Entenda o substitutivo do PL Antifacção que propõe aumento de penas de até 65 anos

Texto relatado por Guilherme Derrite redefine crimes de facções, amplia cooperação entre polícias e cria banco nacional de integrantes do crime organizado

Deputado federal Guilherme Derrite

A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 5.582/2025, batizado no texto como Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, que propõe mudanças profundas no arcabouço penal e processual brasileiro para enfrentar facções, milícias e grupos armados que controlam territórios e desafiam a presença do Estado.

Relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP) e de origem no Executivo, o substitutivo reúne alterações a dezenas de dispositivos, da Lei das Organizações Criminosas ao Código Penal e à Lei de Execução Penal, e traz medidas penais, patrimoniais e de inteligência concebidas para isolar lideranças e sufocar financeiramente as organizações criminosas.

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Por que o projeto foi proposto

No justificativo rubricado pelo ministro da Justiça, o texto descreve o momento como “uma das fases mais graves” da segurança pública no país e defende que o combate às organizações criminosas exige “legislação de guerra em tempos de paz”. A tese do Executivo e do relator é que as ferramentas atuais são insuficientes para enfrentar a militarização e a sofisticada capacidade financeira e logística das facções, que impõem ordens, ocupam espaços e ameaçam instituições e famílias.

Eixos centrais do substitutivo

O relatório de Derrite organiza o substitutivo em cinco diretrizes fundamentais:

  • Aperfeiçoamento da tipificação penal: criminaliza condutas de dominação territorial, sabotagem de serviços públicos, ataques a agentes de segurança, sequestros de grande potencial lesivo e uso de armamento pesado, sem exigir motivação ideológica para configurar o crime. As penas previstas partem de 20 a 40 anos, com aumentos expressivos para líderes, podendo ultrapassar 65 anos em hipóteses agravadas. As condutas passam a ser tratadas como hediondas, sem previsão de anistia, graça ou livramento condicional.
  • Agravamento do regime de cumprimento de pena: a proposta eleva o percentual mínimo de pena a ser cumprido em regime fechado de 40% para 70%, com possibilidade de 85% para lideranças, reincidência, homicídio, crimes contra vulneráveis ou agentes de segurança. Líderes identificados cumpririam, em regra, pena em presídios federais de segurança máxima.
  • Medidas patrimoniais e bloqueio de ativos: o juiz poderá decretar, inclusive na fase de investigação, sequestro e indisponibilidade de bens físicos, digitais e financeiros, bloqueios de transações como PIX e criptoativos, suspensão de atividades empresariais suspeitas, e cooperação internacional para rastrear recursos em offshores. A proposta amplia o rol de instrumentos para descapitalizar facções.
  • Intervenção em empresas e personificação jurídica: empresas usadas por organizações criminosas poderão ter sócios afastados e administração substituída por interventor judicial por prazo inicial de seis meses, com prorrogação. A medida visa preservar empregos lícitos e interromper atividades ilícitas disfarçadas de negócios legítimos.
  • Banco nacional e interoperabilidade: cria o Banco Nacional de Organizações Criminosas, Paramilitares ou Milícias Privadas, interligado a bancos estaduais, para cadastrar membros, colaboradores e financiadores. O cadastro deverá facilitar o intercâmbio de inteligência entre forças de segurança e órgãos de controle.

Explicação dos artigos — principais dispositivos

Abaixo, a descrição dos pontos centrais do substitutivo, conforme o relatório:

  • Artigo 1 — Definição do marco legal: define o objeto da lei como o combate a organizações criminosas, paramilitares e milícias privadas que atentem contra a paz pública e instituições por meio de violência ou grave ameaça.
  • Artigo 2 — Domínio social estruturado: tipifica como crime condutas destinadas a exercer controle territorial e social, intimidação da população, ataques às forças de segurança, bloqueios e sabotagem de serviços públicos, apoderamento de meios de transporte e instalações críticas, uso de armas, explosivos e drones. Pena base de 20 a 40 anos; aumento por liderança, por emprego de violência contra grupos vulneráveis ou por prática interestadual.
  • Artigo 3 — Favorecimento ao domínio: criminaliza apoio, financiamento, abrigo ou divulgação de mensagens que promovam organizações criminosas. Pena estimada de 12 a 20 anos acrescida de multa.
  • Artigos 4 e 10 a 18 — Crimes conexos e agravantes: incorporam como hediondos homicídios, sequestros, extorsões e outras condutas quando praticadas no contexto organizacional, com agravamento de penas para quem integrar núcleo de comando.
  • Artigo 5 — Medidas asseguratórias: autoriza bloqueio, sequestro e indisponibilidade de bens, inclusive no exterior; suspensão de atividades econômicas; bloqueio de sistemas de pagamento e comunicações utilizadas pelo crime; e comunicação compulsória a órgãos de controle financeiro.
  • Artigo 6 — Intervenção judicial em pessoas jurídicas: faculta a nomeação de interventor para gerir empresas infiltradas, preservando ativos lícitos e interrompendo atividades ilícitas por prazo inicial de seis meses.
  • Artigo 7 — Medidas patrimoniais definitivas: prevê confisco ampliado de bens incompatíveis com renda, dissolução compulsória de empresas fraudulentas e destinação de bens para segurança pública.
  • Artigos 8 e 9 — Procedimentos e prazos investigativos: estabelecem prazos para conclusão de inquéritos e decisões sobre medidas asseguratórias, com mecanismos de recurso e sigilo judicial para proteger investigações sensíveis.
  • Artigo 23 — Banco Nacional: cria cadastro nacional interligado aos bancos estaduais, com parâmetros para inclusão, critérios de acesso pelas polícias e salvaguardas operacionais.
  • Artigos diversos — Execução penal e comunicação: endurecem regras de progressão, impõem regime de cumprimento especial para líderes, vedam auxílio reclusão para dependentes de membros de organizações criminosas e autorizam monitoramento ampliado de comunicações em presídios e de investigados.

Impactos práticos e riscos jurídicos

Se aprovado, o PL 5582/2025 modernizaria instrumentos de repressão e investigação: permitiria bloqueios financeiros ágeis, intervenção em empresas de fachada, transferências urgentes de presos perigosos e cadastro nacional para inteligência integrada. Para o relator, essas medidas reduzem a capacidade de liderança das facções, encarecem o custo do crime e incrementam a cooperação entre forças estaduais e federais.

O relator rejeitou pontos que reduziriam penas para integrantes sem função de comando, e o substitutivo deixa claro que não haverá “privilégios” que possam esvaziar sua eficácia. No campo político, há resistência: deputados que defendiam a tipificação explícita como terrorismo, como Danilo Forte, criticam a retirada da expressão; já a base do governo se preocupa com a preservação das competências da Polícia Federal e com garantias constitucionais.

Tramitação e regime de urgência

O PL tramita em regime de urgência constitucional e recebeu parecer favorável do relator quanto a mérito e constitucionalidade. Após conclusões nas comissões de Segurança Pública e de Constituição e Justiça, o texto está pronto e pode ir a plenário nesta quarta-feira (12). A expectativa do relator e da Presidência é por votação célere e envio ao Senado, diante do argumento de urgência pública.

Aline Pessanha é jornalista, com Pós-graduação em Marketing e Comunicação Integrada pela FACHA - RJ. Possui passagem pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação, como repórter de TV e de rádio, além de ter sido repórter na Inter TV, afiliada da Rede Globo.

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