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Seu filho não será feliz aqui! Por que escolas particulares têm afastado crianças atípicas?

É depois de ouvir frases assim que famílias exaustas têm tirado os filhos atípicos de escolas privadas

Seu filho não será feliz aqui. É depois de ouvir frases assim que famílias exaustas têm tirado os filhos atípicos - crianças autistas, com déficit de atenção (TDAH) e outras condições - de escolas privadas. Em entrevista à Rádio Itatiaia, o Secretário Municipal de Educação de Belo Horizonte, Bruno Barral, narrou o próximo capítulo dessa história ao afirmar que as escolas públicas estão sobrecarregadas com o efeito “manada” de crianças rejeitadas nas particulares.

Como não estamos falando de favor, e sim de uma obrigação legal (Lei nº 7.583/1989), você pode se perguntar: como assim as escolas não estão aceitando essas crianças? É porque a prática de afastamento é velada. Pode ser logo na entrada com um “não temos mais vagas”. Portão adentro, tem a conversa para convencer os pais de que a escola não conseguirá oferecer o atendimento adequado: “seu filho será mais feliz em outro lugar”.

Em outra camada de resistência, pais relatam que são chamados com frequência para buscar o filho no meio da aula, o que parece ser feito com a intenção de que ele não vá mais para o colégio. O bullying também aparece entre as queixas e, pasme, às vezes até por parte dos professores. Para deixar o processo ainda mais dolorido existem, ainda, as pressões para que a família aumente dosagens de remédios, numa interferência clara e arbitrária da escola no tratamento médico de uma criança.

Mas, o que não custa lembrar é que não é opcional, a educação inclusiva é lei. Precisamos dar conta de fazer os filhos de todos felizes, cumprir nosso papel para que a criança se sinta bem, seja na escola pública ou na privada.

O movimento justo de luta para que crianças atípicas tenham garantido o direito de estudar em escolas comuns não vai retroagir. São pais que chegam com toda a força do mundo, munidos de leis, laudos, estudos e muito amor. Eles vão insistir, vão resistir, peregrinar. As matrículas em escolas comuns, de 2022 para 2023, cresceram 50% no Brasil. A única dúvida é se podemos passar por isso com dor ou sem dor?

Não há mais espaço para ignorar os benefícios da educação inclusiva e, muito menos, considerar a deficiência como incapacidade. As escolas precisam entender - e algumas já estão no caminho - que quando nos desdobramos para conviver e ensinar diferentes desenvolvemos também uma educação para todas as crianças, que nunca foram iguais; para as mais concentradas, as menos, as ansiosas, as que trabalham melhor com números e as que não, assim como as que expressam desconforto chorando e aquelas fazem isso rasgando o dever de casa. Vamos contemplar as tímidas, as extrovertidas, aquelas que “engolem” tudo por medo de falar e as que não têm filtro. As que aprendem só na aula, e as que precisam estudar em casa. O risco de não entendermos esse cenário é termos uma geração, cada dia mais, com problemas de saúde mental, crianças tirando a própria vida, quando deveriam estar brincando de casinha.

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O recado não é só para a escola, é geral e começa em casa. Os pais das crianças atípicas precisam ter coragem de assumir como o seu filho é, qualquer que seja o diagnóstico. “Eu e meu marido escrevemos uma carta contando como o nosso filho era, tudo o que passamos e postamos no grupo de pais no primeiro dia de aula”, conta uma mãe de autista, até os dois anos não verbal, doce, que sofre de rigidez comportamental e, quando está em um momento de crise, de desregulagem da emoção, fica nas pontas dos pés. “Se não começar da gente, não virá de outro lugar”.

Os pais ao redor também podem facilitar a vida desses que estão exaustos, entendendo que estão diante de uma oportunidade de aula de vida real para o filho, aquela que não estamos conseguindo dar porque estamos atolados de trabalho. Se você está minimamente conectado com a realidade já deve ter percebido que o conteúdo formal, cada vez mais, será acessado em máquinas. O que o seu filho precisa aprender é a conviver com gente, a desenvolver a empatia, a se comunicar com diferentes tipos de pessoas para ter sucesso em qualquer caminho que ele siga.

Deveríamos querer que mais pessoas com deficiência pudessem estar nas salas com nossos filhos, numa convivência com o diferente que pode desenvolver nesses futuros adultos a tolerância e outras habilidades para um dia, quem sabe, não matar ou morrer em uma briga banal no trânsito ou depois de um jogo de futebol, por não saber controlar as emoções. Conviver com uma criança autista, com dificuldade na comunicação, pode ajudá-lo a ser um expert do diálogo em adversidades, já que está claro que se tem algo que não sabemos mais fazer é conversar.

Discurso romântico, não. Não estamos falando de algo fácil e pouco desafiador. Não adianta juntar todo mundo no mesmo metro quadrado e falar que inclui. Ninguém está falando disso. Estamos falando em investir de verdade para fazer isso acontecer com formação para docentes e funcionários, adaptação de locais, atividades, aulas; combate ao bullying, cumprimento do direito a um acompanhante contratado pelo colégio; todo o tipo de recurso para lidar com as diversas formas e tempos de aprendizagem. Ninguém está propondo deixar professores sozinhos em mar aberto. Não é fácil e nem barato. É o preço a ser pago por uma mudança que não pode mais ser negada nem adiada.

Uma sociedade só será menos doente quando a inclusão for estrutural, natural, quando nossos filhos aprenderem desde a escola que ele é único e o que se senta ao lado também, portanto, somos todos diferentes. Quando eles reconhecerem que o amigo precisa de ajuda quando está na pontinha dos pés. Meu filho não é perfeito e nem deve carregar na mochila essa busca do impossível. O seu também não. Então, vamos todos ajudá-los com o que fazem de melhor, quando não atrapalhamos: conviver sem barreiras.


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Maria Claudia Santos é Diretora de Jornalismo da Itatiaia. Começou a carreira na rádio, passou pela Central de Notícias Internacionais e pela Coordenação de Jornalismo na Rádio, além de realizar coberturas no exterior. É formada em jornalismo e mestre em Gestão Social.
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