O
veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à proposta do marco temporal para demarcação de territórios indígenas, decidido nessa sexta-feira (20) após
reunião com ministros no Palácio da Alvorada, acentua as tensões entre a ala governista e a bancada ruralista no Congresso Nacional. Líder do governo no Legislativo, o senador Randolfe Rodrigues (Sem partido) afirmou que defenderá o veto do presidente na próxima sessão. “Agora, na sessão do Congresso, defenderemos o veto sobretudo porque é um direito que assiste aos povos originários e porque não pode ter retrocessos nos dispositivos que a Constituição estabelece para proteção dos direitos dos povos originários”, declarou.
A
próxima sessão para discussão de vetos no Congresso acontecerá na quinta-feira (27). Entretanto, ainda nessa sexta-feira, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD) declarou que a discussão sobre a decisão de Lula quanto o Projeto de Lei (PL) do marco temporal não aconteceria neste encontro. “O cerne da questão do marco temporal é um tema polêmico e há uma tendência do Congresso de acreditar que ele deve ser incluído no ordenamento jurídico. Assim, o veto será apreciado em sessão oportuna”, ponderou. “Mas, este não é um veto que trancará a pauta e poderá ser submetido numa sessão futura do Congresso”, concluiu. A análise de Pacheco aconteceu cerca de três horas antes da decisão de Lula.
O parecer do chefe do Executivo a respeito do marco temporal respeita o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional essa tese jurídica durante julgamento no mês passado. Maior interessada na fixação da data da promulgação da Constituição como marco temporal para demarcação de territórios indígenas, a
Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) se posicionou logo após o veto de Lula. O grupo composto por 353 parlamentares criticou a decisão do Palácio do Planalto e sustentou que irá derrubá-la. “A FPA não assistirá de braços cruzados a ineficiência do Estado brasileiro em [construir] políticas públicas e normas que garantam a segurança jurídica e a paz no campo. Buscaremos a regulamentação no local adequado, o Congresso Nacional”, escreveu a bancada em nota divulgada nessa sexta-feira.
O presidente Lula vetou parcialmente o Projeto de Lei do marco temporal após reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o advogado-geral da União, Jorge Messias. O petista vetou, além do próprio marco temporal, outros artigos previstos no texto. Entre eles está, por exemplo, o que permitia a possibilidade de contato com populações indígenas isoladas. Por outro lado, o presidente sancionou outros trechos da matéria; são aqueles que regulamentam pontos já previstos na legislação vigente.
Imbróglio nos Três Poderes
A discussão sobre a fixação da data da promulgação da Constituição Federal de 1988 como marco para demarcação de territórios indígenas atravessava o Congresso Nacional há 16 anos, e era pauta no STF desde 2009. Em setembro, a Corte decidiu considerá-la inconstitucional e rejeitou a tese do marco temporal. Na contramão, seis dias depois, 34 entre 66 senados presentes decidiram que a proposta é, sim, constitucional. As divergências entre os poderes Judiciário e Legislativo acirraram as tensões, e membros da oposição pressionaram o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a propôr uma ofensiva contra o Supremo sob a alegação de que os ministros têm legislado sobre discussões de competência do Congresso.
O que é o marco temporal?
Rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e
aceito pelo Congresso Nacional, o marco temporal é uma tese jurídica que prevê que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou disputavam na data da promulgação da Constituição Federal de 1988 – 5 de outubro de 1988. Os ministros contrários à tese do marco temporal sustentam, em geral, que a própria Carta reconhece o direito das populações indígenas à terra e deve garantir a permanência delas nesses territórios.
Por outro lado, a proposta de lei aprovada no Congresso, o PL 2.903/2023, sustenta que devem ser consideradas terras indígenas aquelas áreas ocupadas por povos originários na data de promulgação da Constituição.