Ciro Dias Reis | Finlândia tem um estilo de vida único que pode ajudar a Europa

No critério Produto Interno Bruto (PIB) per capita o Fundo Monetário Internacional (FMI) coloca a Finlândia como o 18º. mais rico do mundo. O Brasil ocupa a 80ª. posição nessa mesma lista

Aurora boreal na Finlândia, país que pode ser exemplo para a Europa

Discretos e geograficamente afastados do coração de uma Europa cada vez mais preocupada com possíveis avanços russos sobre o continente, com o esvaziamento de uma parceria de longa data com os Estados Unidos e sob pressão para retomar a competitividade de sua economia e enfrentar o rolo compressor comercial da China, os países nórdicos são sempre lembrados por determinadas peculiaridades.

Elas podem ser a mundialmente reconhecida culinária e a moderna indústria farmacêutica da Dinamarca; talvez o maior e mais rico fundo soberano do mundo (mais de US$ 2 trilhões em ativos) pertencente a Noruega, garantia de um futuro promissor para várias gerações à frente; ou ainda o Prêmio Nobel e nomes corporativos icônicos como Volvo, Ikea e Spotify, marcas registradas de uma Suécia sempre pujante.

Mas a revista britânica The Economist pergunta agora se não é chegada a hora de “uma nova tendência nórdica”: a Finlândia e sua “filosofia que combina força interior, perseverança e uma atitude positiva em relação à adversidade”, condição essa resumida numa palavra de quatro letras do vocabulário local: “sisu”.

A fria Finlândia (no inverno a temperatura pode chegar a 30 graus negativos) possui 5,6 milhões de habitantes, número inferior a população da cidade do Rio de Janeiro. Eles estão espalhados por uma área comparável à do estado de Goiás. O país já conviveu com diversos cenários: seu território pertenceu à Suécia e depois à Rússia; a independência foi alcançada apenas em 1917 e os finlandeses tiveram que “lutar contra a União Soviética duas vezes para mantê-la”, lembra The Economist.

O texto ainda destaca que a fronteira de 1.350 km com a Rússia torna essa nação nórdica “vulnerável ao revanchismo delirante de Vladimir Putin”, mas ressalva que “os finlandeses não entraram em pânico”.

Na verdade, eles são os cidadãos mais felizes do mundo segundo estudo anual World Happiness Report, que avalia várias dimensões, entre as quais renda per capita; suporte social; expectativa de vida saudável (são seguidos pelos dinamarqueses e islandeses nesse ranking).

No critério Produto Interno Bruto (PIB) per capita o Fundo Monetário Internacional (FMI) coloca a Finlândia como o 18º. mais rico do mundo. O Brasil ocupa a 80ª. posição nessa mesma lista.

Se os acontecimentos estão levando os europeus a uma sensação de desamparo e depressão, os finlandeses podem dizer que é necessário mais sisu.

The Economist ouviu Annukka Ylivaara, vice-chefe do comitê de segurança nacional da Finlândia, que destaca “a importância da resiliência psicológica”. Esse comitê reúne todos os ministérios e agências relevantes para planejar possíveis ameaças à segurança do país. Garantir resiliência psicológica, explica ela, significa permitir que os cidadãos mantenham atividades do dia a dia mesmo em meio a uma crise, sem deixar de lado seu compromisso com a defesa nacional.

O condicionamento para uma vida sem sobressaltos mas sempre conectada aos cenários do dia a dia começa cedo. Crianças vão para a escola sozinhas, a pé ou de bicicleta. Elas são ensinadas que vivem em uma “sociedade segura”. As crianças mais velhas são informadas sobre como identificar campanhas de desinformação online, as conhecidas fake news, o que criou uma situação interessante: os finlandeses são considerados os europeus que menos acreditam em notícias falsas e os que menos repassam tais tipos de mensagens, além de serem os que mais confiam no jornalismo do seu país.

Após a formatura, os jovens estão sujeitos ao recrutamento militar e um número crescente de moças se alista voluntariamente. Uma pesquisa mostrou, segundo a Economist, que quase 80% dos finlandeses pegariam em armas para defender seu país “mesmo que o resultado parecesse incerto”. Esse percentual é significativamente menor na maioria dos países europeus e encolhe especialmente na Itália, onde apenas 14% dos entrevistados se ofereceriam para o combate.

Enquanto isso, muitos adultos participam de cursos de segurança de vários dias e também se dizem prontos para servir o país em caso de necessidade. Antes mesmo de a Finlândia aderir (em 2024) a Organização do Tratado para o Atlântico Norte (OTAN), criada há décadas para defender a Europa ocidental de possíveis ameaças diante da então União Soviética, o governo de Helsinque já tinha uma força militar pronta para encarar eventuais crises com Moscou.

O país tem apenas 31 mil militares no serviço ativo, mas graças a uma política de segurança interna a capacidade de mobilização de reservistas é enorme. Ela permite organizar rapidamente um contingente de 250 mil combatentes em casos extremos. Além disso, a Finlândia conta com equipamentos militares modernos, inclusive caças de última geração.

Quando se está assim tão bem-preparado, é fácil aceitar a ameaça da Rússia como um fato da vida que, embora preocupante, pode ser enfrentado e superado, relata The Economist em sua reportagem.

Diante de incidentes ocorridos nos últimos dois meses em aeroportos da Dinamarca e da Alemanha, sobrevoados perigosamente por drones supostamente russos, o presidente Alexander Stubb discorda de outros líderes regionais que defenderam abater os aparelhos sempre que eles aparecerem. “Acho que a avaliação finlandesa é nunca entrar em pânico”, disse. “Reaja e aja quando necessário.”

Elisabet Lahti, autora de um livro sobre o conceito “sisu”, diz que não se pode simplesmente buscar e “encontrar” essa condição. E explica: é preciso, isso sim, “lembrar momentos de sisu em sua vida e aquilo que lhe permitiu superar as dificuldades” de eventos específicos.

The Economist traça um paralelo das palavras de Elisabet Lahti com os desafios de um continente na encruzilhada: “A União Europeia pode se lembrar de como se recompôs em emergências passadas, como a crise do euro, o Brexit e a pandemia de covid, e as medidas que tomou (ajuda à Ucrânia, sanções à Rússia) para lutar para sair da situação atual”.

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Ciro é atualmente board member da International Communications Consultancy Organization (ICCO) sediada em Londres; membro do Copenhaguen Institute for Futures Studies, na Dinamarca; membro do Crisis Communications Think Tank da Universidade da Georgia (EUA). Atua ainda como coordenador do PROI Latam Squad, grupo de agências de comunicação presente em sete países da América Latina.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.

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