Há 20 anos, três fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em uma emboscada na zona rural de Unaí, região Noroeste de Minas Gerais. O crime chocou o país e ganhou a alcunha de “Chacina de Unaí".
Os servidores, ligados ao Ministério do Trabalho, estavam a serviço em uma operação de rotina na região, quando foram parados em uma estrada vicinal e recebidos a tiros por pistoleiros.
Nelson José da Silva, então com 52 anos, Erastótenes de Almeida Gonçalves, com 42 e João Batista Soares Lages, com 50 anos, morreram na hora. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, que tinha 51 anos, ainda conseguiu dirigir por 8 km e pedir socorro, mesmo após ter sido atingido por dois tiros na cabeça. Ele morreu a caminho de Brasília (DF), onde estava sendo levado para receber atendimento médico.
Nelson era o auditor-fiscal responsável por conduzir uma série de investigações a fazendeiros da região de Unaí, frequentemente denunciados pela prática de trabalho escravo, principalmente nas fazendas produtoras de feijão.
Auditor-fiscal do trabalho, Nelson José da Silva foi um dos assassinados na Chacina de Unaí
“Nelson era um dos poucos — talvez o único — auditor fiscal negro. Fiscalizava fazendeiros brancos. Está aí, também, toda uma carga do racismo estrutural, de ter um negro, fiscal, falando para um grande fazendeiro rico o que tinha de fazer e no que estava errado. No Brasil profundo, os senhores de engenho não aceitam isso. É um desafio”, comenta Carlos Calazans, que era delegado regional do Trabalho em Minas Gerais, à época.
Vinte anos depois, embora nove pessoas, entre autores, mandantes e intermediários da chacina, tenham sido indiciados e condenados pelo Judiciário, três permanecem presos: o fazendeiro Antério Mânica, o pistoleiro Rogério Alan Rocha Rios e o motorista dos pistoleiros, William Gomes de Miranda. Ele se entregou à Polícia Federal (PF) em Brasília (DF), em setembro de 2023 e foi transferido para sua cidade natal dois meses depois.
Registros da Secretaria de Estado de Justiça e da Segurança Pública (Sejusp) mostram que ele deu entrada na Penitenciária Agostinho de Oliveira Junior em 24 de novembro de 2023, onde permanece preso.
O irmão de Antério Mânica, Norberto, também foi condenado pela Justiça e teve a prisão determinada pelo STJ, mas não se entregou.
Penitenciária de Unaí, onde está preso um dos mandantes do crime, Antério Mânica
“A luta pela Justiça é uma das lutas mais difíceis. É uma luta inglória. Várias vezes, dá vontade [de dizer] ‘não adianta’. Neste momento, estou com dois mandantes do crime presos — um, não sei porque, o Antério Mânica, estava em Brasília e passou a cumprir pena em Unaí, cidade em que foi prefeito. O irmão dele, Norberto, está foragido. A Polícia Federal está procurando ele há cinco meses — e não o acha. Passaram-se vinte anos e há dois mandantes ainda soltos”, critica.
O advogado de defesa de Antério Mânica, Marcelo Leonardo, diz que o cliente é inocente.
“O Anterio Manica é inocente, o TRF1 decidiu que a condenação dele é manifestamente contrária a prova dos autos. A prisão é ilegal e injusta. A defesa já recorreu no TRF6 e no STJ”, diz em posicionamento enviado à reportagem.
Mesmo com a repercussão do crime, em janeiro de 2004, Antério Mânica foi eleito prefeito de Unaí, com mais de 70% dos votos, nas eleições municipais que ocorreram em outubro daquele ano.
Antério Mânica é ex-prefeito de Unaí e foi condenado por ser o mandante da chacina que deixou quatro mortos na cidade
Além de Norberto, quem também não se entregou às autoridades policiais é o empresário Hugo Alves Pimenta, condenado a 96 anos de prisão por ter sido intermediador entre os irmãos Mânica (mandantes) e os pistoleiros (executores). Ele confessou ter orquestrado o crime em uma delação premiada e, com isso, teve a pena reduzida pela metade. O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) expediu mandado de prisão contra ele, que ainda não foi cumprido.
A reportagem localizou um ex-advogado dele, Lúcio Adolfo, que diz que Pimenta não pode ser considerado foragido - assim como Norberto Mânica.
“Eu fui o advogado que atuou na defesa dele. Depois tivemos recursos, foram exauridos, até que o STJ determinou a prisão dele em face de um reconhecimento recente de uma alteração da lei de que as pessoas devem ser presas logo após o julgamento do Júri. A lei é recente e os fatos aconteceram 20 anos atrás. Ela não pode regredir para prejudicar alguém”, defende.
Saiba quem foi condenado e a situação de cada um
- Antério Mânica: condenado pela primeira vez a 99 anos de prisão por ser um dos mandantes do crime. Em novo julgamento, a pena definida foi de 64 anos. Se entregou à Polícia Federal em setembro de 2023 e, desde novembro de 2023 está preso na Penitenciária Agostinho de Oliveira Junior, em Unaí.
- Norberto Mânica: condenado pela primeira vez a 100 anos de prisão por ser um dos mandantes do crime. Em novo julgamento, a pena definida foi de 65 anos. Chegou a ser preso entre agosto de 2004 e agosto de 2005. É procurado pela polícia.
- Hugo Alves Pimenta: réu confesso, foi condenado a 96 anos de prisão por ter orquestrado o crime e foi beneficiado com redução de metade da pena após ter feito delação premiada. Esteve preso entre agosto e dezembro de 2004 e, depois, entre novembro de 2006 e agosto de 2007. É procurado pela polícia.
- José Alberto de Castro: também foi condenado por orquestrar a chacina. Está preso na Penitenciária Agostinho de Oliveira Junior, em Unaí, desde 12 de dezembro de 2023. Anteriormente também esteve detido, na Penitenciária Nelson Hungria, entre agosto e dezembro de 2004.
- Francisco Elder Pinheiro: acusado de contratar os pistoleiros, esteve preso entre 2004 e 2012, quando passou para regime de prisão domiciliar. Morreu em janeiro de 2013, vítima de um AVC.
- Erinaldo de Vasconcelos Silva: condenado a 76 anos de prisão por ter matado três das quatro vítimas e disse que recebeu R$ 23 mil pelos assassinatos. Esteve sob monitoramento eletrônico entre maio de 2021 e fevereiro de 2023.
- Humberto Ribeiro dos Santos: ficou preso entre 2004 e 2010 por outro crime, cometido em Goiás. Foi contratado para apagar registros de hospedagem dos pistoleiros em Unaí, mas o crime já prescreveu.
- Rogério Alan Rocha Rios: condenado a 94 anos de prisão por formação de quadrilha e quatro homicídios triplamente qualificados. Está detido na Penitenciária Nelson Hungria desde agosto de 2004.
- William Gomes de Miranda: foi condenado a 56 anos de prisão e está preso desde 2013. Foi contratado por R$ 11 mil para monitorar os passos das vítimas e transportar os pistoleiros, mas o carro onde estava furou o pneu no dia do crime e ele não teve participação direta na chacina.
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