O frade dominicano e escritor Frei Betto, conhecido por sua atuação em causas sociais e por seu engajamento político desde a ditadura militar, fez críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e comentou a situação da política brasileira.
Em entrevista à Itatiaia, ele também falou sobre seu novo livro, ‘Quando fui pai do meu irmão’, um relato pessoal sobre o cuidado com seu irmão caçula, dependente químico e com problemas de saúde mental.
Críticas ao bolsonarismo
Com longa trajetória ligada à Teologia da Libertação e a projetos de combate à fome, Frei Betto afirmou ver quadros qualificados na política brasileira, mas lamentou o que considera ser uma contaminação do cenário político por figuras como Bolsonaro. “O Bolsonaro não [é um quadro bom], é uma contaminação da política brasileira, é um autocrata com tendência à ditadura”, afirmou.
Frei Betto também defendeu a participação cidadã ativa no combate à corrupção. “É preciso que a gente como cidadão, portador do voto, denuncie toda essa corrupção que há em todos os níveis”, disse.
Apesar das críticas, ele ressalta que há políticos éticos que devem ser valorizados. “Parece uma coisa endêmica, ontológica, mas tem muita gente honesta aí, temos que valorizar estes políticos comprovadamente éticos e honestos”, relatou.
Relato íntimo
O livro de Frei Betto narra sua vivência ao cuidar do irmão caçula, que enfrentava problemas com drogas e transtornos mentais. “Foi uma bênção. Provação de um lado porque nos desafiou a ter uma intensa relação amorosa com ele. Quem entra na droga, no álcool, é por carência afetiva, falta de atenção da família, falta de acolhimento da comunidade. Ao mesmo tempo a porta de saída é a mesma que entrou: uma dose forte, intensa, de amor”, disse.
Segundo o autor, a experiência evidencia a importância do acolhimento familiar, da solidariedade e do papel do Estado. “É dever do Estado assumir todo o trabalho terapêutico. Sem o Estado intervir é muito difícil. Grande parte da população não tem recursos, não tem como atender um parente nessa situação e exige uma atenção quase que permanente”, afirmou.
Redes sociais
Frei Betto também comentou o papel da internet na formação de opinião, criticando a superficialidade e a falta de conteúdo de algumas figuras públicas. “O grande problema hoje são as pessoas proeminentes, famosas, que não têm conteúdo. É um jogo de cena, de efeitos, e com isso acabam ganhando adeptos que estão no mesmo nível delas: vazias, sem sentido, sem esperança, voltadas sobretudo para o consumismo”, criticou.
Ele defendeu a regulação das redes sociais como forma de proteger a dignidade das pessoas. “Todo mundo que diz que não tem que haver regulamentação é que nunca teve a mãe chamada de prostituta e o pai chamado de nazista criminoso de Auschwitz”, declarou.
Por fim, alertou para a falta de memória histórica e de senso coletivo entre os mais jovens: “A geração não tem memória do passado. Muitos jovens surpresos em saber que o Brasil teve 21 anos de ditadura militar e muitos sem perspectiva de futuro a não ser ter uma carreira que lhes traga um bom salário, uma boa conta bancária, mas não têm nenhum senso de comunidade”.