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Quatro meses após 8 de janeiro, cerca de 250 permanecem presos e sem data para deixar cadeia

Advogados e defensores públicos de pessoas que foram presas por participar de atos antidemocráticos questionam processo judicial

Centenas de pessoas foram presas após invasões a prédios públicos em Brasília, no dia 8 de janeiro

No dia em que os ataques criminosos às sedes dos Três Poderes, em Brasília, completam quatro meses, 253 pessoas suspeitas de envolvimento nos atos antidemocráticos aguardam o julgamento de dentro de presídios em diferentes pontos do país. Elas não têm qualquer previsão de soltura, segundo a Defensoria Pública da União (DPU).

Das mais de duas mil pessoas detidas pelas autoridades policiais nas horas que seguiram aos ataques em Brasília, mais de 1.800 foram liberadas por decisão do ministro Alexandre de Moraes, mediante medidas cautelares. Ou seja, elas estão sendo monitoradas por tornozeleiras eletrônicas e se comprometeram a se apresentar à Justiça e não deixar suas respectivas comarcas.

Das que permanecem detidas, Moraes já negou dezenas de pedidos de liberdade feitos pela DPU e por advogados particulares. As defesas recorreram e ingressaram com pedidos de habeas corpus (HC). No entanto, há um entendimento no STF que os ministros não podem julgar HCs contra decisões proferidas pelos pares da Suprema Corte.

Sem prazo para a soltura

A afirmação é do defensor público da União, Gustavo Ribeiro, que faz parte de uma força-tarefa da DPU que acompanha o caso de cerca de 400 pessoas, entre presos e outros que estão respondendo ao processo em liberdade.

“Com relação à liberdade, propriamente dita, nós temos também feito inúmeros pedidos, tanto para o ministro Alexandre, inclusive recorrendo quando ele nega, como impetrando HCs [habeas corpus]. O problema, nesse caso, é que como o ministro já é do próprio STF, o HC seria para outro ministro. Só que o STF tem o entendimento que não cabe habeas corpus contra outro ministro do STF”, explica.

Caso semelhante ocorreu com o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres, também investigado por envolvimento nos atos de 8 de janeiro. A defesa dele recorreu de um pedido de habeas corpus negado por Alexandre de Moraes. No entanto, quando o recurso caiu no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, ele foi novamente negado - já que a jurisprudência do STF não permite que um ministro autorize um HC negado por outro.

“Aí nós caímos em uma espécie de limbo, porque pedimos liberdade para um ministro, ele diz não, aí nós agravamos [uma espécie de recurso], mas esse recurso depende do ministro que negou a decisão colocar em julgamento. Se ele não coloca, o recurso fica lá nas mãos dele. E ainda temos feito HCs, principalmente neste caso de pessoas acusadas de crimes menos graves para tentar soltar essas pessoas. Só que, via de regra, os outros ministros dizem que não cabe HC para o colega”, completa o defensor.

E não tem data, não tem prazo. Familiares me perguntam isso com muita frequência”

Após os ataques, mais de duas mil pessoas foram presas - muitas foram presas em flagrante e outras detidas posteriormente com base na análise de imagens que registraram os atos de vandalismo. O número de presos caiu na última sexta-feira para 253, após o Ministro Alexandre de Moraes autorizar que os suspeitos respondessem Ao processo em liberdade. Entre eles, idosos e mães com filhos menores de 18 anos.

Prisões: justas ou injustas?

As prisões dividem opiniões entre os especialistas. Há quem defenda que elas foram necessárias e exemplares. Outros, afirmam que há excessos, principalmente na manutenção das detenções nos casos de réus primários, 120 dias após os ataques.

Um dos casos citados pelos críticos é a prisão da mineira de Montes Claros, no Norte de Minas, Aline Leal Bastos Morais de Barros, presa quase 90 dias após os ataques. A advogada, candidata a deputada federal pelo PL nas eleições de 2022, foi reconhecida pelas investigações após ser flagrada em postagens nas redes sociais mostrando que estava em Brasília no dia do ato.

O advogado dela, Farley Soares, confirma que a cliente esteve em uma manifestação na capital federal, mas ressalta que ela não participou da quebradeira nos prédios públicos. Farley diz que ainda não teve acesso ao inquérito e ao pedido de prisão contra a cliente.

Outro crítico das prisões é o deputado estadual Caporezzo (PL), que sustenta que manifestantes que participaram de atos de rua não podem receber a mesma punição que as pessoas que cometeram atos criminosos ao depredarem os prédios dos Três Poderes.

“Muitos abusos foram praticados. Isso é bastante claro, desde o momento da prisão já que as condutas, supostamente delitivas, não foram individualizadas. Todos responderam de maneira genérica: associação criminosa, abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de estado, ameaça, perseguição, incitação ao crime, dano ao patrimônio público e até terrorismo”, cita.

“Todos que foram para Brasília praticar vandalismo tem que ser punidos na forma da lei. É fato que a grande maioria eram manifestantes pacíficos, que não podem responder como se tivessem praticados todos esses crimes. Além disso, diversos direitos humanos foram ali rasgados”, afirma o deputado do mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais, o professor Nuno Rabelo avalia que há excessos do Judiciário neste caso e ressalta que a Justiça não pode ceder a pressões populares. “Os atos praticados ali estão muito distantes dos atos que a lei define como atos de terrorista. Então quem é do meio jurídico não deve tratar aquelas pessoas como se terroristas fossem. Então, quando o Estado acusa, ele tem que ser preciso, certeiro, ele não pode ser teatral, vingativo ou político. Por quê? Porque o Estado acusa através do Ministério Público e quem julga é o poder judiciário”, declara.

Visitantes precisam apresentar cartão de vacinação

Até o momento, nenhum caso de violação de direitos, neste caso, foi levado para ser analisado na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que tem o deputado Caporezzo entre os membros titulares. No entanto, a presidente do colegiado, deputada Andréia de Jesus (PT), diz que a comissão está aberta para debater o tema.

“Nós não fomos provocados, mas a comissão de Direitos Humanos está aberta para ouvir a todos. Tem membros dessa comissão que estão acompanhando mais de perto, como Bruno Engler e Caporezzo [ambos do PL]. Eles têm liberdade para tocar essa pauta na comissão e terão apoio dessa presidenta. O 8 de janeiro deixou todos nós muito perplexos, ataque diretamente aos Três Poderes”.

Nós estamos aqui defendendo o Estado Democrático de Direito, não é a mesma postura dos que estiveram lá no 8 de janeiro - Andreia de Jesus

A reportagem ouviu relatos de uma suposta restrição de visitas às pessoas que estão presas. No entanto, a Defensoria Pública da União afirmou que não tem conhecimento de nenhum caso deste tipo. O órgão ressaltou que os familiares podem fazer visitas, desde que respeitem os protocolos e os horários determinados pela de Execução Penal e o Sistema Prisional de cada Estado.

Nós também fizemos este questionamento para Ordem dos Advogados do Brasil, que negou que esteja ocorrendo qualquer problema deste tipo, desde que as regras sejam cumpridas pelas famílias.

A presidente da Comissão Mineira de Direitos Humanos do órgão, a advogada Cristina Paiva, informou que algumas famílias não puderam visitar os presos porque não apresentaram comprovantes de vacinação.

“Estamos acompanhando os casos que envolvem os atos antidemocráticos de 8 de janeiro desde o início. A primeira preocupação, lá atrás, era com relação a possíveis violações aos Direitos Humanos em razão do encarceramento em massa. Com relação ao acesso dos advogados aos processos, desde que foi oferecida e recebida a denúncia, eles não têm tido dificuldade. Com relação a dificuldades de visitação e alimentação, a Comissão de Direitos Humanos também não tem recebido nenhum tipo de denúncia”, afirma.

“Mas tem cerca de 10 a 15 denúncias que chegaram. Isso porque, para que seja feito o cadastro das pessoas para visitarem os presos, tem que apresentar o cartão de vacinação e alguns não apresentaram. Isso está sendo avaliado”, completa a advogada.

Resposta do STF

No plenário do Supremo, o ministro Alexandre de Moraes garantiu que está sendo respeitado o devido processo legal. Moraes afirmou que está analisando os casos de forma detalhada e individualizada, para que todas as pessoas que praticaram crimes sejam responsabilizadas de acordo com a lei. Garantiu ainda que o STF vai realizar uma justiça isenta, imparcial, célere, para que isso não se repita mais.

O ministro informou que foram instaurados sete inquéritos: três específicos contra parlamentares que participaram dos atos, um contra financiadores, um contra autores intelectuais, um contra os executores materiais e outro contra as autoridades do Distrito Federal (o governador afastado Ibaneis Rocha, o ex-secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, e o ex-comandante-geral da Polícia Militar, Fábio Vieira).

Até o momento, a PGR denunciou 1.390 pessoas por atos antidemocráticos, sendo 239 no núcleo dos executores, 1.150 no núcleo dos incitadores e uma pessoa no núcleo que investiga suposta omissão de agentes públicos.

Já nas denúncias contra executores – que respondem por crimes mais graves, como golpe de Estado e tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito, com penas que podem chegar a 30 anos de reclusão, a PGR requereu a manutenção das prisões cautelares.

Repórter de política na Rádio Itatiaia. Começou no rádio comunitário aos 14 anos. Graduou-se em jornalismo pela PUC Minas. No rádio, teve passagens pela Alvorada FM, BandNews FM e CBN, no Grupo Globo. No Grupo Bandeirantes, ocupou vários cargos até chegar às funções de âncora e coordenador de redação na BandNews FM BH. Na televisão, participava diariamente da TV Band Minas e do BandNews TV. Vencedor de 8 prêmios de jornalismo. Já foi eleito pelo Portal dos Jornalistas um dos 50 profissionais mais premiados do Brasil.