O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu entrevista à CNN antes de deixar o comando da Corte e fez um amplo balanço da sua gestão. Ele destacou decisões que considera históricas e reconheceu os custos pessoais de estar à frente do tribunal em um dos períodos mais tensos da política recente.
Balanço da gestão
Barroso listou julgamentos que, em sua avaliação, impactaram diretamente a sociedade brasileira:
- descriminalização parcial do porte de drogas para consumo pessoal;
- regulação das plataformas digitais;
- direitos de saúde pública e privada;
- licença-paternidade estendida;
- transporte público gratuito no dia das eleições;
- acesso integral da população LGBTQIA+ e pessoas trans ao sistema de saúde.
Segundo ele, essas medidas compõem “um conjunto de decisões que fizeram diferença na vida do país”. O ministro citou ainda a condenação de envolvidos no 8 de janeiro, entendida como um “
Magistratura e diversidade
Entre as iniciativas institucionais, destacou:
- criação do Exame Nacional da Magistratura, para unificar critérios de ingresso na carreira;
- novas regras de promoção em tribunais, com meta de 40% de mulheres: a cada promoção masculina, a seguinte deve ser feminina;
- aumento da diversidade racial: a nota mínima em concursos passou a ser 7, mas foi mantida em 5 para candidatos negros;
- programa de bolsas em cursos preparatórios para os 750 primeiros colocados negros, com apoio financeiro privado — entre eles, 124 receberão auxílio de R$ 3 mil.
Críticas e custos pessoais
Barroso disse que a atuação do Supremo trouxe “custos pessoais” aos magistrados, como a necessidade de andar com escolta de segurança. Para ele, isso é resultado do “ódio alimentado por lideranças políticas que extraíram o pior da população”.
Questionado sobre os vistos negados a ministros do STF por outros países, classificou a medida como “desagradável” e, no caso da aplicação da
Relação com o Congresso e anistia
O ministro relatou ter boa interlocução com os presidentes das Casas Legislativas — Rodrigo Pacheco, Davi Alcolumbre, Arthur Lira e Hugo Motta —, mesmo sem concordância em todos os pontos. Sobre anistia a condenados do 8 de janeiro, negou que o tema tenha chegado ao Supremo e disse tratar-se de atribuição do Congresso. Barroso revelou, no entanto, que já ouviu discussões parlamentares sobre a possibilidade de penas menores para acusados que não acumularam crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado de Direito.
PEC da Blindagem
Em relação à proposta que busca limitar investigações sobre parlamentares, Barroso considerou a mudança um “retrocesso grave”. Ele avaliou como positiva a reação da sociedade às manifestações contrárias à PEC, que sinalizam “retomada da integridade no gasto público”.
O papel do Supremo
O ministro reforçou que o protagonismo do STF não é escolha da Corte, mas uma determinação da Constituição brasileira. “É papel do Supremo decidir as questões mais divisivas da sociedade. Isso significa desagradar ora ao agronegócio, ora às comunidades indígenas; ora ao contribuinte, ora ao governo; ora aos evangélicos, ora às feministas. E é natural que o Congresso vocalize esse desagrado, porque lá é o lugar próprio para o debate político”, disse.
Impeachment de ministros
Barroso também rejeitou pedidos de impeachment contra ministros do STF, chamando-os de “irrazoáveis”. Ele defendeu que críticas severas fazem parte do processo democrático, mas que afastamentos só se justificam em casos de corrupção ou violações graves à Constituição. “Não se tira ministros como se tira algo da prateleira porque não se gosta”, afirmou.
Ao encerrar o balanço, Barroso frisou que sua atuação sempre foi a de um juiz, não de um ator político: “Não tenho problema com conservadores, liberais ou progressistas. A democracia tem lugar para todos”.