A Itatiaia foi as ruas pra saber: o que você faria se acordasse hoje e todo o dinheiro que você tem guardado fosse confiscado?
“Eu ficaria louca. Eu ia fazer um protesto, é muita loucura”, conta a comerciária Raissa Melo, de 20 anos. “Imagina você ter o dinheiro guardado para uma emergência e não poder pegar o dinheiro?”.
“A reação seria de desalento. Eu teria que contar com a repercussão mundial, alguma mobilização social, com manifestação”, avalia o psicólogo Roney Kakovich, de 47 anos.
O Plano Verão, que ficou mais conhecido como Plano Collor, é um pacote de 27 medidas anunciado em 16 de março de 1990. Algumas propostas eram:
- Extinção de mais de 20 empresas estatais;
- Demissão de mais de 80 mil funcionários públicos;
- Congelamento de preços e salários por 45 dias;
- A troca da moeda, de cruzado novo para cruzeiro, com paridade de 1 pra 1; entre outras.
Mas o grande pesadelo para os cidadãos brasileiros foi o confisco de valores superiores a 50 mil cruzados novos (moeda brasileira à época) que estivessem depositados em conta corrente, poupança ou investimentos - na época chamados de overnight.
“Quem tinha ontem no depósito a vista 50 mil cruzados pode ir ao banco segunda-feira e sacar, se quiser, 50 mil cruzeiros. O que excede isso fica depositada junto ao Banco Central e será convertida em cruzeiros após 18 meses”, anunciou a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso.
Convertido para o dinheiro de hoje, era como se pudéssemos sacar apenas algo próximo a R$9 mil reais. Valores acima disso ficariam bloqueados, para serem devolvidos 18 meses depois.
O bolso doeu, o sonho ruiu e o coração não aguentou
Leontino Costa tinha 67 anos quando Fernando Collor de Melo foi eleito. Já tinha, portanto, uma vida inteira de trabalho árduo na zona rural de Vespasiano, de onde transportava leite para BH. Fazia duas décadas que se mudara com a esposa e os sete filhos para a capital, no bairro Cachoeirinha.
Aposentando, ensaiava, timidamente, um retorno para a roça. As economias de toda vida estavam na poupança, junto com o dinheiro do caminhão que acabara de vender. Mais velha dos sete filhos de Leontino, a professora aposentada Berenice Costa, de 75 anos, compartilha essas memórias.
“Meu pai era um homem trabalhador, exemplo de chefe de família. Sonhava comprar um pedacinho de terra pra ter uma vaquinha, uma galinha, um fogão a lenha. Aí vendeu um caminhão e os poucos bens que tinha e começou a procurar esse lugar dos sonhos. Vem o governo Collor e confisca tudo”, lembra dona Berenice.
E o pior: Leontino apoiou a eleição de Collor, vestiu a camisa e pediu votos para o jovem político alagoano. “Ele vestia a camisa do presidente Collor. Ele confiava tanto que ele achava que esse presidente Collor vinha pra melhorar as coisas. Seria um governo de esperança pro Brasil. Que a inflação na época que tava um horror poderia cair. A decepção foi tão grande. E com a tristeza que ele sentia, a gente percebia no olhar, no comportamento”, relembra.
O médico psiquiatra Rodrigo Huguet avalia que essa reversão brusca de expectativas pode causar ou acentuar os problemas de saúde. “Pessoas muito angustiadas, ansiosas, deprimidas, abaladas por eventos como esse, aumenta sim a chance dela adoecer clinicamente”, explica.
Menos de um ano após o confisco, Leontino não resistiu e morreu aos 68 anos. Era 21 de fevereiro de 1991. O que causou a morte dele? A família acredita em “decepção, tristeza. Por que não falar de uma depressão? Numa manhã de fevereiro ele foi ao açougue, comprou carne e voltou pra casa. Se sentiu mal e deitou no sofá. Aí foi a correria para o hospital e lá a notícia veio. Um infarto fulminante. E nós perdemos o nosso pai”, avalia a filha mais velha, Berenice.
Dinheiro que vai, não volta
A promessa do governo Collor era devolver o dinheiro corrigido para a população, de modo que ele não perdesse valor. “Durante esses 18 meses esses depósitos em cruzados novos recebem correção monetária mais juros de 6%, como as outras remunerações. Ao fim de 18 meses eles são convertidos em cruzeiros”, prometeu a ministra Zélia Cardoso.
Mas o dinheiro, devolvido 18 meses depois, veio menor do que o que havia sido confiscado. “A devolução prevista era com uma taxa de correção pré-fixada, porém a inflação subiu muito, ficou acima dessa taxa de correção, então o dinheiro perdeu o poder de compra ao longo do tempo. O que significa perder dinheiro”, explica o professor de finanças e pró-reitor acadêmico do IBMEC, Eduardo Coutinho.
O contador José Mayrinhk, de 75 anos, também faz essa conta. “O dinheiro devolvido foi cerca de 60% do que foi confiscado, não mais do que isso. Ficou sim, ficou (no prejuízo)”, afirma. “Foi uma grande decepção para todos que confiavam no presidente”.
Mas será possível tirar algo de bom do desastre econômico e político do Plano Collor? Respostas que a gente traz na próxima reportagem especial.
- Leia e ouça a primeira reportagem especial
neste link . Acompanhe mais relatos do assunto no Jornal da Itatiaia - 1ª Edição.