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Fala de Lula sobre traficantes anima oposição e mobiliza crítica massiva e coordenada

Petista teve de se retratar após repercussão negativa gerada por fala em que diz que traficantes são vítimas de usuários

Bloco de oposição do Congresso reunido em julho: fala de Lula deu novo ânimo ao grupo

A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em que apontava traficantes entre as vítimas do comércio ilegal de drogas deu novo fôlego aos oposicionistas do governo federal. A fala aconteceu na última sexta-feira (24), durante uma entrevista coletiva em Jacarta, na Indonésia, e gerou grande repercussão negativa, a ponto do petista se retratar horas após a fala.

Ao comentar sobre o tráfico internacional, tema relacionado à movimentação militar dos Estados Unidos na América Latina na última semana, Lula fez uma correlação de culpas entre usuários e traficantes como origem do crime e disse que quem vende as drogas também é vítima de quem compra.

“Toda vez que a gente fala de combater as drogas, possivelmente fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente. Os usuários, os usuários são responsáveis pelos traficantes que são vítimas dos usuários também. Você tem uma troca de gente que vende porque tem gente que compra”, afirmou Lula.

A fala foi respondida em uníssono por opositores, em especial nomes da política alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Com a manifestação, o petista alimentou um dos principais argumentos contrários à sua gestão que associa o presidente e outros representantes da esquerda à defesa de criminosos.

Em nota oficial publicada horas após a declaração do presidente, o líder da oposição na Câmara dos Deputados, Luciano Zucco (PL-RS) disse que Lula defende traficantes, associou o brasieiro ao seu par colombiano Gustavo Petro e fez referência às ações dos EUA realizadas sob a prerrogativa do combate ao narcotráfico internacional. O parlamentar também disse que a declaração ofende as forças de segurança.

“Defender traficante é o fim de tudo. Enquanto o país enfrenta uma escalada de violência, e enquanto milhares de famílias choram filhos, netos e irmãos destruídos pelo vício, o presidente da República prefere tratar criminosos como vítimas. Essa declaração afronta as forças de segurança que todos os dias colocam a vida em risco para combater o tráfico, desrespeita as comunidades reféns do crime e humilha as famílias que perderam entes queridos para as drogas”, afirmou.

Bolsonaristas brasileiros e americanos têm um alinhamento em defender a classificação do narcotráfico como uma atividade terrorista. Opositores ao conceito apontam que essa categorização permitiria uma interferência internacional em ações de defesa nacional.

Nesta linha, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), também figurou entre os que criticaram Lula. Ele usou o Instagram para, com um meme, apontar que o presidente rechaça classificar o tráfico como terrorista, mas categoriza criminosos como vítimas da sociedade.

Inversão de papeis

A lógica de inversão de papéis utilizada por Zema foi uma das tônicas mais comuns nas críticas à fala de Lula. O senador e ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (PP-PI) ironizou a declaração com uma espécie de silogismo aplicado a outros crimes.

“Os traficantes são vítimas dos usuários, os assaltantes são vítimas dos assaltados, os assassinos são vítimas dos mortos, os estupradores são vítimas das violentadas e por aí vai. Presidente Lula, vítima é o povo brasileiro dessa visão em que as vítimas são culpadas e os culpados são vítimas”, escreveu o senador em seu perfil no X, antigo Twitter.

Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), deputado líder do partido de Bolsonaro na Câmara, seguiu a mesma linha de raciocínio do senador: “O homem que governa o país defende quem destrói famílias, quem enche os cemitérios e quem espalha violência nas ruas. Para ele, o bandido é vítima e o cidadão de bem é o culpado”.

Uma das vozes mais ativas da oposição nas redes sociais, Nikolas Ferreira (PL-MG) foi ao X para reforçar a linha da troca dos papeis entre culpado e vítima. Em um vídeo, o parlamentar mineiro fez uma série de comparações com itens que o deputado considera antagônicos como ‘ladrão e cofre’; ‘corrupto e dinheiro na cueca’; ‘rombo no INSS e aposentados’; e ‘MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e cerca’. Ele conclui criticando eleitores do atual governo federal.

“O PT é a vítima do próprio governo. É realmente a massa jogando o pedreiro na parede. O condenado é presidente, o inocente é perseguido, o bandido é protegido e a culpa é sempre de quem paga a culpa porque alguém ‘fez o L’. Parabéns aos envolvidos”, afirmou.

Com uso de inteligência artificial, Nikolas ainda publicou um vídeo de animação em que traficantes e assaltantes cometiam crimes e conversavam sobre como se sentiam autorizados a fazê-lo por uma pretensa autorização presidencial. No mesmo registro, as vítimas dos roubos consentiam com os atos e lamentavam como se fossem as culpadas pelos delitos, em uma ironia à fala de Lula.

Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado licenciado do cargo desde março e vivendo nos Estados Unidos, fez um vídeo dizendo que o governo de Lula não vai dar certo porque está baseado numa inversão de valores e associou o Brasil à Venezuela como exemplo de ‘narcoditaduras’.

Lula se retrata

Lula se retratou ainda na sexta-feira afirmando que a declaração foi uma ‘frase mal colocada’. Em consonância com uma nota oficial publicada pelo governo federal, ele ressaltou feitos da gestão em combate ao crime organizado.

“Quero dizer que meu posicionamento é muito claro contra os traficantes e o crime organizado. Mais importante do que as palavras são as ações que o meu governo vem realizando, como é o caso da maior operação da história contra o crime organizado, o encaminhamento ao Congresso da PEC da Segurança Pública e os recordes na apreensão de drogas no país. Continuaremos firmes no enfrentamento ao tráfico de drogas e ao crime organizado”, escreveu Lula no X.

A grande repercussão negativa acontece enquanto Lula viaja à Malásia para a 47ª cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), evento que pode ser o palco do primeiro encontro presencial do brasileiro com Donald Trump. Ambos os líderes já sinalizaram positivamente ao diálogo, que deve ter como pauta a revogação do tarifaço e as medidas individuais impostas contra autoridades brasileiras.

As críticas dos bolsonaristas marcam também um momento de unidade no discurso da oposição após estremecimento do bloco em episódios como a PEC da Blindagem, da condenação do ex-presidente Bolsonaro, da repercussão interna negativa ao tarifaço movido por Trump sob influência de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo e da retomada da popularidade da gestão federal.

Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.