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Chacina de Unaí completa 20 anos com três presos e dois procurados pela polícia

Três auditores-fiscais do trabalho e um motorista do Ministério do Trabalho foram assassinados durante serviço, em janeiro de 2004

Todos os anos, fiscais do trabalho relembram trabalhadores mortos na zona rural de Unaí

Há 20 anos, três fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em uma emboscada na zona rural de Unaí, região Noroeste de Minas Gerais. O crime chocou o país e ganhou a alcunha de “Chacina de Unaí".

Os servidores, ligados ao Ministério do Trabalho, estavam a serviço em uma operação de rotina na região, quando foram parados em uma estrada vicinal e recebidos a tiros por pistoleiros.

Nelson José da Silva, então com 52 anos, Erastótenes de Almeida Gonçalves, com 42 e João Batista Soares Lages, com 50 anos, morreram na hora. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, que tinha 51 anos, ainda conseguiu dirigir por 8 km e pedir socorro, mesmo após ter sido atingido por dois tiros na cabeça. Ele morreu a caminho de Brasília (DF), onde estava sendo levado para receber atendimento médico.

Nelson era o auditor-fiscal responsável por conduzir uma série de investigações a fazendeiros da região de Unaí, frequentemente denunciados pela prática de trabalho escravo, principalmente nas fazendas produtoras de feijão.

Auditor-fiscal do trabalho, Nelson José da Silva foi um dos assassinados na Chacina de Unaí

“Nelson era um dos poucos — talvez o único — auditor fiscal negro. Fiscalizava fazendeiros brancos. Está aí, também, toda uma carga do racismo estrutural, de ter um negro, fiscal, falando para um grande fazendeiro rico o que tinha de fazer e no que estava errado. No Brasil profundo, os senhores de engenho não aceitam isso. É um desafio”, comenta Carlos Calazans, que era delegado regional do Trabalho em Minas Gerais, à época.

Vinte anos depois, embora nove pessoas, entre autores, mandantes e intermediários da chacina, tenham sido indiciados e condenados pelo Judiciário, três permanecem presos: o fazendeiro Antério Mânica, o pistoleiro Rogério Alan Rocha Rios e o motorista dos pistoleiros, William Gomes de Miranda. Ele se entregou à Polícia Federal (PF) em Brasília (DF), em setembro de 2023 e foi transferido para sua cidade natal dois meses depois.

Registros da Secretaria de Estado de Justiça e da Segurança Pública (Sejusp) mostram que ele deu entrada na Penitenciária Agostinho de Oliveira Junior em 24 de novembro de 2023, onde permanece preso.

O irmão de Antério Mânica, Norberto, também foi condenado pela Justiça e teve a prisão determinada pelo STJ, mas não se entregou.

Penitenciária de Unaí, onde está preso um dos mandantes do crime, Antério Mânica

“A luta pela Justiça é uma das lutas mais difíceis. É uma luta inglória. Várias vezes, dá vontade [de dizer] ‘não adianta’. Neste momento, estou com dois mandantes do crime presos — um, não sei porque, o Antério Mânica, estava em Brasília e passou a cumprir pena em Unaí, cidade em que foi prefeito. O irmão dele, Norberto, está foragido. A Polícia Federal está procurando ele há cinco meses — e não o acha. Passaram-se vinte anos e há dois mandantes ainda soltos”, critica.

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O advogado de defesa de Antério Mânica, Marcelo Leonardo, diz que o cliente é inocente.

“O Anterio Manica é inocente, o TRF1 decidiu que a condenação dele é manifestamente contrária a prova dos autos. A prisão é ilegal e injusta. A defesa já recorreu no TRF6 e no STJ”, diz em posicionamento enviado à reportagem.

Mesmo com a repercussão do crime, em janeiro de 2004, Antério Mânica foi eleito prefeito de Unaí, com mais de 70% dos votos, nas eleições municipais que ocorreram em outubro daquele ano.

Antério Mânica é ex-prefeito de Unaí e foi condenado por ser o mandante da chacina que deixou quatro mortos na cidade

Além de Norberto, quem também não se entregou às autoridades policiais é o empresário Hugo Alves Pimenta, condenado a 96 anos de prisão por ter sido intermediador entre os irmãos Mânica (mandantes) e os pistoleiros (executores). Ele confessou ter orquestrado o crime em uma delação premiada e, com isso, teve a pena reduzida pela metade. O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) expediu mandado de prisão contra ele, que ainda não foi cumprido.

A reportagem localizou um ex-advogado dele, Lúcio Adolfo, que diz que Pimenta não pode ser considerado foragido - assim como Norberto Mânica.

“Eu fui o advogado que atuou na defesa dele. Depois tivemos recursos, foram exauridos, até que o STJ determinou a prisão dele em face de um reconhecimento recente de uma alteração da lei de que as pessoas devem ser presas logo após o julgamento do Júri. A lei é recente e os fatos aconteceram 20 anos atrás. Ela não pode regredir para prejudicar alguém”, defende.

Saiba quem foi condenado e a situação de cada um

  • Antério Mânica: condenado pela primeira vez a 99 anos de prisão por ser um dos mandantes do crime. Em novo julgamento, a pena definida foi de 64 anos. Se entregou à Polícia Federal em setembro de 2023 e, desde novembro de 2023 está preso na Penitenciária Agostinho de Oliveira Junior, em Unaí.
  • Norberto Mânica: condenado pela primeira vez a 100 anos de prisão por ser um dos mandantes do crime. Em novo julgamento, a pena definida foi de 65 anos. Chegou a ser preso entre agosto de 2004 e agosto de 2005. É procurado pela polícia.
  • Hugo Alves Pimenta: réu confesso, foi condenado a 96 anos de prisão por ter orquestrado o crime e foi beneficiado com redução de metade da pena após ter feito delação premiada. Esteve preso entre agosto e dezembro de 2004 e, depois, entre novembro de 2006 e agosto de 2007. É procurado pela polícia.
  • José Alberto de Castro: também foi condenado por orquestrar a chacina. Está preso na Penitenciária Agostinho de Oliveira Junior, em Unaí, desde 12 de dezembro de 2023. Anteriormente também esteve detido, na Penitenciária Nelson Hungria, entre agosto e dezembro de 2004.
  • Francisco Elder Pinheiro: acusado de contratar os pistoleiros, esteve preso entre 2004 e 2012, quando passou para regime de prisão domiciliar. Morreu em janeiro de 2013, vítima de um AVC.
  • Erinaldo de Vasconcelos Silva: condenado a 76 anos de prisão por ter matado três das quatro vítimas e disse que recebeu R$ 23 mil pelos assassinatos. Esteve sob monitoramento eletrônico entre maio de 2021 e fevereiro de 2023.
  • Humberto Ribeiro dos Santos: ficou preso entre 2004 e 2010 por outro crime, cometido em Goiás. Foi contratado para apagar registros de hospedagem dos pistoleiros em Unaí, mas o crime já prescreveu.
  • Rogério Alan Rocha Rios: condenado a 94 anos de prisão por formação de quadrilha e quatro homicídios triplamente qualificados. Está detido na Penitenciária Nelson Hungria desde agosto de 2004.
  • William Gomes de Miranda: foi condenado a 56 anos de prisão e está preso desde 2013. Foi contratado por R$ 11 mil para monitorar os passos das vítimas e transportar os pistoleiros, mas o carro onde estava furou o pneu no dia do crime e ele não teve participação direta na chacina.

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Editor de política. Foi repórter no jornal O Tempo e no Portal R7 e atuou no Governo de Minas. Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem MBA em Jornalismo de Dados pelo IDP.
Graduado em Jornalismo, é repórter de Política na Itatiaia. Antes, foi repórter especial do Estado de Minas e participante do podcast de Política do Portal Uai. Tem passagem, também, pelo Superesportes.