Superávit comercial recorde reflete visão de longo prazo da China

Para se ter uma ideia do que representa o superávit comercial em questão, de exato US$ 1,076 trilhão, trata-se de valor cerca de dezoito vezes maior do que o superavit comercial brasileiro no mesmo período (US$ 57,8 bilhões)

China teve inédito superávit comercial superior a US$ 1 trilhão nos primeiros onze meses do ano

“Esconda sua capacidade. Espere sua oportunidade”. A frase é de Deng Xiao Ping (1904 -1997), que liderou a China entre 1978 e 1992 em sua jornada de modernização. O raciocínio reflete a estratégia implementada por seu país baseada em profunda lição de casa destinada a leva-lo a um nível de integração econômica e eficiência cuja dimensão se tornou diferencial competitivo difícil de ser neutralizado por competidores na arena internacional.

O anúncio, feito na semana passada pela China, de um inédito superávit comercial (exportações menos importações) superior a US$ 1 trilhão nos primeiros onze meses do ano evidencia a musculatura e a racionalidade de um plano de voo destinado a garantir a ela protagonismo crescente. Em um ano marcado por disputas comerciais e tarifárias com os Estados Unidos de Donald Trump, Pequim mostrou que estava preparada para driblar barreiras e continuar avançando com seus produtos no mercado global, ainda que enfrentando restrições no território americano.

Para se ter uma ideia do que representa o superávit comercial em questão, de exato US$ 1,076 trilhão, trata-se de valor cerca de dezoito vezes maior do que o superavit comercial brasileiro no mesmo período (US$ 57,8 bilhões). Ou, em outra comparação, equivale a soma das economias (PIBs) de Argentina e Chile. A robustez dos números de Pequim se traduzem também nas reservas cambiais, ou seja, a própria liquidez do país: elas somam US$ 3,346 trilhões, quase dez vezes as reservas brasileiras (bastante confortáveis pelo padrão internacional) de US$ 357 bilhões.

A grande distância entre as exportações e importações da China geram críticas de players como o presidente francês Emmanuel Macron, que definiu como “insuportáveis” os desequilíbrios comerciais registrados nas relações com os asiáticos. As exportações chinesas para a União Europeia aumentaram 14,8% nos primeiros dez meses deste ano e têm preocupado Bruxelas.

Ocorre que a desvalorização da moeda chinesa renminbi, em linha com o dólar e o euro, ajudou a aumentar a competitividade das exportações chinesas e aumentar seu superávit comercial com o bloco, que luta neste momento para ganhar maior competitividade.

Limitações impostas pelos Estados Unidos levaram a uma queda nas vendas ao país em 2025, mas Pequim compensou esse movimento com o avanço

significativo de seus produtos em outras regiões, especialmente o sudeste asiático (e também África e América Latina). Especialistas acreditam que parte dos embarques para o sudeste asiático acabam sendo, na verdade, uma solução burocrática, ou seja, mera escala para transbordo de mercadorias que têm como destino final exatamente o mercado americano.

A China depende muito das exportações para impulsionar a atividade econômica do país. A demanda interna é considerada baixa para os níveis desejados pelo governo e o setor imobiliário, durante anos uma vedete local, continua enfrentando dificuldades e um certo grau de desconfiança de consumidores (impactados em passado recente por construtoras em dificuldades financeiras e uma infinidade de obras inacabadas em diferentes cidades).

O presidente Xi Jinping tem defendido a expansão de consumo em território nacional, dizendo que "é essencial aderir à demanda interna como principal motor, construindo um mercado interno forte”. Ao mesmo tempo, ele defende a construção de “novos motores de crescimento” pela indústria do país.

Nada indica que o sucesso chinês no mercado internacional perderá vigor nos próximos anos. Relatório de analistas do banco americano Morgan Stanley liderados pelo economista-chefe da Ásia, Chetan Ahya, apontam que o país poderia ampliar sua atual participação de 15% para 16,5% em 2030, independente das medidas protecionistas que governos possam impor a Pequim.

“Dada sua posição dominante em setores emergentes de alto crescimento como veículos elétricos, baterias e robótica, acreditamos que a China continuará fortalecendo sua posição na manufatura e comércio globais”, escreveram os analistas.

Menos ruidosa do que as tratativas comerciais com os Estados Unidos e a Europa, as relações de negócios da China com a América Latina parecem entrar em uma nova fase, que vai além da demanda por matérias-primas e abertura de mercados que tem caracterizado sua presença na região há anos.

Pequim parece ensaiar uma nova relação com a América Latina, focando em segmentos de maior interesse estratégico e preferencialmente na parte mais alta da cadeia de valor. Assim, o país asiático amplia sua presença em várias direções, dos seus já onipresentes carros elétricos até linhas de transmissão de energia, passando por soluções tecnológicas e a presença em portos da região (Santos, no Brasil, e Chancay, no Peru, são recentes exemplos).

O xadrez político da região é variável cada vez mais importante para os interesses chineses e também americanos (a partir de uma nova doutrina de Donald Trump recentemente tornada pública). Bolívia e Chile deram guinadas à direita em eleições realizadas neste segundo semestre do ano. No primeiro semestre de

2026 será a vez de Peru e Colômbia elegerem novos governos, enquanto o Brasil irá as urnas em outubro do próximo ano.

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Ciro é atualmente board member da International Communications Consultancy Organization (ICCO) sediada em Londres; membro do Copenhaguen Institute for Futures Studies, na Dinamarca; membro do Crisis Communications Think Tank da Universidade da Georgia (EUA). Atua ainda como coordenador do PROI Latam Squad, grupo de agências de comunicação presente em sete países da América Latina.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.

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