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30 anos de cotas: mulheres aproveitam brechas e garantem direitos eleitorais na Justiça

Três décadas se passaram desde que a primeira lei de cotas eleitorais no Brasil; cenário de avanço é marcado pelo aproveitamento de reformas eleitorais e de acionamentos da Justiça

Em 29 de setembro de 1995 foi promulgada a primeira lei com reserva de vagas para mulheres nas eleições

Há exatos 30 anos, entrava em vigor no Brasil a primeira lei com a previsão de reserva de vagas para mulheres na lista de candidatos para cargos no Legislativo. Ao longo das últimas três décadas, a participação feminina na política avançou de forma lenta, mas constante. O crescimento no número de eleitas acontece quase sempre aproveitando as oportunidades conjunturais e garantindo os direitos adquiridos na Justiça.

Em entrevista à Itatiaia, a professora da University College London e doutora em ciência política pela Universidade de Oxford, Malu Gatto, destaca que o contexto de reformas eleitorais e o cenário de redemocratização no Brasil foram importantes para que as mulheres conseguissem vencer a resistência masculina e cavar um espaço na política eleitoral.

O contexto de reformas eleitorais amplas sempre foi importante para que avanços relacionados a públicos específicos prosperassem. Nas contas de Malu Gatto em seu livro sobre a resistência à aprovação de cotas de gênero na América Latina, a pesquisadora calcula que 49 PLs e PECs foram apresentadas no Brasil relacionadas à garantia de representação feminina entre 1991 e 2021.

Nesses 30 anos, apenas quatro projetos avançaram em sua tramitação, todos eles como parte de um pacote de medidas que reformaram as regras eleitorais do país.

As pequenas janelas de oportunidade para avançar com a representação feminina na política do Brasil também foram observadas nas medidas judiciais. Para as eleições de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a doação de empresas para campanhas eleitorais. A medida culminou com a criação de um fundo de financiamento público e aí se deu uma oportunidade para garantir que campanhas de candidatas fossem abastecidas com recursos.

“Quando o fundo especial de campanhas é criado, as pessoas que estavam sempre dizendo: ‘olha, a gente vai precisar de recursos para as mulheres para sermos competitivas’, percebem uma brecha para garantir que isso aconteça. O institutional layering, ou seja, esse diferente arranjo institucional através da criação do fundo especial de campanha gera uma nova oportunidade de reserva de financiamento de campanha para as mulheres, que antes disso seria mais difícil de instituir, justamente por não ter um fundo público. Esse, de fato, é um é um momento que que traz a discussão para o outro patamar”, analisa.

Em maio de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral decide por unanimidade que a cota de 30% de mulheres nas listas de candidatos se estende também ao destino dos recursos dos fundos partidários e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC). A decisão foi considerada crucial para o aumento da representação feminina no Legislativo.

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Avanços na Justiça

No contexto de um Legislativo corporativista e refratário à perda de um espaço historicamente dominado por homens, as decisões judiciais representaram um avanço significativo para as medidas de participação feminina nas eleições. O papel do TSE e do STF nessa história, no entanto, só foi possível com a existência de uma legislação que servisse de base para as decisões dos magistrados.

“É importante que a gente estabeleça quem tem os méritos.O judiciário reage a algo, portanto, as leis de cotas precisavam existir, serem aprovadas a partir do legislativo para que o judiciário pudesse interpretá-las e tomar decisões em cima disso. Foi importante sim o Legislativo adotar essas cotas, mesmo que cotas com problemas, com brechas, para que essas cotas, elas fossem sendo fortalecidas com o tempo”, destaca Malu Gatto.

Entre as alterações feitas no Legislativo fundamentais para que o Judiciário pudesse atuar para garantir a representação feminina nas urnas aconteceu na minirreforma eleitoral de 2009. Na ocasião, o termo ‘reservar’ foi substituído por ‘preencher’ ao tratar sobre os 30% destinados às candidatas. Desta maneira, a Justiça pôde punir partidos e coligações que não cumpriam com o lançamento efetivo das campanhas.

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Repórter de política da Itatiaia, é jornalista formado pela UFMG com graduação também em Relações Públicas. Foi repórter de cidades no Hoje em Dia. No jornal Estado de Minas, trabalhou na editoria de Política com contribuições para a coluna do caderno e para o suplemento de literatura.