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Polêmicas marcam primeiro mês de Cristiano Zanin no STF e aumentam pressão sobre Lula por ministra negra

Início do mandato vitalício de Cristiano Zanin no STF é atravessado por polêmicas, e mal-estar provocado aumenta pressão sobre Lula para indicação de ministra negra

Cristiano Zanin completa nesta segunda-feira (4) um mês como ministro do Supremo Tribunal Federal

A lotação máxima do Salão Branco do Supremo Tribunal Federal (STF) indicava o grau de importância da cerimônia de posse do primeiro ministro indicado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Corte em seu terceiro mandato na presidência da República. Naquele 3 de agosto, lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT), personalidades políticas e jurídicas e o alto escalão do Governo Federal e do Congresso Nacional disputavam espaço na fila que levava do plenário ao espaço nobre onde o recém-empossado Cristiano Zanin e a mulher Valeska Martins recebiam os cumprimentos e posavam para as fotografias.

O clima cortês acabaria sepultado um mês depois, e as críticas às decisões de Zanin substituiriam as opiniões elogiosas de aliados de Lula. À contramão do perfil progressista sustentado por parcela da cúpula instalada na Esplanada dos Ministérios, o advogado segue antigas tendências conservadoras que espelham os votos proferidos no Tribunal. Seis de suas decisões se desenrolaram em polêmicas ou sofreram arremates controversos e acarretaram forte pressão pela indicação de uma ministra negra para a vaga que será aberta com a aposentadoria da presidente Rosa Weber em outubro.

O marco do início da indisposição aconteceu no último 18 de agosto com o parecer favorável do advogado de Lula à manutenção da condenação de dois homens que furtaram um macaco hidráulico para carro, dois galões para combustível e uma garrafa com óleo diesel até a metade. Os itens estavam avaliados em R$ 100, e o ministro sustentou que não haveria como aplicar o princípio da insignificância dada a reincidência de um dos autores.

O mal-estar se acentuou em 21 de agosto com a negativa de Cristiano Zanin em equiparar xingamentos contra pessoas LGBTQIA+ ao crime de injúria racial para proibir que culpados por homofobia e transfobia consigam direito à fiança. O Supremo Tribunal Federal, contudo, compôs maioria pela equiparação de um crime ao outro; à ocasião, os assessores do ministro indicaram que o advogado não era contrário ao mérito, mas questões processuais técnicas pautaram o voto proferido.

A insatisfação se ampliou e angariou opiniões assertivas contra o ministro nas redes sociais com o voto contrário à liberação do porte de drogas. O criminalista se tornou o primeiro a divergir sobre o mérito no julgamento que se arrasta há oito anos na Corte e sustentou que a descriminalização do porte para usuários poderia agravar o problema de saúde pública. O placar está em 5 a 1 pela liberação, e a discussão está suspensa após um pedido de vista do ministro André Mendonça. Fato é que o parecer de Zanin irritou a ala governista, mas propiciou elogios da oposição.

A deliberação sobre a instalação do marco temporal para territórios indígenas assinalou a última grande polêmica ao redor do indicado por Lula. Cinco dias antes da matéria ser levada à pauta, o ministro deu parecer contrário à ação protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciando a violência policial contra populações originárias no Mato Grosso do Sul e pedindo à União a adoção de medidas de segurança. Zanin acabou derrotado pelos colegas, mas a posição sobre a questão indígena suscitou temor e incertezas e um voto favorável ao marco temporal poderia acelerar o desgaste da escolha feita pelo petista.

Às vésperas do julgamento, a ministrados Povos Indígena, Sonia Guajajara, visitou o ministro em seu gabinete no STF. O arremate com o voto de Zanin contrário ao marco para demarcação de terras indígenas pode acalmar os ânimos. Entretanto, a pressão de aliados, inclusive da ministra Anielle Franco, pela indicação de uma mulher negra para a próxima cadeira da Corte. O presidente Lula, segundo corre nos bastidores, não estaria disposto a ceder e dois nomes despontam como os principais para o lugar de Rosa Weber: o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e o advogado-geral da União, Jorge Messias. Outros três ainda são cotados: o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas e o presidente do Congresso Rodrigo Pacheco.

Ministros e indicações: qual é a atual formação do STF?

  • Ministra Rosa Weber: presidente do STF, indicada formalmente pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) assumiu o cargo em 19 de dezembro de 2011; se aposenta em outubro ao atingir a idade-limite de 75 anos;

  • Ministro Gilmar Mendes: ex-advogado-geral da União indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assumiu o cargo em 20 de junho de 2002; é o mais antigo da Corte;

  • Ministra Cármen Lúcia: segunda mulher a integrar o STF, indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu primeiro mandato, assumiu em 21 de junho de 2006;

  • Ministro Dias Toffoli: indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seu segundo mandato, assumiu o cargo em outubro de 2009;

  • Ministro Luiz Fux: ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) assumiu em março de 2011;

  • Ministro Roberto Barroso: advogado constitucionalista indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), assumiu em junho de 2013;

  • Ministro Edson Fachin: advogado também indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), assumiu em junho de 2015 na vaga aberta com a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa;

  • Ministro Alexandre de Moraes: ex-ministro da Justiça indicado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), assumiu em março de 2017, ocupando a cadeira vaga após a morte do ministro Teori Zavascki;

  • Ministro Nunes Marques: desembargador indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), assumiu em novembro de 2020 para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria de Celso de Mello;

  • Ministro André Mendonça: advogado, pastor e ex-ministro da Justiça, é o “terrivelmente evangélico” do ex-presidente Jair Bolsonaro — e por ele indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF); assumiu o cargo em dezembro de 2021;

  • Ministro Cristiano Zanin: ex-advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no processo da Lava-Jato, indicado pelo petista, assumiu o cargo em agosto de 2023 para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria compulsória de Ricardo Lewandowski.

Repórter de política em Brasília. Na Itatiaia desde 2021, foi chefe de reportagem do portal e produziu série especial sobre alimentação escolar financiada pela Jeduca. Antes, repórter de Cidades em O Tempo. Formada em jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais.