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Crise no Rio acentua tensões entre base e oposição, e Lula avalia divisão de ministério

Presidente Lula (PT) afirmou nesta terça-feira (24) que pode retirar a segurança pública do guarda-chuva do Ministério da Justiça

A longeva crise da segurança pública no Rio de Janeiro registrou um de seus piores dias nessa segunda-feira (23) com o maior ataque ao transporte público da história da cidade, que decorreu da destruição de 35 ônibus, incendiados em uma rebelião de milicianos. A onda de violência acirrou as tensões entre a base do governo Lula (PT) e a oposição, majoritariamente composta por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que trocam acusações nas redes sociais nesta terça-feira (24). O conflito também suscitou uma declaração enérgica do chefe do Palácio do Planalto, que avalia retirar a Segurança Pública do guarda-chuva do Ministério da Justiça e recriar um ministério próprio — medida que só aconteceu, antes, no governo de Michel Temer (MDB).

Protagonista da oposição, Jair Bolsonaro não poupou adjetivos ao atacar o governo Lula e criticá-lo por falhas na segurança pública. “Passamos quatro anos sem MST, greves e atos de terrorismo como os de ontem no Rio de Janeiro. Apenas nos presídios o resultado das eleições foi comemorado”, escreveu o ex-presidente em publicação com vídeo que mostra ônibus incinerados. Antes da declaração dele, o antigo vice-presidente, e atual senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), equivaleu as milícias cariocas ao grupo extremista Hamas, que recém-atacou Israel, disparou foguetes, bombardeou, sequestrou e matou. “O Hamas brasileiro em ação no RJ aterrorizando a população de bem. Será que o governo do PT também vai passar pano?”, perguntou.

As alegações suscitaram respostas da base de Lula, principalmente da presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann. Ela relembrou a ligação entre a família Bolsonaro e o miliciano Adriano da Nóbrega, morto em uma operação policial na Bahia, em 2020, e acusou o governo anterior de não ter atuado no combate à violência no Rio de Janeiro. “O responsável é ele e sua horda de milicianos que pioraram a situação no Rio”, escreveu. “O que Bolsonaro fez pela segurança do povo fluminense? E o bolsonarista Cláudio Castro, do PL, [governador do Rio de Janeiro] que só faz operação chacina nas favelas?”, prosseguiu. “Agora Bolsonaro vem falar de MST, de comemoração em presídio e culpar o Lula? Não foi o PT que homenageou, é amigo e ganhou voto de miliciano”, publicou.

Ainda que citado na crítica de Gleisi Hoffmann a Jair Bolsonaro, o governador Cláudio Castro não tem adotado postura hostil em relação ao presidente Lula, ao ministro da Justiça Flávio Dino e ao secretário-executivo Ricardo Cappelli. Na semana passada, ele solicitou ao petista o apoio das Forças Armadas na repressão ao tráfico de drogas. Diante do episódio dessa segunda-feira, o pedido ganhou força e, nesta terça, Lula esteve reunido com o ministro da Defesa, José Múcio. Já em um evento do governo, em Brasília, o ministro Dino reforçou que há um diálogo para, se necessário, enviar as Forças Armadas ao Rio de Janeiro — fortalecendo, aliás, o contigente da Força Nacional que já atua na região. “Apresentei essa ideia ao presidente e que autoriza o emprego pontual das Forças Armadas. Ele concordou com a possibilidade. Tanto é que se reuniu hoje com o ministro Múcio. É um caminho que pode ter desdobramentos nos próximos dias”, disse Dino.

Alvo da oposição, que questiona sua inação em relação à segurança pública, Flávio Dino pode acabar enfraquecido no governo. Isto porque, nesta manhã de terça-feira, o presidente Lula afirmou que pode criar um ministério para a Segurança Pública, retirando essa competência do Ministério da Justiça comandado pelo senador e ex-governador do Maranhão. “Quando eu fiz campanha, eu ia criar o Ministério da Segurança Pública. Ainda estou pensando em criar. Estou pensando quais são as condições para criar e como ele vai interagir com a segurança dos estados”, avaliou Lula. “O que nós queremos é compartilhar com os estados as soluções para os problemas”, concluiu.

Membro da equipe que cuidou da transição do governo Bolsonaro para a gestão de Lula à frente da presidência da República, o ministro Flávio Dino foi um dos grandes defensores de uma pasta única para cuidar da Justiça e da Segurança Pública. Contrariando aliados, especialmente da base do PT, Lula sustentou o desejo de Dino. Entretanto, dez meses depois, ele reavalia a posição e, nesta quarta-feira (25), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, se reunirá com Dino e Múcio para analisar a possibilidade de dividir o ministério da Justiça.

Repórter de política em Brasília. Na Itatiaia desde 2021, foi chefe de reportagem do portal e produziu série especial sobre alimentação escolar financiada pela Jeduca. Antes, repórter de Cidades em O Tempo. Formada em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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