Por muitos anos, sem nem perceber, eu jamais dizia que estava cansada. Mesmo depois de passar dias e semanas inteiros trabalhando, sem parar, em várias frentes. No sétimo dia, quando até o divino descansou, eu me cobrava por não querer fazer nada, estar com “preguiça”.
Eu pensava que, se milhares de mulheres negras, pobres acordam na madrugada, pegam ônibus, trabalham até de noite - sem sequer ver o filho acordar - como poderia eu estar exausta? Eu, que só amamentava 4 vezes na mesma noite, acordava sem nem dormir de fato, corria para um trabalho desafiador, enfrentava o trânsito descontrolado na hora do almoço e tirava cones de rua interditada para conseguir amamentar e voltava para segundos e terceiros turnos de trabalho? Não era um direito meu.
No meu contexto, acreditava que cansada era uma palavra muito perto de fraca. Eu precisava ser forte. Era sina.
Exaustas
Hoje, convivo com mulheres que, assim como eu, estão exaustas. É um cansaço meu, nosso. Creio que herança de muitas gerações que trabalharam exaustivamente para, pela utilidade extrema, não serem expulsas de espaços que nos eram negados.
Aprendemos a ser utilitárias em casa ou fora dela. Internalizamos que, para sermos minimamente livres, o preço era trabalhar muito, demais e bem. Era o preço do VALE DIREITO DE SER MULHER.
Começamos a acreditar que, para não ficarmos apenas em casa, com um homem sustentando o lar e ditando todas as regras, era preciso suar mais que ele, mostrar valor, voltar depressa e cuidar de tudo o que ficou para trás quando saímos cedinho. Foi um movimento bem cansativo.
Não poder ter voz também cansou demais, assim como ficar sem votar, sem poder decidir se ficaria ou não casada.
Se para o menino era preciso engolir choro, porque homem não chora, a nossa diretriz patriarcal era engolir o cansaço, mulher não reclama. Afinal, trabalha porque quer. O pacto de silêncio foi muito pesado e ainda é. Ouvir, até hoje, a narrativa de que não tínhamos o direito de reclamar porque nem fomos para as guerras, cansa. Até porque ficar em casa enquanto os homens morriam, como diz a mesma narrativa, incluiu um lar sem comida, sem dinheiro, com filhos doentes, sendo estupradas, já que em toda guerra o corpo da mulher é tomado junto com os territórios. A violência histórica é algo que cansa bastante.
Sem falar que cuidamos dos homens feridos nos conflitos por eles decididos e tivemos que ir para as fábricas ocupar a mão-de-obra industrial que perdemos nas batalhas para o mundo não parar. Com isso, nossos filhos sofreram com a separação abrupta e desenvolveram problemas, como comprovam as pesquisas.
Mas, precisávamos dar conta de tudo isso porque acreditávamos que a palavra que nos definiam era: utilitária. Outro dia, ouvi dizer, como uma homenagem, que uma família feliz é resultado de mãe incansável, que esqueceu de si para se doar pelos outros, que foi a última a comer e a última a dormir. Já imaginou como isso tudo cansa?
8 de março
Então, hoje, te desejo descanso. Respiro, mulher. É direito seu, por mais que você não consiga acreditar mais. Não se trata de luta entre gêneros, não estamos querendo guerra, mesmo porque sempre perdemos mais em todas elas que os homens. Queremos paz e descanso.
A nossa revolução do momento, como ouvi hoje, é interna e é de mulher para mulher, é a luta por nos acolhermos. Descanse, para que a mulher que está ao seu lado se autorize a fazer o mesmo.
E, quando falo que você merece o descanso, eu não sei e não preciso saber qual é o seu limite para se exaurir. Não sei se você trabalha o dia todo, meio período, ou no lar. Você tem o direito de estar cansada. Tem muito esforço histórico nas suas costas.
Sei que você está cansada, porque mesmo que você não viva ou não saiba que vive uma relação tóxica, ou se não foi vítima de violência doméstica, toda vez que uma mulher apanha ou é morta por um homem, a dor cruza a sua alma de alguma forma.
Mesmo você que tenha ao seu lado alguém que a respeite e divida o desafio da existência humana, sei que está cansada. Porque, em alguma instância do seu pensamento, ouve o mundo te cobrando pelo VALE DIREITO DE SER MULHER, nem que seja uma cobrança só sua mesmo. Pode ser por estar gorda, não fazer exercício, deixando de se cuidar ou por estar reclamando demais, doente, deprimida, bebendo por aí, ou por ter traído alguém. Não poder ser humana e errar como tal é extremamente exaustivo. Então, você precisa descansar.
Se você é um homem que está lendo esta mulher cansada, entenda, não estamos contra vocês, não é guerra de sexos, não é sobre vocês. É sobre nós, uma guerra interna, feminina pelo direito de estar cansada sem ter que explicar nada.