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De aborto a tarifa zero: projetos na Assembleia de MG replicam debate da Câmara de BH

Semana dos deputados estaduais foi marcada por assuntos que já movimentaram a agenda de vereadores da capital; professor analisa o movimento de replicação de projetos

Debates que causaram polêmica na Câmara de BH também pautaram a Assembleia de Minas

Há meses imersa nas discussões sobre o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), os destaques da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta semana foram divididos entre o debate fiscal e temas que já repercutiram na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH). Em debates nas comissões da Casa, deputados estaduais discutiram o direito das mulheres ao aborto e a gratuidade nos ônibus, assuntos que causaram polêmica entre os vereadores da capital nesta legislatura.

Na terça-feira (30), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia retomou as discussões sobre a Proposta de Emenda à Constituição 26/2023, chamada de ‘PEC do Nascituro’. A proposta é assinada por 38 dos 77 deputados da Casa e é uma iniciativa de Bruno Engler (PL). Entre outras medidas, o texto prevê que o feto tem o direito a ter seus batimentos cardíacos ouvidos pela genitora, o que é interpretado pelos críticos como uma tentativa de dificultar o acesso das mulheres ao aborto mesmo em casos em que ele é legalizado no Brasil: gravidez oriunda de estupro, risco à vida da gestante e feto anencéfalo.

O tema dialoga com uma série de projetos que vereadores alinhados ideologicamente a Engler já apresentaram neste ano na Câmara de BH. O Legislativo Municipal já aprovou, por exemplo, o dia do método contraceptivo natural e tem na pauta textos que preveem a necessidade de expedição de atestado de óbito para fetos e a instalação de cartazes em hospitais para dissuadir mulheres da prática do aborto legal.

Pelo lado progressista, as propostas são caracterizadas como braços do movimento natalista; no campo conservador, as medidas são defendidas como iniciativas de proteção do direito à vida.

A ALMG, por orientação da presidência da Casa tem conseguido escapar da discussão de projetos com mais potencial de polêmica que de efeitos reais para a população, mas há na Casa textos que dialogam com a onda de projetos conservadores replicados em assembleias e câmaras pelo Brasil, como o pacote de PLs ‘anti-Oruam’, em referência ao rapper preso por apologia ao tráfico de drogas.

À Itatiaia, o professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Thiago Silame, avalia que há uma coordenação de movimentos conservadores para a apresentação de projetos semelhantes em diferentes instâncias do Legislativo no país. Nesses casos, importa mais a repercussão dos textos e a sinalização feita às bases do que a viabilidade do projeto.

“No geral, o que eu vejo de comum é uma agenda da direita, sobretudo da extrema-direita, que serve muito mais para mobilizar e deixar atenta a sua base e os seus apoiadores, sobretudo quando você pega projetos que debatem cristofobia, lei do nascituro, ou a questão do uso da Bíblia como material paradidático. São sinalizações para essa base e independe se, lá na frente, o projeto vai ser considerado inconstitucional”, afirmou.

O roteiro para este tipo de projeto costuma seguir na seguinte linha: um parlamentar critico à proposta aciona a Justiça, que observa um vício de função no texto e o considera inconstitucional e sem efeito.

No debate da PEC do Nascituro na CCJ da Assembleia, a deputada Lohanna França (PV) chegou a defender que a medida não fosse votada com o argumento que antecipa a judicialização do tema. “A gente não precisa passar pela vergonha de uma lei da Assembleia ser considerada inconstitucional só para que as pessoas tenham curtida na internet”, afirmou na ocasião.

Discussões como o aborto são prerrogativas de deputados federais e senadores e versam sobre alterações na Constituição Federal. O professor Thiago Silame analisa que, o grande número de parlamentares eleitos por movimentos conservadores permite que pautas não referentes à casa legislativa em questão avancem à revelia do pacto federativo e cumprem sua função de agendar o debate público, mesmo que os projetos sejam considerados inconstitucionais.

“No embate político são colocadas as questões de competência de ente federado, de constitucionalidade, inconstitucionalidade. Aí eles vão para a questão da decisão numérica, levam vantagem porque a representação da direita hoje é muito forte em várias casas legislativas do país. Então, eles aprovam a princípio, mesmo que lá na frente vá bater no Supremo Tribunal Federal (STF) para ser rejeitado. A questão é sinalizar para as bases a pauta moral, a pauta liberal no ponto de vista da economia e a pauta moralista em termos de costumes”, complementou o pesquisador.

Tarifa zero em ambas as casas

Por meses, o projeto de lei que institui a tarifa zero nos ônibus de Belo Horizonte foi debatido na Câmara da capital até ficar pronto para o plenário. Na véspera da votação em primeiro turno, a discussão alcançou a Assembleia.

Na última quinta-feira (2), a deputada Bella Gonçalves (PSOL) apresentou um projeto de lei que institui a gratuidade no transporte da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Como financiamento da medida, a parlamentar de oposição sugere o fim da isenção fiscal para locadoras de veículos, instituída durante o governo de Romeu Zema (Novo).

Para o pesquisador Thiago Silame, a replicação do projeto se insere em um movimento de percepção da repercussão popular da discussão somada ao diálogo que a proposta municipal faz com o âmbito estadual.

“No caso do projeto da tarifa zero, eu vejo que tem uma mobilização muito grande em Belo Horizonte de movimentos sociais ligados à aprovação desse projeto. Por mimetismo essa agenda também chega em outras casas legislativas, já que há o transporte intermunicipal disciplinado pelo estado. Há uma convergência dessa agenda e pode ser algo positivo do ponto de vista eleitoral para os políticos”, avaliou.

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Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.