A poucos dias da possível entrada em vigor das tarifas de 50% impostas por Donald Trump sobre produtos brasileiros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirma que o maior obstáculo para um entendimento com os Estados Unidos é a ausência de vontade política do lado norte-americano. “O que está impedindo é que ninguém quer conversar”, disse em entrevista ao jornal norte-americano New York Times, publicada nesta quarta-feira (30).
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Criticado por adversários políticos e até alguns aliados por não estabelecer um diálogo com Trump desde que as tarifas foram anunciadas, Lula se justificou e disse que a Casa Branca tem ignorado as tentativas de diálogo brasileiras desde maio desde ano.
“Designei meu vice-presidente, meu ministro da Agricultura, meu ministro da Economia, para que cada um falasse com seu correspondente”, relatou. Foram dez reuniões com o Departamento de Comércio dos EUA e, no dia 16 daquele mês, o governo brasileiro chegou a enviar uma carta oficial. A resposta? “Veio pelo site do presidente Trump, anunciando as tarifas ao Brasil”, disse Lula, em tom de crítica. “Espero que volte a haver civilidade na relação Brasil-Estados Unidos.”
A imposição das tarifas é vista por Lula como retaliação política pelo processo enfrentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe após a derrota nas eleições de 2022. Trump, aliado de Bolsonaro, já chamou o julgamento de “caça às bruxas” e defende o arquivamento do caso. Para Lula, no entanto, esse ponto é inegociável: “O Brasil tem uma Constituição, e o ex-presidente está sendo julgado com pleno direito à defesa.”
O presidente brasileiro foi além e alertou para os efeitos colaterais da medida de Trump: “O povo brasileiro vai pagar mais caro por alguns produtos, e o povo americano vai pagar mais caro por outros produtos. E eu acho que essa causa não justifica isso.”
“O Brasil vai negociar como um país soberano”
Em tom firme, Lula rejeitou a ideia de se curvar aos EUA na negociação das tarifas. “Em nenhum momento o Brasil vai negociar como se fosse um país pequeno diante de um país grande”, afirmou. “Sempre precisamos encontrar o meio-termo. Isso não se conquista estufando o peito e gritando coisas que você não pode cumprir, nem baixando a cabeça e dizendo ‘amém’ pra tudo o que os Estados Unidos quiserem.”
Ao ser questionado sobre os riscos de um confronto mais direto com Trump, Lula minimizou: “Não há motivo para ter medo. Eu aprendi política negociando. Nem meu pior inimigo pode dizer que o Lula não gosta de negociar.”
Pragmatismo e ironia
Caso as tarifas realmente passem a valer, Lula promete pragmatismo na relação com os EUA, apesar do presidente Trump: “Não vou chorar pelo leite derramado. Se os Estados Unidos não quiserem comprar algo nosso, vamos procurar quem queira.” E lembrou que o Brasil tem uma relação sólida com a China. “Se os Estados Unidos e a China quiserem fazer uma Guerra Fria, nós não vamos aceitar.”
A entrevista também teve espaço para ironia. Ao comentar a mistura entre interesses comerciais e políticos feita por Trump, Lula rebateu com um exemplo: “Eu não posso simplesmente mandar uma carta pro Trump dizendo: ‘Olha, Trump, o Brasil não vai fazer tal coisa se você não fizer tal coisa com Cuba.’ Não posso fazer isso - por respeito aos Estados Unidos, à diplomacia e à soberania de cada nação.”
“Sinceramente, não sei o que Trump ouviu sobre mim. Mas se ele me conhecesse, saberia que sou 20 vezes melhor que Bolsonaro”, finalizou.
Conforme prometido pela Casa Branca, o tarifaço contra o Brasil - e outros países - entra em vigor no dia 1 de agosto - até lá, o Brasil segue tentando negociar com os EUA.