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Google deve sinalizar material contra PL das fake news como ‘publicidade’

Empresa terá de veicular ‘contrapropaganda’, com o mesmo espaço, para esclarecer que tem interesse comercial no tema

Após ataques a proposta contra fake news, Google tem de sinalizar material como ‘publicitário’

Depois de exibir, por alguns dias, uma mensagem contra o projeto de lei das fake news (PL 2.630/2020) na página inicial de seu buscador, o Google foi notificado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), nesta terça-feira (2), para sinalizar conteúdos com críticas à proposta como “publicidade”. O link oferecido no buscador levava a um artigo de 27 de abril contra o PL.

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O conteúdo não informa, entretanto, o interesse do Google no tema, mas um link leva ao artigo “Como o PL 2.630 pode piorar a sua internet”. A empresa tem, ainda, de veicular, em até duas horas após receber a notificação, “contrapropaganda [...] voltada a informar devidamente os consumidores o interesse comercial da empresa no que concerne à referida proposição legislativa”. O link só foi retirado do ar após o anúncio da decisão da Senacon.

O projeto pode ser votado ainda nesta terça-feira na Câmara dos Deputados. Seu objetivo é estabelecer regras para criminalizar a divulgação de conteúdo falso online e responsabilizar as plataformas digitais por irregularidades não combatidas em seus espaços. A ação do Google demonstra, claramente, por que a regulamentação é necessária: a empresa usou sua própria plataforma para desinformar a partir de defesa de interesses próprios e sem deixar isso claro.

Um levantamento da SEMRush, publicado em outubro de 2022, aponta que o Google foi o segundo site mais visitado do Brasil à época — só ficou atrás do YouTube. O buscador recebia, então, 3,2 bilhões de visitas mensais no país e os visitantes passavam 19 minutos e 59 segundos em média no domínio da companhia. Isso dá uma ideia do alcance potencial do link publicado pela empresa diretamente na página do buscador.

Detalhes da decisão

A decisão foi anunciada por Flávio Dino, ministro da Justiça, e Wadih Damous, secretário Nacional do Consumidor. O documento estabelece multa de R$ 1 milhão por hora em caso de descumprimento. “No caso de anúncio publicitário contra o PL 2.630, veiculado na página de abertura do buscador Google, não há transparência, trata-se de informe publicitário do próprio Google manifestando sua posição quanto ao PL, sem sinalização”, diz a Senacon.

Dino havia anunciado na segunda-feira (1º) que pediria apuração do caso. A secretaria aponta, ainda, que resultados do Google com publicidade paga informam sobre o patrocínio. “Nesse caso, não há informação nenhuma sobre o caráter publicitário do material.” A Senacon também iniciou processo administrativo contra a empresa, que pode apresentar defesa em até 20 dias. A decisão da Senacon determina que a companhia:

  • sinalize conteúdos publicitários próprios e informar o consumidor sobre “eventual conflito de interesses que afetem a prestação de seus serviços";

  • informe “qualquer interferência no sistema de indexação de buscas relativas ao PL 2.630";

  • está proibida de censurar “posições divergentes da posição editorial da empresa” em comunidades e apps mantidos pela plataforma digital sem informar devidamente o consumidor;

  • está proibida, da mesma forma, de privilegiar posições convergentes nas mesmas comunidades e nos apps sem informar o consumidor;

  • veicule a “contrapropaganda” no caso já identificado de publicidade não sinalizada [do PL das fake news].

Censura

Dino conta que o governo se deparou com “dezenas, quiçá centenas, de indícios de que algumas empresas estariam privilegiando sua própria decisão e manipulando seus próprios termos de uso para privilegiar aquilo que lhes convém, em detrimento de outras vozes”. “Isso é censura. É dever da Senacon garantir que ninguém manipule a liberdade de expressão no Brasil. Há uma tentativa de inverter os termos do debate, como se nós quiséssemos censura. Ao contrário: o que estamos evitando é uma censura privada e clandestina, não assumida.”

Ele afirma que não se trata de o PL 2.630 ser bom ou ruim. “Essa é uma decisão que cabe à Câmara”, reforça. “O que estamos tratando é se as empresas podem manipular, ou tentar manipular, os consumidores para fortalecer suas posições, e impedir o livre debate na Câmara”, conclui.

Na semana passada, associações que representam empresas de jornalismo divulgaram um manifesto em defesa do PL 2.630. Segundo elas, a proposta responde aos “efeitos dramáticos da desinformação e do discurso de ódio” e a valorização do jornalismo profissional serve como “antídoto a essa epidemia social”.

O documento destaca que a remuneração da atividade jornalística por plataformas de tecnologia — como já ocorre em outros países — pode ser decisiva para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável que se oponha à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. “Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia.”

O que diz o Google

Em contato com a reportagem da Itatiaia, o Google confirma que recebeu a notificação da Senacon, mas não a medida cautelar associada. A empresa afirma que não é contra o PL das fake news, mas avalia que é necessário discutir mais profundamente os termos da proposta. “Apoiamos discussões sobre medidas para combater o fenômeno da desinformação. (...) Acreditamos que o projeto de lei e seus impactos devem ser debatidos de forma mais ampla com toda sociedade.”, diz nota oficial da empresa.

Acusada de alterar as listas de resultados para favorecer posição contrária à proposta, a organização informa que não faz essa mudança em páginas específicas. “Não ampliamos o alcance de páginas com conteúdos contrários ao PL 2.630 na Busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis. Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas, incluindo aquelas administradas pelo Google.”

Além disso, a companhia diz que está à disposição de parlamentares e autoridades para esclarecer dúvidas sobre como seus produtos funcionam. “Assim como diversos grupos e associações que se manifestaram a favor do adiamento da votação, entendemos que é preciso mais tempo para que o texto seja aprimorado.”