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Ibram contrata parecer de ex-ministra do STF em ação contra municípios atingidos por barragens

Ellen Gracie, que ocupou cadeira no Supremo entre 2000 e 2011, corrobora argumento de mineradoras contra processos de municípios em Tribunais de outros países

Ellen Gracie ocupou posto de ministra do STF entre 2000 e 2011

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) contratou a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, para emitir um parecer em uma ação que busca impedir municípios de ingressarem em processos em Cortes de outros países contra empresas de mineração. A prática vem ocorrendo nos últimos anos como forma de garantir indenizações para reparação de danos causados às cidades devido a rompimentos de barragens — a exemplo do que ocorreu em Mariana (2015) e Brumadinho (2019).

Ellen Gracie foi a primeira mulher a exercer o cargo de ministra do STF. Indicada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, ela tomou posse em 2000 e ficou na cadeira até 2011, quando se aposentou, dando lugar ao hoje decano da Corte, ministro Gilmar Mendes.

O Ibram ingressou com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) junto ao Supremo para que a Corte determine que essas ações são inconstitucionais por uma questão de “soberania nacional”. E o parecer da ministra Ellen Gracie — que corrobora a tese do Ibram — foi assinada no dia 15 de junho e anexada no processo nessa semana. A ação é relatada pelo ministro Flávio Dino.

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‘Questão de soberania nacional’

“Quando um Município brasileiro submete a solução de um litígio à jurisdição de tribunal estrangeiro, ele estará, inevitavelmente, sujeitando o Brasil à soberania de outro país, o que contrasta com o princípio da igualdade soberana”, diz trecho do documento de 67 páginas a qual a reportagem teve acesso.

A ministra responde a cinco questionamentos feitos pelo Ibram sobre o assunto. Além da questão da soberania nacional, ela defende que o ajuizamento de ações, por municípios, no exterior também viola a estrutura organizacional do Estado brasileiro e os princípios da administração pública.

“A decisão desses Municípios contrasta com a legalidade administrativa, uma vez que não há norma que autorize expressamente os Municípios a litigar fora do país”, atesta.

Rompimento da barragem de Brumadinho atingiu cidades em toda a região

Em outro tópico, a ex-ministra Ellen Gracie ainda levanta dúvidas sobre o financiamento de escritórios de advocacia estrangeiros por municípios. Por meio do Ibram, as mineradoras questionam se as prefeituras poderiam celebrar contratos com essas empresas prevendo adiantamento de valores referentes às indenizações pedidas.

“Tais ingressos fogem por completo da sistemática de financiamento das municipalidades e, tampouco, assumem natureza de doação. Inexiste, que se saiba, qualquer rubrica na contabilidade pública sob a qual esses valores possam ser legitimamente incorporados ao erário municipal”, diz a ex-ministra ao complementar que os gastos dos entes municipais deve ser regido pela transparência.

Nos últimos anos, prefeituras de municípios mineiros e capixabas entraram com ações em Tribunais do exterior em busca de indenizações por tragédias ocorridas no Brasil. No caso do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), os municípios da bacia do Rio Doce citam a BHP Billiton (controladora da mineradora Samarco, ao lado da Vale) nas Justiças do Reino Unido e dos Países Baixos, sedes da empresa multinacional. O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), motivou prefeituras a ingressarem com ação na Justiça da Alemanha, sede da Tüv Süd, empresa de consultoria que atestou a segurança e estabilidade da barragem que se rompeu em janeiro de 2019.

Nos Estados Unidos, o município de Ouro Preto ingressou com um processo contra os bancos Merril Lynch, Barclays Capital, Citibank e JP Morgan por financiarem barragens de risco de propriedade da mineradora Vale.

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Ibram x Atingidos

Procurado pela reportagem, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) questiona a ação patrocinada pelo Ibram e diz que as mineradoras é que atentam contra a soberania nacional ao defender que mineradoras estrangeiras — como a BHP — possam exercer suas atividades no Brasil e não serem responsabilizadas pelo Judiciário em seus países, como pretende o Instituto.

“O que mais chama a atenção do MAB nesse assunto é que este Instituto está contratando advogados caríssimos para proteger uma mineradora estrangeira que causou, no nosso país, o maior desastre ambiental da história. Deveríamos estar discutindo compensações justas e processos coletivos para alcançarmos a reparação integral de muitas vidas que foram destruídas. Não se trata de soberania nacional. O Ibram não está preocupado com isso. Ele representa os interesses das mineradoras, que querem reafirmar o direito que empresas estrangeiras têm de vir ao nosso país matar centenas de pessoas, destruir o meio ambiente e nós sequer temos o direito de ir aos seus países de origem buscar nossos direitos. Na verdade, o Ibram atenta contra a soberania do Brasil e contra o direito dos atingidos”, acusa o integrante da coordenação nacional do MAB, Thiago Alves.

A reportagem procurou o presidente do Ibram, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann para comentar sobre a contratação do parecer da ex-ministra Ellen Gracie e responder às críticas do MAB. O Ibram respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa — e confirmou a contratação de Ellen Gracie como parecerista.

“O IBRAM, como entidade de classe de âmbito nacional e com foco na defesa dos interesses do setor mineral, no Brasil e no exterior, entende ser legítima sua proposição ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como parte, a entidade contratou como parecerista a ex-ministra Ellen Gracie para prestar os melhores subsídios quanto às questões legais e o ponto de vista exposto na ADPF 1178. As conclusões da ex-ministra confirmam a admissibilidade da ação e os preceitos constitucionais e de soberania nacional defendidos pelo IBRAM”, diz nota na íntegra.

Nesta semana, Jungmann esteve em Belo Horizonte para um evento sobre o setor e reafirmou o argumento de que os municípios atentam contra a soberania nacional ao buscarem por indenizações em Tribunais estrangeiros.

"É uma questão de soberania nacional. Municípios e estados são entes infraconstitucionais, quem representa o Brasil no exterior é a União, ou seja, o governo federal. Então não é admissível se negar o que é uma soberania estabelecida na Constituição Brasileira. Entendemos que não é justo que você venha a pagar duas vezes por algo que você cometeu”, afirmou na ocasião.

Processo no STF

A ADPF foi protocolada pelo Ibram junto ao Supremo Tribunal Federal no dia 11 de junho. O processo foi distribuído, inicialmente, ao ministro Cristiano Zanin, que se declarou impedido por ter envolvimento em outras ações relacionadas aos desastres de Mariana e Brumadinho. Com isso, o processo foi redistribuído ao ministro Flávio Dino, que decidiu no fim do mês passado que a ação deve ser julgada pelo conjunto dos 11 ministros da Corte em plenário. A decisão foi comemorada pelos 60 municípios mineiros, capixavas e baianos arrolados no processo.

Neste momento, os municípios e o Ibram apresentam seus argumentos contra e a favor da ação. Em seguida, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestam e só depois é que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso marca a data de julgamento da ação.


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Editor de política. Foi repórter no jornal O Tempo e no Portal R7 e atuou no Governo de Minas. Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem MBA em Jornalismo de Dados pelo IDP.