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20 anos do Mensalão: o escândalo que abalou o primeiro governo Lula

Entrevista de Roberto Jefferson à Folha de São Paulo publicada em 6 de junho de 2005 desencadeou em um processo que terminou com mais de 20 condenações

Publicitário Marcos Valério, ex-deputado Roberto Jefferson, presidente Lula e ex-ministro José Dirceu foram os principais personagens do Mensalão

Há exatamente 20 anos, em 6 de junho de 2005, uma entrevista do então deputado federal Roberto Jefferson, na época presidente do PTB, trouxe à tona um dos maiores escândalos de corrupção envolvendo os Poderes Executivo e Legislativo do Brasil.

O presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) tinha chegado à Presidência da República em 2003 para seu primeiro mandato. Logo no terceiro ano de seu governo, ele se deparou com o Mensalão, que veio à tona em entrevista de Jefferson à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo.

O então deputado revelou a existência de um esquema de pagamentos mensais a parlamentares da base aliada do governo federal em troca de apoio político no Congresso Nacional.

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Na entrevista, Jefferson afirmou que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, realizava pagamentos mensais de R$ 30 mil a deputados federais de partidos aliados, como o PL e o PP - que, à época, faziam parte da base de Lula - para garantir apoio ao governo nas votações no Congresso.

Ele também mencionou que o publicitário Marcos Valério era responsável por operacionalizar os repasses, utilizando recursos provenientes de contratos de publicidade com estatais e empresas privadas.

Jefferson relatou que, em janeiro de 2005, comunicou o presidente Lula sobre o esquema. “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando mensalão aos deputados”, relatou na entrevista.

O choro do presidente Lula

A entrevista para o jornal “Folha de S.Paulo” foi uma reação do deputado Roberto Jefferson a uma denúncia de corrupção nos Correios que recaiu sobre seus indicados.

Segundo Roberto Jefferson, ao ser avisado sobre o esquema de corrupção que acontecia em seu governo, Lula teria reagido com perplexidade e emoção, e após essa conversa, os pagamentos teriam sido interrompidos.

“O presidente Lula chorou. Falou: ‘Não é possível isso’. E chorou. Eu falei: É possível sim, presidente. Estava presente ainda o Gilberto Carvalho”, relatou.

Com o fim dos pagamentos, o então deputado afirmou que a base aliada de Lula ficou insatisfeita.

“Depois disso parou. Tenho certeza de que parou, por isso está essa insatisfação aí. Ele meteu o pé no breque. Eu vi ele muito indignado. Pressão, pressão, pressão, pressão. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, todo mundo tem, todo mundo tem. Acho que foi o maior erro que o Delúbio cometeu. E o presidente agora, desde janeiro, quando soube, eu garanto a você. A insatisfação está brutal porque a mesada acabou”, disse.

‘Me sinto traído’

A pressão fez com que Lula realizasse, em 5 de agosto de 2005, um pronunciamento, onde disse que se sentia traído pelos responsáveis no escândalo.

“Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, que eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento”, afirmou, acrescentando. “O PT tem de pedir desculpas. O governo, onde errou, tem de pedir desculpas”.

As declarações de Lula foram dadas após o marqueteiro Duda Mendonça, responsável por sua campanha vitoriosa de 2002, admitir que recebeu pagamentos do partido no exterior.

Depois, as investigações revelaram que uma das fontes de financiamento do esquema envolvia recursos desviados do Banco do Brasil.

A entrevista de Jefferson provocou uma crise política no governo. Diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) foram instauradas para investigar as denúncias. O escândalo levou à cassação e renúncia de vários parlamentares, além do afastamento de ministros e funcionários de alto escalão.

Principais Envolvidos

José Dirceu: Ministro-chefe da Casa Civil à época, foi apontado como um dos principais articuladores do esquema. Dirceu deixou o cargo e, posteriormente, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção ativa.

Delúbio Soares: Tesoureiro do PT, admitiu a existência de caixa dois no partido e foi condenado por corrupção ativa.

Marcos Valério: Publicitário responsável pelas agências de publicidade DNA e SMP&B, foi considerado o operador financeiro do esquema e condenado por diversos crimes, incluindo corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

José Genoino: Ex-presidente do PT, foi condenado por corrupção ativa, mas posteriormente absolvido do crime de formação de quadrilha.

Roberto Jefferson: Após denunciar o esquema, foi cassado pela Câmara dos Deputados por quebra de decoro parlamentar.

Condenações

O processo judicial do mensalão, conhecido como Ação Penal 470, foi julgado pelo STF a partir de 2012. Ao todo, 24 pessoas foram condenadas por crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato e formação de quadrilha. As penas variaram de acordo com a participação de cada réu no esquema.

Confira a lista:

Regime fechado

  • Cristiano Paz - ex-sócio de Marcos Valério
  • José Roberto Salgado - ex-dirigente do Banco Rural
  • Henrique Pizzolato - ex-diretor de marketing do Banco do Brasil
  • Kátia Rabello - ex-presidente do Banco Rural
  • Marcos Valério - publicitário
  • Ramon Hollerbach - ex-sócio de Marcos Valério
  • Simone Vasconcelos - ex-funcionária de Marcos Valério
  • Vinícius Samarane - ex-dirigente do Banco Rural

Regime semiaberto

  • Bispo Rodrigues - ex-deputado, à época no PL
  • Delúbio Soares - ex-tesoureiro do PT
  • Jacinto Lamas - ex-tesoureiro do PL
  • João Paulo Cunha - ex-deputado do PT
  • José Dirceu - ex-ministro da Casa Civil
  • José Genoino - ex-deputado e ex-presidente do PT
  • Pedro Corrêa - ex-deputado do PP
  • Pedro Henry - ex-deputado do PP
  • Roberto Jefferson - delator e ex-deputado do PTB
  • Rogério Tolentino - advogado de Marcos Valério
  • Romeu Queiroz - ex-deputado do PTB
  • Valdemar Costa Neto - deputado, atual presidente do PL

Pena restritiva de direitos

  • Breno Fischberg - ex-sócio da corretora Bônus Banval
  • José Borba - ex-deputado do PMDB
  • Emerson Palmieri - ex-secretário do PTB
  • Enivaldo Quadrado - ex-sócio da corretora Bônus Banval

Absolvidos

  • Anderson Adauto - ex-ministro dos Transportes
  • Antônio Lamas - ex-assessor do PL
  • Anita Leocádia - ex-assessora de Paulo Rocha
  • Ayanna Tenório - ex-vice-diretora do Banco Rural
  • Duda Mendonça - publicitário
  • Geiza Dias - ex-funcionária de Marcos Valério
  • João Cláudio Genu - ex-assessor do PP
  • João Magno - ex-deputado do PT
  • José Luiz Alves - ex-secretário dos Transportes
  • Luiz Gushiken - ex-secretário de Comunicação
  • Paulo Rocha - ex-deputado do PT
  • Professor Luizinho - ex-deputado do PT
  • Zilmar Fernandes - sócia de Duda Mendonça

Observação: José Janene, ex-deputado federal, morreu em 2010, antes do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal

Graduado em jornalismo e pós graduado em Ciência Política. Foi produtor e chefe de redação na Alvorada FM, além de repórter, âncora e apresentador na Bandnews FM. Finalista dos prêmios de jornalismo CDL e Sebrae.