Estruturada como caminho de incentivar a participação de mulheres na política, os quase 15 anos da promulgação da cota de gênero foi marcada, nas últimas eleições, por casos frequentes de candidaturas “falsas” de mulheres pelos partidos. Um dos casos ganhou destaque em Minas Gerais. No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheceu a existência de fraude à cota de gênero pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) nas eleições municipais de 2020 em Belo Horizonte. Com a decisão,
O PRTB teve votos suficientes para eleger apenas um vereador naquela eleição:
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Ao deixar a Câmara de BH, o primeiro suplente da chapa, Uner Augusto, tomou posse, mas ficou poucos dias na cadeira de vereador. Com a decisão da Justiça Eleitoral, ele também teve os votos anulados e seu mandato foi cassado.
A presidente estadual do PRTB, Rita del Bianco, explica que não estava à frente do diretório à época, e se referiu à eleição como “atípica”. A dirigente explica que o contexto de pandemia foi responsável por “desanimar os candidatos” e insiste que as acusações são frágeis e envolvem um partido que “renunciou ao fundo [eleitoral]” e “não tinha qualquer recurso”.
“Esse tipo de coisa, quando ocorre, está em partidos ricos. Para evitar qualquer suspeita futura e trabalhar sempre com transparência e dando protagonismo às mulheres, optei por eu mesma ser presidente municipal do PRTB em Belo Horizonte, até pela importância estratégica da capital dentro do contexto da política estadual”, afirma a presidente do partido.
Segundo dados divulgados pelo TSE, casos como o do PRTB não são isolados. Segundo dados fornecidos pela Justiça Eleitoral, 51 casos semelhantes de “candidaturas laranja”, ocorridos nas eleições de 2020, foram julgados.
Ao menos 42 decisões culminaram na cassação de chapas inteiras de vereadores. No total, 101 postulantes foram punidos com perda de mandato. Entre os principais elementos analisados para constatar a fraude estão: candidatura zerada (nos casos em que nem mesmo as próprias candidatas votam em si mesmo), falta de registro de despesas eleitorais e ausência de atuação eleitoral (nos casos em que elas não fazem campanha para pedir voto). Em Araruama (RJ), todos esses elementos foram encontrados na candidatura de Daniele Botelho (Republicanos), por exemplo.
O que diz a lei?
A Lei das Eleições determina que cada partido ou coligação deve preencher um mínimo de 30% e um máximo de 70% das vagas para candidatos de ambos os sexos, nas eleições para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
A exigência se tornou obrigatória a partir de 2009, no entanto, ainda existem as chamadas “candidaturas-laranja”, nas quais as legendas utilizam informações de mulheres para preencher a cota, mas não oferecem o suporte necessário — além de não investir nas candidatas para garantir equilíbrio na disputa.
É importante destacar que a cota de gênero nas eleições é prevista apenas para as candidaturas disputadas pelo método proporcional, ou seja, vale apenas para as chapas de candidatos a vereador, deputado estadual e federal. Logo, não há lei que preveja ou obrigue a aplicação da cota de gênero para as chapas de candidatos a prefeito, governador, senador e presidente da República, eleitos pelo método majoritário - quando o mais votado é eleito.
Uner Augusto teve o mandato cassado após decisão que condenou PRTB por fraude à cota de gênero
Participação feminina na política ainda é um desafio
O advogado e especialista em Direito Eleitoral, Lucas Bessoni, explica que as cotas de gênero nas eleições, como medida afirmativa, foram introduzidas na legislação brasileira em 1995, e visam aumentar a representatividade feminina nas casas legislativas em todo Brasil. O especialista ainda afirma que apesar dos incentivos legais, a equidade de gênero na política ainda precisa avançar.
“O país enfrenta desafios para alcançar uma representação feminina significativa no Congresso. Problemas como a falta de apoio financeiro e estrutural às candidatas mulheres, a utilização de candidatas “laranjas” para cumprir formalmente a cota sem intenção de eleição efetiva, e a baixa taxa de sucesso eleitoral das mulheres indicam dificuldades na implementação efetiva das cotas”, explica.
O especialista, apesar de apontar alguns dos desafios, ressalta que após a implementação das cotas de gênero, os avanços foram significativos e que hoje as mulheres ocupam mais espaços do que há três décadas.
“Para se ter uma ideia, em 1994, antes da vigência da primeira lei de cotas no Brasil, apenas 6,15% das pessoas eleitas deputadas federais eram mulheres, ao passo que nas últimas eleições gerais de 2022, elegemos 17,7% de mulheres”, afirma.
O interesse pela política por parte das mulheres e o resultado dos pleitos também são destacados por Bessoni. Segundo ele, nos últimos 30 anos, o desempenho das candidatas femininas em relação ao índice candidata por vaga caiu. Segundo dados do TSE, em 1994, foram 185 candidaturas femininas à Câmara Federal, das quais 37 foram eleitas, resultado em 20% de sucesso. Em 2022, foram 3.718 candidatas mulheres, tendo sido eleitas 91 delas, ou seja, 17,7% das que disputaram, foram eleitas.
“O percentual de mulheres eleitas não acompanhou o aumento expressivo da quantidade de mulheres candidatas”, explica.
Mais de 900 cidades do país não possuem vereadoras
Ainda conforme dados do TSE, em 2020, mais de 900 cidades do país não contavam sequer com uma vereadora em suas casas legislativas e em 1,8 mil cidades, apenas uma mulher foi eleita. Na Câmara de Deputados, onde a participação feminina é de 17,7%, o percentual coloca o Brasil na posição 135, dentre 186, em um ranking global de representação das mulheres no Parlamento.
Os números, que deveriam ser um indicativo para os partidos incentivarem as mulheres na participação política, causaram um efeito rebote: em 2023 foi protocolada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reduzir a taxa estabelecida em lei.
O texto, relatado pelo deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) e de autoria do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), retira a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das cotas de candidatas mulheres e na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas câmaras de vereadores do país a partir de 2026. Atualmente, a PEC 9/23 aguarda comissão especial. Para ter validade nas eleições de 2024, o texto deveria ter sido aprovado pelo Senado em outubro de 2023.
Ou seja, para as eleições municipais deste ano, segue a exigência de cumprimento dos 30% das vagas para as candidatas. Caso a regra seja descumprida, os partidos terão os registros de todos os seus candidatos anulados, como ocorreu com o PRTB em Belo Horizonte, em 2020.
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