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Justiça limita gasto da Prefeitura de BH com a Parada LGBT após ação de vereadores bolsonaristas

Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ está marcada para acontecer no domingo (20) em Belo Horizonte

Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ está marcada para acontecer no domingo (20)

A quatro dias da realização do evento, a Justiça determinou que a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ só poderá receber da Prefeitura de Belo Horizonte R$ 100 mil dos R$ 450 mil inicialmente previstos, sob pena de culpabilização pessoal do prefeito Álvaro Damião (União Brasil) e do Executivo municipal. A decisão, da noite desta quinta-feira (17), assinada pelo juiz Danilo Couto Lobato Bicalho, da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Belo Horizonte, atende a uma Ação Popular ajuizada pelos vereadores bolsonaristas Uner Augusto (PL) e Pablo Almeida (PL).

O valor liberado, de acordo com o magistrado, poderá ser repassado para que a Parada, que acontece neste domingo (20), não seja cancelada. A decisão acata parcialmente a argumentação dos parlamentares, que afirmam que o processo de escolha da entidade que realizará o evento, o Cellos-MG, não foi transparente e houve dispensa de licitação para contratação da associação. A prefeitura, por sua vez, defende que o processo foi aberto e que há “reconhecida expertise da OSC e a intrínseca ligação entre a entidade e o histórico do evento”.

O magistrado pontua que não há indícios de irregularidades ou superfaturamento na contratação do Cellos, mas não enxergou justificativa suficiente para manter o valor determinado, de R$ 450 mil.

Mesmo com a validade da argumentação dos vereadores, na visão do juiz, “a prudência recomenda uma limitação do valor a ser liberado inicialmente, até que os custos sejam melhor esclarecidos, para se evitar a ocorrência de dano ao patrimônio público, mas não a suspensão do contrato ou convênio firmados”.

“Em sua manifestação preliminar, o requerido Município de Belo Horizonte/MG, por sua vez, se contrapõe alegando que não existe risco iminente ao erário ou à moralidade administrativa, pois a parceria foi formalizada com base na legislação e em plano de trabalho aprovado, com análise de sua viabilidade técnica e financeira. Afirma que o bloqueio dos valores ou a suspensão da parceria implicaria indevida intervenção jurisdicional em política estatal legítima e legalmente constituída, inviabilizando um evento de amplo alcance social e simbólico, já consolidado no calendário municipal e com expressiva mobilização da sociedade, gerando graves lesões de ordem prática e institucional”, diz outro trecho da decisão.

O juiz pondera que a suspensão total ou o bloqueio integral dos recursos a poucos dias da realização do evento poderia causar um “dano imenso e irreversível”, não apenas à organização do evento, mas também à “imagem e ao compromisso do Município de Belo Horizonte com a promoção da diversidade e inclusão, além de frustrar as expectativas de centenas de milhares de participantes”.

“Não obstante, há ainda de se observar que o evento amplamente divulgado atrai turistas e movimenta toda a economia desta capital, especialmente os setores de bares, restaurantes, hotelarias e afins, cujo o prejuízo pela suspensão ou cancelamento poderá ensejar em danos irremediáveis para a economia da cidade, além de implicar danos aos organizadores e público do evento. A interrupção abrupta de um evento de tal magnitude, a poucos dias de sua concretização, geraria um cenário de caos organizacional, prejuízos logísticos e simbólicos que transcenderiam o aspecto financeiro. A mobilização de estruturas, contratação de serviços e a própria expectativa da população envolvida não podem ser ignoradas”, defende o magistrado.

Considerando os dois fatores – a validade dos questionamentos dos vereadores e a possível impossibilitação da realização do evento sem os repasses do município – o juiz determinou que, com base em “valores comumente despendidos em eventos culturais e sociais de grande porte”, e “a necessidade de assegurar que o evento não seja completamente paralisado por uma decisão judicial que não dispõe de todos os elementos necessários para um juízo exauriente”, é “razoável” determinar que o valor máximo a ser destinado pelo município para o evento seja limitado em R$ 100 mil.

O magistrado ainda determinou que o Cellos/MG junte aos autos, em 15 dias, o orçamento detalhado da Parada do Orgulho, com previsão de todas as receitas e despesas, bem como a metodologia de controle e prestação de contas dos recursos recebidos e a receber, a fim de “subsidiar a análise de mérito da presente ação”.

Prefeitura

A Prefeitura de Belo Horizonte informou que não se manifestará sobre o assunto nesta quinta-feira.

Cellos/MG se manifesta

Maicon Chaves, presidente do Cellos-MG e secretário de Relações Internacionais da ABGLT, afirma que a peça é frágil e que, como se trata de uma decisão liminar, ainda é possível recorrer. Ele reforça que a Parada não está adiada e que nem com a ausência de recursos ela deixaria de acontecer. “Temos instâncias para fazer isso e também significa dizer que a parada não tá adiada, que o festival não tá adiado e que a nossa luta, nossa manifestação muito menos será impedida. Nós vamos tomar as medidas cabíveis, nós temos um corpo de advogados muito capacitado que estão trabalhando para poder nos ajudar nesse processo”, defende.

Ele pontua ainda o que considera como “covardia da extrema-direita”. “É uma extrema direita que é covarde, que goza com maltratar os outros e finge defende o dinheiro público para fazer manutenção desse privilégio hegemônico, branco, cis-heteronormativo, à medida de querer nos apagar, nos invisibilizar. Nenhum recurso nos tirará das ruas. A falta dele não nos tirará das ruas. E temos que dizer que nós vamos resistir ainda sim”, defende.

Vereador comemora decisão

O vereador Pablo Almeida afirmou que a decisão é a “vitória do bom senso e da responsabilidade com o dinheiro do povo”. “O juiz reconheceu o absurdo do gasto e determinou que o prefeito será pessoalmente responsabilizado caso insista em liberar qualquer valor além de R$ 100 mil, autorizado apenas para evitar o cancelamento imediato do evento. Isso é uma vitória para quem defende que o dinheiro público seja usado com seriedade — em saúde, educação, segurança e infraestrutura, e não em festas ideológicas bancadas com o suor do cidadão trabalhador”, destacou o parlamentar.

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Jornalista pela UFMG, Lucas Negrisoli é editor de política. Tem experiência em coberturas de política, economia, tecnologia e trends. Tem passagens como repórter pelo jornal O Tempo e como editor pelo portal BHAZ. Foi agraciado com o prêmio CDL/BH em 2024.