Ouvindo...

Após prisão, condenação e inelegibilidade, é possível haver bolsonarismo sem Bolsonaro?

Direita ainda vê o ex-presidente como farol para o futuro do campo político conservador

Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)

Inelegível, preso, fragilizado e condenado pela trama golpista, Jair Bolsonaro (PL) deve assistir de longe as eleições de 2026. O ex-presidente, que é o rosto principal de um movimento conservador pujante na sociedade brasileira, participará à distância do processo eleitoral e terá que apontar sucessores para que o bolsonarismo continue vivo e representativo. Mas, é possível um bolsonarismo sem a figura de Bolsonaro? De acordo com lideranças bolsonaristas e especialistas ouvidos pela Itatiaia, não apenas o campo conservador continuará apesar da distância do ex-presidente, como seguirá sendo um player eleitoral de peso no próximo pleito.

O cientista político Adriano Cerqueira avalia que a direita, apesar de estar em um ambiente político fragmentado, seguirá no Brasil mesmo sem a liderança do ex-presidente, especialmente devido ao fato de Bolsonaro ter conseguido construir sucessores durante sua atuação como principal figura do campo conservador. “Bolsonaro virou este fenômeno porque conseguiu representar uma parcela significativa do eleitorado com os valores que soube assumir, brigar por eles. O Bolsonaro é mais um efeito desse eleitor do que causa”, opina.

“Se ficar claro para esse eleitor conservador que Bolsonaro não poderá se candidatar, o que vai ser determinante é quem ele apoiar, quem ele endossar como candidato. Esse movimento ganhou expressão nacional com Bolsonaro, mas vai continuar sem Bolsonaro. Há uma diferença grande em relação ao que Lula fez (na esquerda): Bolsonaro projetou novas lideranças, muitos políticos ganharam projeção por conta de Bolsonaro. O ex-presidente vai ficar, de algum modo, aposentado da política, mas essa força do eleitorado conservador vai continuar”, destaca o especialista.

Mariana Chaise, cientista política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, avalia que há duas formas de entender o bolsonarismo – como um polo político-eleitoral, que deve permanecer como força estruturante do pleito do ano que vem, e como um projeto político-ideológico, que também viverá sem a liderança do ex-presidente. O debate, de acordo com ela, é sobre quem será o herdeiro do bolsonarismo, que, na visão da especialista, tende a ser o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

“Entendo que saindo essa figura carismática do Bolsonaro e entrando uma figura como o Tarcísio, como o Ratinho Jr., enfim, um tipo mais institucional da política, como é parte da fatia do PL do campo pragmático do partido, que agora prevalecesse sobre o que primeiro grupo, mais ideológico. Como se essa fatia mais institucionalizada, mais organizada do conservadorismo, prevalecesse sobre a fatia mais ideologizada e mais plebiscitária”, defende.

A pesquisadora acredita que uma das possibilidades para o bolsonarismo é virar parte da política “tradicional”, institucionalizada e rotineira. “É diferente daquele primeiro governo Bolsonaro que tudo era, enfim, muito radical, uma figura de muitos arrombos. Acredito que um caminho é a institucionalização. Então, se mantém como uma força política eleitoral, mas por dentro de um partido, por dentro de uma coligação, como eu entendo que esteja se desenhando pelo menos para o Tarcísio”, acrescenta.

Direita ainda vê Bolsonaro como farol

À direita, a figura do ex-presidente ainda é um farol para o futuro do movimento bolsonarista. Lideranças ouvidas pela Itatiaia apontam que, mesmo preso, Bolsonaro estará à frente das articulações e trará orientações sobre como seus aliados e correligionários deverão agir.

O deputado estadual Bruno Engler (PL) pontua que ainda há possibilidade de que interlocutores, mesmo na situação da “prisão injusta” de Bolsonaro, tragam a liderança dele para o movimento, e cita que é precoce dizer que haverá um “bolsonarismo sem Bolsonaro”.

“Mesmo que ele esteja em uma situação de prisão, existem interlocutores que podem fazer essa ponte. O próprio Carlos, o Flávio, buscando orientações. Não é porque ele está vivendo uma situação de prisão injusta que ele deixa de ser o nosso líder. É precoce pensar um bolsonarismo sem a liderança de Bolsonaro”, pontua.

Apesar disso, Engler admite que Bolsonaro cultivou lideranças e que isso, neste momento, cria um cenário positivo para o futuro do bolsonarismo. “Homens passam, ideias ficam. Bolsonaro, como eu também um dia, vai passar, mas os valores ficam. Mas também entendo que essas lideranças precisam ter um sentimento de igualdade e gratidão, sendo que ele é o nosso líder. Cabe à família e a interlocutores trazer a liderança dele”, pondera.

O vereador de Belo Horizonte Vile Santos (PL) afirma que a presença do presidente Jair Bolsonaro na direita ainda é de suma importância e que a direita ainda está estrutura ao seu entorno, ao contrário da esquerda, que tem maiores bases de sustentação na política institucional, na sua visão.

“Acredito que, assim como o Olavo de Carvalho falava, não existe direita no Brasil, existe Jair Bolsonaro. Quando ele dizia isso era em questão de a gente ainda estar engatinhando. A esquerda vem se estruturando muito desde 1964 para cá. Eles tomaram universidades, tomaram tribunais, tomaram a política e a gente tomou mais a frente após a aparição do presidente Jair Bolsonaro”, define.

“Eu acredito que como a gente ainda não está em um movimento muito maduro, então, se, ainda está em torno de uma pessoa, que é o presidente Jair Bolsonaro. Entendo que Jair Bolsonaro, mesmo ali com a com 70 anos, ele ainda tá com muita saúde para continuar coordenando o movimento, independente da situação que ele esteja. Obviamente, tem outras lideranças, mas todos ali tem que estar dentro do comando do chefe, que é o presidente Bolsonaro”, conclui.

Leia também

Jornalista pela UFMG, Lucas Negrisoli é editor de política. Tem experiência em coberturas de política, economia, tecnologia e trends. Tem passagens como repórter pelo jornal O Tempo e como editor pelo portal BHAZ. Foi agraciado com o prêmio CDL/BH em 2024.