“Al mal tiempo, buena cara”.
Esse antigo ditado espanhol sugere que mesmo diante das dificuldades enfrentadas em determinado momento é preciso manter o ânimo e uma atitude positiva para superar a situação. E foi isso que aconteceu com a Espanha em dois capítulos importantes de sua história recente.
O primeiro deles: a forte recessão deflagrada em 2009 pela crise dos setores financeiro e de construção, cuja atuação agressiva foi elemento chave para a criação de uma bolha imobiliária que ao estourar contaminou toda a economia, ceifou empregos e levou grandes empresas a falência.
O segundo episódio foi o impacto da pandemia da Covid19, que derrubou a economia do país em 11% no ano de 2020 (para efeito de comparação, no mesmo período a economia brasileira caiu 3,3%).
Mas essas são páginas viradas e hoje Madri exibe os melhores indicadores da Europa. O país segue em plena expansão e tem perspectivas de um crescimento de 2,5% no Produto Interno Bruto (PIB), superando seus vizinhos europeus de grande peso econômico. As estimativas de crescimento em 2025 para França e Alemanha são de no máximo 0,7% e de 0,5% para a Itália. Principais motores do vigor espanhol são o turismo (que representa cerca de 13% do PIB), os investimentos estrangeiros e a imigração.
Sim, enquanto a maior parte dos governos europeus vê com reservas a questão da imigração, a Espanha se mostra receptiva a ela por motivos práticos. Em discurso no parlamento há cerca de um ano, o primeiro-ministro Pedro Sánchez foi claro: “A Espanha precisa escolher entre ser um país aberto e próspero ou um país fechado e pobre. É simples assim”.
Estima-se que, desde 2021, cerca de 90% do aumento da força de trabalho no país tenha como base a imigração, recentemente puxada por cidadãos da Venezuela, Colômbia e Marrocos.
Mais do que uma abordagem humanitária, Sanchez fazia referência a cenários concretos. A taxa de natalidade do país é uma das mais baixas da Europa e sua população envelhece rapidamente. Mais de 20% dos 49 milhões de habitantes têm mais de 65 anos de idade (no Brasil essa parcela é de 11%). Isso significa que, predominantemente, já deixaram de integrar a força de trabalho e fazem jus a pensões pagas pelo governo. A média de idade do país, que foi de 41 anos em 2012 é agora de 46 anos e deve superar os 50 anos em 2050.
Por isso Sánchez diz que aceitar a presença de imigrantes é uma maneira realista de garantir o crescimento econômico e dar suporte ao modelo nacional de bem-estar social que inclui, além de um amplo sistema de aposentadorias, os serviços universais de saúde.
O ministro da economia Carlos Cuerpo tem enfatizado que o sucesso atual do país se deve a diferentes atividades. “Exportamos mais serviços para empresas como TI, serviços de auditoria e serviços financeiros do que ganhamos com o turismo. Isso representa um elemento da modernização da economia espanhola”.
A Espanha tem na energia verde outro vetor de suporte a expansão econômica. “O aumento da participação das soluções renováveis nos últimos cinco ou seis anos levou a uma queda de 40% nos preços da energia para o mercado corporativo”, diz ainda o ministro. Isso também ajuda a explicar um impacto menor do que o sentido por vizinhos como a Alemanha em relação a crise europeia nesse campo, decorrência direta da guerra na Ucrânia que diminuiu drasticamente o fornecimento de gás russo ao continente.
Com dois itens relevantes de custos como energia e salários (em parte graças a mão de obra estrangeira) sob controle, a Espanha segue atrativa para investimentos estrangeiros.
É preciso lembrar que sua economia também foi impulsionada pelos fundos Next Generation EU. Trata-se de mecanismo criado pela União Europeia em 2020 que destinou 750 bilhões de euros para que países do bloco pudessem se recuperar dos impactos da pandemia da Covid19. O programa financia iniciativas voltadas a inovação, transição energética, saúde e soluções digitais. A Espanha, com 163 milhões de euros em subsídios e empréstimos, foi o segundo membro do bloco mais beneficiado, atrás apenas da Itália que recebeu 194 bilhões de euros.
O país, de qualquer modo, está consciente de que há desafios à frente que precisam ser enfrentados. Entre eles a manutenção de salários nivelados a inflação (3% ao ano), o déficit do governo e as mudanças recentes no comércio internacional. As exportações de mercadorias avançaram na última década e começam a enfrentar um novo cenário de barreiras, tarifas e restrições que podem frear aquele crescimento.
Além disso, a Espanha, como tantos outros países mundo afora, convive com a polarização política. Mas ela tem características próprias, misturando sentimentos nacionalistas e separatistas que vão muito além do binômio direita-esquerda como ocorre em diferentes geografias, Brasil inclusive.
E mesmo o sucesso do turismo trouxe consigo desafios. Graças a uma diversidade de opções oferecidas a visitantes estrangeiros (que podem chegar a 90 milhões em 2025) a preços menores do que os praticados na França, Itália e outros destinos europeus, o país assiste a uma reação negativa por parte de muitos espanhóis, moradores em áreas históricas ou extremamente populares. Eles se mostram incomodados com as enormes levas de turistas em suas regiões, principalmente no verão. Mais do que desconforto, esses moradores se organizam para protestar. Em Barcelona, manifestantes já chegaram a usar pistolas de água contra turistas aos gritos de “voltem para casa”.