Bertha Maakaroun | Megaoperação Poço de Lobato tem desdobramentos no Congresso

Ação conjunta da Receita Federal, cinco estados e DF desarticula esquema de sonegação na área de combustíveis que deixa rombo de R$ 26 bilhões e força Câmara a apreciar o projeto do devedor contumaz

Fraude bilionária no setor de combustíveis tem alvos em MG e em outros cinco estados

Com a pauta do combate ao crime organizado ao centro das eleições de 2026, as megaoperações vão se intensificar e há uma chance razoável de que, mesmo após o pleito, se tornem rotineiras. Desencadeada nesta quinta-feira, a megaoperação Poço de Lobato é ação conjunta da Receita Federal com os Ministérios Públicos de cinco estados e Distrito Federal para desarticular um esquema de sonegação fiscal na área de combustíveis, suspeito de provocar um rombo de R$ 26 bilhões aos estados e à União. Quais estados? São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão, além do Distrito Federal. A operação cumpriu mandados de busca e apreensão contra 190 alvos ligados a empresas de combustíveis e ao grupo Refit, dono da antiga Refinaria de Manguinhos.

Esta nova megaoperação deixa muitos recados ao sistema político. O primeiro e mais importante: a ação contra criminosos envolveu Receita Federal, Procuradoria da Fazenda, MPs, polícias e secretarias estaduais. É mais uma demonstração que o esforço conjunto da União e estados é fundamental. Em agosto, a megaoperação Carbono Oculto, apontou como o Primeiro Comando da Capital (PCC), está infiltrado no mercado formal de combustíveis, de usinas às bombas. Agora, a Receita Federal descobriu com a Poço de Lobato que uma grande operadora financeira atuava como sócia de instituições que prestavam serviços ao Refit. Em um ano, ela movimentou R$ 72 bilhões: foram detectados 50 fundos vinculados ao Refit, 17 dos quais somam R$ 8 bilhões. Portanto uma organização que recorria a fundos de investimento, empresas de fachada e offshores, para dificultar o rastreamento e se expandiar pela cadeia de produção e distribuição de combustíveis. Os recursos obtidos eram lavados por meio de investimentos noutros negócios, como compra de propriedades.

Neste momento, o Senado Federal analisa o Projeto de Lei Antifacção – Marco Legal de Combate ao Crime Organizado (PL 5582/2025), um debate primordial, porque foi contaminado na Câmara dos Deputados por uma disputa política e ideológica. De um lado, o relator escolhido por Hugo Motta (Republicanos – PB), deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), foi secretário do governo Tarcísio de Freitas, potencial pré-candidato às eleições de 2026. E de outro lado, o governo Lula, que encaminhou o projeto ao Congresso, também candidato à reeleição.

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) relator da matéria no Senado, já anunciou que vai corrigir aspectos que podem atrapalhar o combate ao crime organizado, que tem de ser de Estado, - nem de direita, nem de esquerda: seja qual for o governo, precisa seguir.

De Minas Gerais, o procurador de justiça André Ubaldino, presidente do Conselho Estadual de Criminologia e especialista no enfrentamento ao crime organizado, encaminhou correspondência aos senadores alertando para a urgência em se alterar no texto, por exemplo, o dispositivo que retira do tribunal do júri a competência de julgar crimes dolosos contra a vida cometidos por faccionados.

O projeto propõe que a competência do julgamento seja de um colegiado de juízes togados. Segundo Ubaldino, se isso não for alterado, será mais difícil condenar um faccionado que mate no futuro do que é hoje, principalmente porque a Constituição Federal estabelece que crimes dolosos contra a vida têm de ser julgados pelo Tribunal do Júri. “É uma garantia que não pode ser violada”, assinala André Ubaldino. Se esse texto não for alterado, depois de condenado por crime doloso contra a vida pelo colegiado de juízes, haverá chance de a condenação ser anulada no Supremo Tribunal Federal (STF), porque é prerrogativa do Tribunal Popular o julgamento de crimes dolosos contra a vida. André Ubaldino aponta outros aspectos nesse dispositivo que torna mais difícil a prisão de faccionados criminosos do que é hoje: o conjunto probatório exigido para a condenação num colegiado de juízes é maior do que no Tribunal de Júri. E no Tribunal de Júri, o condenado já é preso em seguida, diferentemente do que ocorre em julgamentos por colegiados togados, quando a prisão só é decretada após o trânsito em julgado.

O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) relator da matéria, tem a oportunidade de corrigir esse e outros aspectos que podem atrapalhar o combate ao crime organizado, que tem de ser de Estado, - nem de direita, nem de esquerda: seja qual for o governo, precisa seguir.

Em desdobramento à Operação Poço de Lobato, Hugo Motta recolocou em pauta o projeto que pune o devedor contumaz, considerado pelo governo federal peça essencial para fechar brechas estruturais de sonegação. O projeto diferencia inadimplentes eventuais de empresas que estruturam mecanismos permanentes de sonegação. E prevê medidas como a suspensão de CNPJs, contra empresas e pessoas que deixam de pagar impostos de forma reiterada. O relator será o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), que não integra a ala bolsonarista. A conferir se isso irá ajudar a uma construção mais negociada.

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Jornalista, doutora em Ciência Política e pesquisadora

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.

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