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Entre o Discurso e a Prática: O Assédio Invisível Contra Mulheres no Mercado de Trabalho

Dificuldades das mães no ambiente de trabalho não se limitam apenas à discriminação explícita. Elas enfrentam desde a exclusão informal de projetos importantes até barreiras invisíveis

Caso evidencia cruel mentalidade segundo a qual quando nasce uma mãe, morre uma profissional

Nos últimos dias, a executiva Carolina Ragazzi, de 37 anos, expôs no LinkedIn a dura realidade que enfrentou no Goldman Sachs — instituição onde construiu uma carreira sólida, de estagiária a vice-presidente. Após retornar da licença-maternidade, Carolina foi desligada da empresa e trouxe à tona a distância entre o discurso de diversidade e inclusão promovido pelas organizações e a sua efetiva aplicação no cotidiano corporativo.

Em seu relato, ela apontou uma verdade desconcertante: a inconsistência das políticas pró-equidade, muitas vezes celebradas publicamente, e as práticas internas, que frequentemente esbarram na resistência de gestores e na perpetuação de uma cultura machista e retrógrada — uma cultura que normaliza a discriminação e fecha os olhos para o assédio enfrentado por mulheres após a maternidade. Carolina ainda relatou ter sido penalizada por ter feito uma denúncia, demonstrando como um ambiente corporativo moldado pela cultura machista, muitas vezes, pune a coragem feminina em vez de promover a proteção de direitos.

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Infelizmente, sua história é apenas mais um retrato da realidade que atravessa a vida de muitas mulheres: mesmo com qualificação técnica superior e resultados acima do esperado, mães seguem sendo subjugadas a um modelo de sucesso masculino, antiquado e excludente. O caso evidencia a cruel mentalidade segundo a qual, quando nasce uma mãe, morre uma profissional. Pior ainda: impõe às mulheres uma escolha forçada entre carreira e maternidade — uma escolha que, em um cenário de verdadeira equidade, jamais deveria existir. Afinal, todos, homens e mulheres, em algum momento da vida, dependem do ato de coragem de alguém que escolheu equilibrar sonhos, prazos, expectativas e ainda assim, ser mãe.

As dificuldades das mães no ambiente de trabalho não se limitam apenas à discriminação explícita. Elas enfrentam desde a exclusão informal de projetos importantes até barreiras invisíveis que retardam ou impedem sua ascensão profissional. Muitas vezes, são questionadas sobre sua dedicação, sofrem com a falta de flexibilidade e com a ausência de estruturas adequadas para acolher a maternidade, como políticas efetivas de home office, licenças estendidas e apoio psicológico. O resultado é um ciclo perverso: empresas perdem talentos valiosos enquanto perpetuam um ambiente hostil à diversidade — uma contradição direta aos discursos de inovação e responsabilidade social que tanto alardeiam.

É preciso romper, de uma vez por todas, com a ideia ultrapassada de que a maternidade diminui o valor de uma mulher no mercado de trabalho. Ser mãe não anula talentos, não apaga conquistas, tampouco reduz a capacidade de entrega e liderança. Ao contrário: mães carregam em si a força de quem sabe equilibrar múltiplos desafios com coragem, resiliência e inteligência emocional — competências que deveriam ser celebradas e aproveitadas pelas organizações, e não punidas.

Enquanto o mercado continuar tratando a maternidade como um empecilho e não como uma potência, perderá não apenas profissionais brilhantes, mas também a oportunidade de construir ambientes de trabalho verdadeiramente inovadores, humanos e justos. Valorizar a mulher em todas as suas fases é valorizar o futuro. Que possamos, como sociedade e como empresas, derrubar as paredes invisíveis que ainda cercam as mães e reconhecer que o protagonismo feminino é, também, o motor da transformação que queremos ver no mundo.

E que não nos esqueçamos da nossa força, por mais que ser mulher no ambiente no trabalho seja, muitas vezes, sinônimo de carregar nas costas a expectativa de não desagradar e nunca errar. Mesmo que tenhamos que fazer mais para ser notada e provar que merecemos estar ali. Que ser uma profissional competente não significa ser uma pessoa amargurada e sem amor pelos seus próximos.

É saber lidar, muitas vezes, é sinônimo de carregar nas costas o peso de expectativas injustas: a pressão para não desagradar, para nunca errar, para fazer mais — e ainda assim ter que provar, dia após dia, que merece estar ali. É viver a necessidade constante de demonstrar competência sem que isso seja confundido com amargura ou com ausência de amor e empatia pelos outros.

Por isso, se posso deixar um conselho, é este: diante de situações como essas, não abaixe a cabeça. Levante as mãos. Peça ajuda. Dê sua opinião. Devolva o desconforto — ainda que venha acompanhado de um frio na barriga. E, se a situação não te atingir diretamente, lembre-se: apoiar outra mulher é também um ato de resistência. Porque quando as forças são somadas, podemos transformar o ambiente de trabalho em um espaço onde todas possam existir plenamente — sem precisarem pedir permissão para serem quem são.

Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.