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Dino proíbe novas ações no exterior com base em processo ligado à tragédia de Mariana

Decisão do ministro do STF impede municípios de buscar indenizações fora do Brasil, mas mantém casos já em andamento; qualquer sentença só terá validade se reconhecida pela Corte

Flávio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta segunda-feira (18) que municípios brasileiros não podem recorrer a tribunais estrangeiros para buscar indenizações. A decisão foi motivada por ações de cidades mineiras atingidas pelo rompimento da barragem de Mariana, em 2015, que buscavam compensações contra a mineradora Samarco e suas controladoras, Vale e BHP, na Justiça do Reino Unido.

Dino destacou que municípios como Mariana, Ouro Preto, Resplendor, Ipaba, Aimorés e Baixo Guandu chegaram a contratar escritórios internacionais para mover ações na Inglaterra, buscando indenizações mais rápidas ou vantajosas que as previstas no acordo firmado entre a mineradora e o governo brasileiro. Para o ministro, a iniciativa contraria a Constituição: “Municípios são autônomos, mas não soberanos”.

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A decisão vale apenas para novos processos. Casos já iniciados no exterior poderão continuar, mas qualquer sentença só terá validade no Brasil se for reconhecida pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dino reforçou que Estados e municípios brasileiros estão impedidos de propor novas demandas fora do país, respeitando a soberania nacional e a competência do Judiciário brasileiro.

Além disso, o ministro proibiu que empresas brasileiras ou que atuem no Brasil sigam ordens de outros países que restrinjam direitos ou imponham obrigações. Apesar de não citar diretamente, a decisão faz referência a aplicação da Lei Magnitsky, dos EUA, contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes.

Efeito sobre outras ações

O processo foi movido pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que questionou a legitimidade de municípios acionarem tribunais estrangeiros. Segundo a entidade, apenas a União pode representar o país no exterior, e múltiplas ações internacionais dificultam fiscalização e transparência. A decisão de Dino tem efeito vinculante e se aplica a outros casos, reforçando que tribunais estrangeiros não podem impor decisões unilaterais sobre órgãos nacionais.

Tragédia de Mariana

O rompimento da barragem da Samarco, em 2015, provocou o maior desastre ambiental do país. A lama destruiu comunidades, áreas de preservação e parte da biodiversidade da Mata Atlântica. A tragédia deixou 19 mortos, afetou mais de 40 municípios, três reservas indígenas e milhares de famílias ao longo da bacia do Rio Doce até o Oceano Atlântico.

IBRAM emite nota: leia a íntegra

“O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) considera plenamente aderente à legislação brasileira a decisão proferida pelo ministro Flávio Dino no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece que leis, medidas e sentenças de tribunais estrangeiros somente produzem efeitos no Brasil após validação pelo Judiciário brasileiro, bem como veda a estados e municípios a propositura de novas ações em cortes estrangeiras. Na visão do IBRAM, a diretriz prestigia a soberania nacional, o pacto federativo e a competência do sistema de Justiça brasileiro para fatos ocorridos no país.

A orientação do STF está em consonância com o que o IBRAM sustentou desde o início na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1178: controvérsias decorrentes do rompimento de barragem em Mariana (MG) — fato ocorrido no Brasil, regido por leis brasileiras e com ampla atuação das instituições nacionais — devem ser tratadas sob a jurisdição brasileira, com eventual cooperação internacional observando os canais legais de homologação e assistência judiciária.

O Instituto reitera o entendimento de que a tramitação de pleitos indenizatórios no Brasil fortalece a segurança jurídica, evita decisões conflitantes e assegura a adequada coordenação entre Poder Judiciário, Ministério Público, órgãos ambientais e autoridades responsáveis pela reparação, sempre em respeito à Constituição. A decisão do ministro Dino, ao fixar que atos estrangeiros não têm eficácia automática no território nacional, reforça esse caminho institucional.

Por fim, o IBRAM reafirma seu compromisso com soluções efetivas de reparação, com o pagamento das indenizações pactuadas em acordo já celebrado com participação de autoridades brasileiras e com a melhoria contínua das práticas socioambientais do setor, bem como com o pleno respeito às competências constitucionais brasileiras. Em casos que envolvam danos ocorridos em território nacional, a Justiça brasileira é o foro competente para garantir respostas céleres, consistentes e aderentes ao ordenamento jurídico do país”.

Pogust Goodhead emite nota: leia a íntegra

“A decisão do ministro Flávio Dino na ADPF 1178 não impacta os direitos de quaisquer autores (incluindo indivíduos e municípios) em processos estrangeiros já existentes - como as ações sobre o desastre de Mariana na Inglaterra e na Holanda - e aplica-se apenas às ações de entes públicos em processos estrangeiros futuros.

Vale esclarecer ainda que a decisão não abrange as ações movidas na Inglaterra e na Holanda em nome das vítimas individualmente, que seguem andamento normal.

Além de não ter qualquer impacto sobre o atual andamento das ações na Inglaterra e na Holanda, a decisão, que não tem natureza retroativa, tampouco discute qualquer questão relacionada aos contratos dos municípios com o escritório. O relator também não examina o mérito da ADPF, que trata da legitimidade de municípios para ajuizar ações no exterior.

Ao tratar da necessidade de homologação no Brasil para a execução de decisões ou ordens judiciais estrangeiras, o relator faz referência às medidas liminares concedidas pelo tribunal inglês contra o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Nessas liminares, a corte determina que instituto reconheça que uma de suas petições na ADPF junto ao STF poderia causar sério prejuízo ao direito dos municípios a um julgamento justo. Está prevista para novembro de 2025 a audiência que avaliará a manutenção das liminares na Inglaterra contra o IBRAM.

A jurisdição inglesa sobre a ação de Mariana foi aceita porque a mineradora anglo-australiana BHP tinha sede em Londres à época do desastre. Cabe destacar que apesar da ação inglesa ter se iniciado em 2018, a ADPF 1178 foi ajuizada pelo IBRAM apenas em 2024 com financiamento da própria BHP – fato revelado perante a corte inglesa e posteriormente admitido tanto pelo IBRAM quanto pela BHP.

O ministro Dino também acolheu o pedido dos municípios para a realização de audiência pública, a qual será uma oportunidade importante para que apresentem as razões que fundamentaram a busca por reparação internacional.

O Pogust Goodhead permanece plenamente comprometido em defender os interesses das vítimas e dos municípios afetados, atuando de forma transparente e em conformidade com a legislação aplicável”.

*Errata: Diferentemente do que a reportagem havia inicialmente afirmado, a decisão é válida somente para novos processos, e não aqueles já iniciados.

Supervisor da Rádio Itatiaia em Brasília, atua na cobertura política dos Três Poderes. Mineiro formado pela PUC Minas, já teve passagens como repórter e apresentador por Rádio BandNews FM, Jornal Metro e O Tempo. Vencedor dos prêmios CDL de Jornalismo em 2021 e Amagis 2022 na categoria rádio