Alice tem 10 anos. Está grávida. O pai da criança é o pai dela. “Você sabe como engravida, Alice?”, pergunta a repórter. “Não, acho que eu ia aprender na escola, no ano que vem”. Não interessa se você é de esquerda, de direita ou de centro. Se acredita ou não em Deus, se é homem ou mulher. Sei que você entende, ao saber da história da Alice, que o estupro é legal no Brasil.
Você acha que não? Pensa comigo:
Os números não nos deixam ter dúvida da legalização do estupro no Brasil.
Legalizado por nós, o estupro já é. Mais do que isso, só faltaria dar incentivo à prática, quem sabe isenção de impostos. Ou então imitar os afegãos e colocar, em uma singela linha da lei, a proibição de denunciar parentes por estupro. Mas, se ainda restava alguma dúvida, veio a maior comprovação da legalização da prática do sexo forçado mediante ameaça ou violência, no Brasil: a discussão sobre a
Não estamos falando de aborto, estamos endossando a prática do estupro e decidindo como vamos sentenciar vítimas. Na verdade, estamos falando, em boa parte, de meninas que, praticamente, serão abortadas tardiamente, na infância ou adolescência. Só atrasamos o processo de ceifar a vida delas. Elas foram indesejadas, não planejadas ou impostas pela violência. Elas cresceram vulneráveis e retomam, agora, o ciclo. Vamos abortá-las com alguns possíveis protocolos: via sistema carcerário falido, via geração de uma criança, também vulnerável, que vai repetir o ciclo dela ou por meio da via mais definitiva e rápida: deixando-as morrer no meio de um procedimento de aborto ilegal.
A distorção beira o absurdo. O país que não conseguiu proteger mulheres e crianças de estupradores pensa em uma saída - prisão. Mas, no caso, das vítimas, já que o estuprador não será preso. Nunca foi. Ao invés de discutir o fim do ciclo da cultura do estupro, vamos falar do fim do ciclo da vítima, é claro.
Até podemos ter discussões distorcidas, mas rotulá-las de debates em defesa da vida é demais. Está claro que o nosso país não se importa, de fato, com a vida de ninguém, muito menos dessas meninas. A nossa discussão atual é algo do tipo: ou prende pelo aborto ou gera uma criança para a qual, depois, provavelmente, vamos pedir diminuição da maioridade penal, afinal é bandido porque quer. É sentença de morte de qualquer jeito. A mesma sociedade que condena a morte do feto coaduna com todo tipo de violência que sentencia o ser humano que dele cresceu..
O estupro já foi legalizado no Brasil e aceito por mim e por você. Caso contrário, estaríamos tentando compreender as estatísticas e dando voz às vítimas para, quem sabe assim, acharmos uma forma de punir, de verdade, e evitar que novos estupradores se formem. Mas não. Decidimos silenciar nossas Alices,