Oito cidades brasileiras têm ‘risco urbano climático muito alto'; duas estão em Minas

Pesquisa divulgada pela Unifesp desenvolveu índice com objetivo de medir o risco de desastres em áreas urbanas dos 5.570 municípios do país. Na COP 30, líderes negociam medidas contra o aquecimento global

Em abril de 2024, o Rio Grande do Sul sofreu com chuvas, enchentes e enxurradas que atingiram 478 dos 497 municípios do estado

Sentados à mesa de negociação, presidentes, chefes de estado e diplomatas de vários países abrem mão das gravatas e deixam os colarinhos à mostra para debater o futuro do planeta sob o forte calor do Pará. É a Conferência anual das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, COP 30, que coloca todos os holofotes virados para Belém. Os trajes mais casuais, no entanto, contrastam com a seriedade do problema: a intensificação de eventos meteorológicos extremos já afeta a vida de milhões de pessoas. No Brasil, segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), oito municípios têm risco urbano climático muito alto, sendo que dois deles estão em Minas Gerais (os únicos do Sudeste).

O estudo foi publicado no fim de outubro por pesquisadores do Observatório de Lutas Urbanas e Políticas Públicas (OLUPP) do Instituto das Cidades da Unifesp. Conforme o levantamento, outros 603 municípios do Brasil têm “risco urbano climático alto”. O trabalho culminou com o desenvolvimento de um índice (IRUC) que tem o objetivo de medir o risco de desastres climáticos em áreas urbanas dos 5.570 municípios do país. O índice é utilizado pelo Ministério das Cidades como um dos critérios de seleção de 50 cidades que deverão integrar o Projeto Adaptação, que reúne equipes de pesquisadores de várias instituições de ensino.

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As cidades selecionadas pelo Projeto Adaptação vão receber recursos e apoios técnicos para formular e implementar aprimoramentos em suas estratégias de regulação urbana e territorial. “Com isso, poderão adaptar suas áreas diante de eventuais impactos provocados por desastres decorrentes de riscos climáticos, principalmente na perspectiva preventiva”, explica Anderson Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Unifesp e coordenador do OLUPP.

Conforme dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil, entre 1991 e 2024, 26,9 milhões de pessoas e 881 mil habitações foram afetadas por inundações, 4,5 milhões de pessoas e 181 mil habitações foram afetadas por alagamentos, 29,9 milhões de pessoas e 735 mil habitações foram afetadas por enxurradas e 4,9 milhões de pessoas e 66 mil habitações foram afetadas por movimentos de terra. Esses são alguns dos dados, dentre vários outros, utilizados no cálculo do IRUC, composto por indicadores padronizados segundo o método z-score, que é uma medida estatística que descreve a relação de um valor com a média de um conjunto de dados. Essas informações foram agrupadas da seguinte forma:

- Índice de Desastres, no qual foram utilizados dados de ocorrências, entre 1991 e 2024, de chuvas intensas, inundações, enxurradas, alagamentos, deslizamentos de terra, ondas de calor, secas, tornados e ciclones extraídos do Atlas Digital de Desastres no Brasil. Considerou-se que as ocorrências desses desastres no passado indicam perigos e ameaças climáticas no futuro;

- Índice de Exposição, no qual foram utilizados dados relativos a populações, habitações, infraestruturas e instalações de saúde, ensino, atividades comunitárias e de serviços públicos que foram afetadas de diferentes maneiras pelos desastres. Considerou-se que essas populações, habitações, infraestruturas e instalações estavam expostas aos perigos e ameaças climáticas;

- Índice de Vulnerabilidade, composto pelo Índice de Sensibilidade, baseado em dados do Censo de 2022 de populações e domicílios vulneráveis e pelo Índice de Capacidade Adaptativa, que inclui dados sobre transferência de recursos do governo federal, capacidade de gestão fiscal, de planejamento e gestão urbana e de gestão de riscos de desastres.

“Medir os riscos climáticos em áreas urbanas por meio do IRUC é importante porque, diante do agravamento das emergências climáticas, faz-se cada vez mais necessário formular e implementar estratégias de gestão que sejam capazes de prevenir e responder emergencialmente, recuperar as condições de vida e reconstruir as áreas afetadas”, alerta o professor Anderson Kazuo Nakano.

Cidades mineiras

Uma das cidades mineiras em risco urbano climático muito alto, de acordo com a pesquisa, é Padre Carvalho, no Norte de Minas Gerais. Isso ocorre “devido à grande quantidade de pessoas afetadas principalmente por estiagens e secas”, explica o professor da Unifesp. O município fica a cerca de 600 km da capital mineira e é comandado pela prefeita Dra. Sâmia (PL). Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022 a população local era de 5.058 pessoas e a renda média mensal dos trabalhadores formais era de 1,4 salário mínimo. O bioma predominante em Padre Carvalho é o Cerrado e a arborização de vias públicas, quando o último Censo foi realizado, era de 56,47%.

Em nota, a prefeitura de Padre Carvalho informou que “tem adotado medidas preventivas e educativas para enfrentar os desafios climáticos. Entre as ações estão o fortalecimento da Defesa Civil local, campanhas de conscientização sobre o meio ambiente, e parcerias com instituições como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG).

A gestão diz ainda que “a cidade tem sentido os efeitos das mudanças climáticas, especialmente com períodos prolongados de estiagem e eventos extremos de chuva e que tem procurado o Ministério das Cidades e o Ministério do Meio Ambiente para apresentar demandas do município e buscar apoio em projetos de infraestrutura hídrica e capacitação de gestores locais”. A prefeitura afirma que estabeleceu a “meta de ampliar a resiliência urbana com ações como reflorestamento, educação ambiental nas escolas, melhoria da infraestrutura pública e criação de comitês comunitários de prevenção de riscos”.

A outra cidade mineira em risco urbano climático muito alto, segundo a pesquisa da Unifesp, é Bandeira do Sul, localizada no Sudoeste do estado, a cerca de 420 km de Belo Horizonte. O município é chefiado pelo prefeito José dos Santos, o Zé Capituva, do PSDB. Segundo o IBGE, em 2022 a população local era de 5.943 habitantes e a renda média mensal dos trabalhadores formais era de 1,7 salário mínimo. Ainda de acordo com o último Censo, o bioma predominante na cidade é a Mata Atlântica e a arborização de vias públicas no local era de apenas 25,12%.

“Em Bandeira do Sul o IRUC muito alto se deve à alta vulnerabilidade populacional e domiciliar sensíveis a desastres, principalmente relacionados a secas e estiagens, além de infraestrutura precária de coleta de esgoto”, destaca Anderson Kazuo Nakano. A reportagem perguntou reiteradas vezes à prefeitura de Bandeira do Sul o que tem sido feito para proteger e minimizar os danos relacionados a secas e estiagens, se os governos estadual e federal auxiliam o município e como a administração pretende retirar a cidade da lista de “risco urbano e climático muito alto”, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.

Minas Gerais

O Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), informou que os municípios de Bandeira do Sul e Padre Carvalho contam com recursos regulares do Piso Mineiro de Assistência Social. A iniciativa permite aos municípios fortalecer os serviços de assistência ofertados pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), além de garantir o pagamento de benefícios eventuais para famílias em situação de vulnerabilidade social, inclusive aquelas afetadas por emergências climáticas.

A Sedese também destacou que a cidade de Padre Carvalho foi contemplada no 1º Ciclo do Programa Percursos Gerais. “Com a iniciativa, o município recebeu cerca de R$ 114 mil em recursos destinados à melhoria da gestão da proteção social básica. O programa também prevê apoio técnico contínuo às equipes locais, com orientações e capacitações voltadas à execução dos serviços socioassistenciais”.

Brasil

Além das mineiras Padre Carvalho e Bandeira do Sul, outras seis cidades brasileiras estão classificadas sob risco urbano climático muito alto. São elas: Alenquer (PA), Campo Grande (MS), Coronel Sapucaia (MS), Cuiabá (MT), Ipojuca (PE) e Oriximiná (PA). Ao todo, 1,8 milhão de pessoas vivem nas oito cidades do Brasil sob maior perigo, segundo a pesquisa da Unifesp. “É importante repensarmos o planejamento, a gestão e a regulação das nossas cidades no atual contexto das emergências climáticas, o que exige forte articulação com a gestão de riscos de desastres para, assim, garantir segurança e proteção com efetivação de direitos à cidade e aos cidadãos”, argumenta Anderson Nakano.

Desastres

Em abril de 2024, o Rio Grande do Sul sofreu com chuvas, enchentes e enxurradas que atingiram 478 dos 497 municípios do estado. Cerca de 2,4 milhões de pessoas foram afetadas e ao menos 184 morreram. O episódio foi um dos maiores desastres da história do país. Neste mês, pelo menos sete pessoas morreram após a passagem de um tornado no Paraná. Na última sexta-feira (7), a Itatiaia perguntou ao Ministério das Cidades como o Governo Federal pretende adotar medidas para proteger as populações dos municípios que aparecem na pesquisa divulgada pela Unifesp. A pasta informou que a equipe técnica responsável está envolvida com a COP 30 e que vai responder à demanda. A reportagem será atualizada com o posicionamento.

Redução do desmatamento

No fim de outubro, o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou levantamento que mostra que a Amazônia Legal teve o menor índice de desmatamento dos últimos 17 anos em unidades de conservação federal. Já o Cerrado registrou o segundo menor índice desde 2007, ano em que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi implantado. Os dados, na avaliação do ICMBio, são “resultados históricos”. No mesmo período, o ICMBio executou 312 ações de fiscalizações na Amazônia, envolvendo 1.412 de seus agentes. Foram lavrados mais de 1,3 mil autos de infração.

Combustíveis fósseis

Em contrapartida, ambientalistas e cientistas criticam a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que autoriza a Petrobras a perfurar poços para pesquisa exploratória na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, que faz parte da área do litoral brasileiro conhecida como Margem Equatorial. Organizações da sociedade civil e movimentos sociais afirmam que irão à Justiça para denunciar ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, e buscar a anulação da licença.

COP 30

Por sua vez, o Governo Federal destaca que a COP 30 é “uma oportunidade histórica para o Brasil reafirmar seu papel de liderança nas negociações sobre mudanças climáticas e sustentabilidade global. O evento permitirá ao país demonstrar seus esforços em áreas como energias renováveis, biocombustíveis e agricultura de baixo carbono, além de reforçar sua atuação em processos multilaterais, como na Eco-92 e na Rio+20”.

Formado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), é chefe de reportagem na Itatiaia. Trabalhou durante 10 anos no jornal Estado de Minas, onde foi estagiário, repórter, capista, subeditor e editor-assistente do em.com.br e do portal UAI. Também colaborou com matérias para o portal UOL e foi assessor de imprensa no Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

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