia mista, com capital aberto e atuação em cerca de 640 municípios, a Copasa realiza periodicamente estudos técnicos e análises estratégicas que subsidiam o planejamento de suas operações e o aprimoramento contínuo dos serviços prestados à população. O objetivo é garantir eficiência, transparência e diálogo permanente com os diversos segmentos da sociedade, princípios essenciais para uma companhia que presta um serviço público essencial”, diz a nota.

Copasa no Propag

A privatização da Copasa, bem como da Gasmig e da Cemig, já integrava a pauta do governo Zema desde o primeiro mandato, mas ganhou novo fôlego com a criação do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Com o projeto permitindo a privatização e federalização de ativos como forma de pagar a dívida com a União, vários projetos da pauta privatista do Executivo andaram na Assembleia após anos parados.

O Propag prevê que estados refinanciem em 30 anos a dívida com a União e estabelece mecanismos para reduzir os juros cobrados sobre as parcelas. O projeto do Executivo Estadual é ingressar no programa abatendo 20% do estoque devido.

Para obter o valor necessário na amortização da dívida, o Executivo enviou projetos para federalizar ou privatizar estatais à Assembleia. No caso da Copasa, além do texto específico que trata sobre a venda da companhia de saneamento, o governo precisou retirar da constituição a necessidade de realizar um referendo para autorização da privatização.

Hoje os juros são indexados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano. Se o estado conseguir amortizar 20% do estoque da dívida, dois pontos percentuais da cobrança adicional são abatidos.

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Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.

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