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Mensalão Tucano: o escândalo mineiro que antecedeu o mensalão do PT

Esquema de corrupção que envolveu o financiamento da campanha de Eduardo Azeredo (PSDB) veio à tona durante investigações do Mensalão petista

Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais, e o publicitário Marcos Valério

Embora o Mensalão petista tenha ganhado mais notoriedade, um esquema semelhante já ocorria em Minas Gerais no final dos anos 1990 e é considerado por muitos como laboratório do escândalo de corrupção que marcou o primeiro governo Lula: o “Mensalão Tucano”.

O esquema envolvia desvio de recursos públicos para financiar a campanha à reeleição do então governador Eduardo Azeredo (PSDB) em 1998. Empresas estatais mineiras contratavam agências de publicidade ligadas a Marcos Valério, que superfaturavam serviços e repassavam os valores para campanhas políticas.

A denúncia veio à tona em 2005, durante as investigações do mensalão petista. Azeredo foi condenado por peculato e lavagem de dinheiro, posteriormente o STF suspendeu a execução da pena e ordenou novo exame pela Justiça Eleitoral de modo que hoje não existe condenação penal transitada em julgado.

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Contexto

Marcos Valério ganhou destaque nacional em 2005, quando foi apontado como o operador do Mensalão, denunciado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB), que revelou um sistema de compra de apoio parlamentar por meio de financeiros em troca de votos favoráveis a projetos de interesse da Presidência da República - isso à época do primeiro governo Lula.

As investigações mostraram, no entanto, que a prática de financiamento irregular não era inédita. Marcos Valério usou Minas Gerais como ‘laboratório’ do esquema anos antes, durante a campanha de reeleição do então governador do estado Eduardo Azeredo (PSDB) em 1998 - caso que ficou conhecido como “Mensalão Tucano”.

O esquema envolvia a agência de publicidade SPM&B, de propriedade de Valério. Azeredo usava a empresa para contratar empréstimos junto ao Banco Rural para bancar sua campanha eleitoral, que seriam posteriormente quitados por meio de contratos firmados entre a empresa e estatais mineiras como a Comig (atual Codemig), a Copasa e o extinto Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), sob a justificativa de patrocínio a eventos esportivos.

Apesar do investimento, Eduardo Azeredo foi derrotado nas urnas por Itamar Franco (PMDB).

Investigações e denúncias

Em 2007, o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, apresentou a acusação formal, apontando os crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Quinze pessoas foram denunciadas, mas apenas doze se tornaram rés.

A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal em 3 de dezembro de 2009.

Entre os réus, além de Marcos Valério, estavam seus sócios Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz (também condenados no escândalo do mensalão petista), o ex-ministro Walfrido Mares Guia (PTB-MG), o ex-senador Clésio Andrade (PMDB-MG), o ex-diretor do Bemge José Afonso Bicalho, os ex-diretores da Comig Lauro Wilson e Renato Caporali, o publicitário Eduardo Guedes, o empresário Fernando Moreira Soares e o ex-tesoureiro da campanha de Azeredo, Cláudio Mourão.

O processo permaneceu sob análise do STF até 2014, quando o procurador-geral Rodrigo Janot apresentou as alegações finais, recomendando prisão para Azeredo, além de uma multa superior a R$ 400 mil.

Naquele mesmo período, em meio à campanha presidencial de Aécio Neves, o PSDB pressionou para que Azeredo renunciasse ao cargo de deputado federal. Com a renúncia, ele perdeu o foro privilegiado, e o caso foi transferido para a Justiça estadual de Minas Gerais.

O então presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, foi o único a se opor à mudança de instância.

O julgamento

O julgamento em primeira instância ocorreu em dezembro de 2015. Eduardo Azeredo foi preso pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro e recorreu da decisão em liberdade, enquanto o Ministério Público estadual solicitava o aumento da pena.

A corte considerou comprovado o envolvimento de Azeredo em um esquema que desviou aproximadamente R$ 3,5 milhões de recursos públicos, repassados a empresas ligadas à campanha tucana.

Em 22 de maio de 2018, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais emitiu o mandado de prisão contra Eduardo Azeredo. O ex-governador de Minas Gerais foi preso no dia seguinte e deixou a prisão em novembro de 2019, beneficiado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra prisões após a segunda instância.

Em 2021, decisão do STF suspendeu a execução dessa pena e ordenou novo exame pela Justiça Eleitoral, de modo que não existe, hoje, condenação penal transitada em julgado.

PSDB questiona ‘Mensalão’

Em nota enviada à Itatiaia, o PSDB questionou o termo “Mensalão”, tradicionalmente cunhado ao escândalo e disse que “o processo mineiro envolveu exclusivamente a hipótese de financiamento eleitoral irregular (caixa 2) da campanha de Eduardo Azeredo, sem qualquer comprovação de mesadas a deputados” - em alusão ao pagamento investigado no escândalo do PT.

A legenda também afirmou que os julgamentos sobre o caso sempre tiveram votações apertadas. “A denúncia só foi recebida pelo STF por 5 votos a 3, a condenação em segunda instância saiu por 2 votos a 1 e os embargos infringentes foram rejeitados por 3 a 2, demonstrando ausência de unanimidade sobre eventual responsabilidade pessoal do ex-governador. A pena inicialmente sugerida pelo Ministério Público (22 anos) jamais foi confirmada”, diz o partido.

A nota esclareceu ainda que Eduardo Azeredo teve a execução da pena suspensa por, uma vez que as decisões do STF não prendem condenados em segunda instância e o ex-governador foi solto porque a condenação não transitou em julgado.

“A pena inicialmente sugerida pelo Ministério Público (22 anos) jamais foi confirmada: em primeira instância fixou-se em 20 anos e 10 meses; em segunda instância caiu para 20 anos e 1 mês; e, em 11 de fevereiro de 2020, o Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, reconheceu erro de dosimetria e a reduziu para 15 anos, 7 meses e 20 dias. A decisão do STF de 2021 suspendeu a execução dessa pena e ordenou novo exame pela Justiça Eleitoral”, disse o partido.

Azeredo diz que nunca houve mensalão em Minas

O ex-governador Eduardo Azeredo afirma que nunca existiu um mensalão tucano. “Isso nunca aconteceu aqui em Minas Gerais, nunca teve esse tipo de denúncia. A decisão final do Supremo disse que a questão em Minas Gerais foi uma questão eleitoral, não como no caso do mensalão. O assunto já está encerrado e tenho hoje toda a minha ficha limpa”, destaca.

O tucano ressalta que, apesar de continuar “participando da vida política”, não pretende se candidatar nas próximas eleições. Ele reforça que não houve unanimidade nas decisões envolvendo seu nome, e que o placar sempre foi apertado.

Leia a nota do PSDB na íntegra:

O Partido da Social Democracia Brasileira em Minas Gerais (PSDB) reafirma seu apreço à liberdade de imprensa, mas precisa corrigir imprecisões da reportagem que volta a usar a expressão “Mensalão Tucano” para descrever supostos fatos ocorridos em Minas Gerais em 1998. Diferentemente do caso nacional julgado na Ação Penal 470 — cujo núcleo foi o pagamento mensal de propinas a parlamentares para a compra de votos no Congresso — o processo mineiro envolveu exclusivamente a hipótese de financiamento eleitoral irregular (caixa 2) da campanha de Eduardo Azeredo, sem qualquer comprovação de mesadas a deputados. Essa distinção foi reconhecida pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) ao, por maioria de 3 a 1, declarar, em 29 de junho de 2021, a incompetência da Justiça comum e remeter a ação à Justiça Eleitoral, justamente porque os fatos podem configurar delito eleitoral e não crime comum de peculato como se sustentava.

A narrativa de que houve “mensalão” em Minas ignora ainda que, desde a fase inaugural, a controvérsia sempre foi apertada: a denúncia só foi recebida pelo STF por 5 votos a 3, a condenação em segunda instância saiu por 2 votos a 1 e os embargos infringentes foram rejeitados por 3 a 2, demonstrando ausência de unanimidade sobre eventual responsabilidade pessoal do ex-governador. A pena inicialmente sugerida pelo Ministério Público (22 anos) jamais foi confirmada: em primeira instância fixou-se em 20 anos e 10 meses; em segunda instância caiu para 20 anos e 1 mês; e, em 11 de fevereiro de 2020, o Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, reconheceu erro de dosimetria e a reduziu para 15 anos, 7 meses e 20 dias. A decisão do STF de 2021 suspendeu a execução dessa pena e ordenou novo exame pela Justiça Eleitoral, de modo que não existe, hoje, condenação penal transitada em julgado.

Importa ressaltar que nenhuma prova documental, pericial ou testemunhal estabeleceu benefício financeiro pessoal ou comando direto de Eduardo Azeredo sobre as operações discutidas; tanto que um dos votos vencedores no STF ao receber a denúncia — do ministro Dias Toffoli — já advertia não haver ato concreto atribuível ao então governador. Assim, o PSDB repudia a insistência em rotular o episódio de “mensalão tucano”, expressão criada em 2005 para tentar manipular o debate político após a revelação do escândalo que envolvia a cúpula do Partido dos Trabalhadores.

O PSDB reitera confiança no devido processo legal e no princípio constitucional da presunção de inocência, lembrando que Eduardo Azeredo renunciou ao mandato em 2014, abrindo mão do foro privilegiado, justamente para responder como cidadão comum. A legenda jamais contestou a autoridade do Judiciário, mas não pode aceitar que julgamentos ainda pendentes de conclusão sejam apresentados à opinião pública como culpa definitiva. A verdade dos autos — inclusive a decisão recente do STF que reconheceu tratar-se de matéria eleitoral — mostra que nunca houve mensalão em Minas Gerais; houve, sim, um debate jurídico sobre supostas irregularidades de caixa 2, cuja última palavra caberá agora à Justiça Eleitoral. O PSDB confia que, ao final, prevalecerão a justiça e o pleno reconhecimento da honra do ex-governador.

Partido da Social Democracia Brasileira em Minas Gerais (PSDB-MG)

Graduado em jornalismo e pós graduado em Ciência Política. Foi produtor e chefe de redação na Alvorada FM, além de repórter, âncora e apresentador na Bandnews FM. Finalista dos prêmios de jornalismo CDL e Sebrae.