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Contratações femininas e o “Teto de Vidro”

Termo ‘teto de vidro’ refere-se a obstáculos sutis que limitam a ascensão profissional das mulheres

Quando se trata de mulheres e mercado de trabalho, um levantamento da plataforma de recursos humanos Gupy, realizado entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025, mostra que, embora haja avanços nas contratações femininas, a maioria das vagas ocupadas por mulheres ainda se concentra em funções operacionais. Esse cenário evidencia um dos principais desafios para a igualdade de gênero em âmbito profissional: a baixa presença feminina em cargos de liderança e em áreas especializadas — justamente aquelas associadas à tomada de decisão, à geração de valor estratégico e à influência nas organizações.

Tais dados nos mostram que, além das questões relacionadas a entrada no mercado de trabalho e a dupla jornada, referente aos trabalhos domésticos — com o acúmulo do trabalho doméstico e do cuidado familiar —, as mulheres continuam enfrentando oportunidades desiguais de crescimento profissional. Mesmo com qualificações iguais ou superiores às dos homens, elas ainda encontram dificuldade para acessar cargos de maior prestígio, remuneração e poder de decisão. Trata-se de uma barreira invisível, porém real, conhecida como teto de vidro.

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O termo “teto de vidro” refere-se a obstáculos sutis, muitas vezes difíceis de identificar, que limitam a ascensão profissional das mulheres. Ele pode se manifestar de várias formas: baixa representatividade feminina em áreas técnicas e de liderança, ausência de políticas corporativas inclusivas, viés inconsciente nas promoções, e até a crença social de que determinadas funções são mais apropriadas aos homens. Romper essa barreira exige mais do que boa vontade: do ponto de vista das organizações, é necessário compromisso institucional com políticas concretas de equidade de gênero — como metas de diversidade, programas de mentoria, critérios transparentes de promoção e incentivo à conciliação entre vida pessoal e profissional. Mais do que abrir portas, é preciso remover o que as impede de se abrir de forma plena e justa.

Do lado das mulheres, o primeiro passo é reconhecer o teto e nomear o que está acontecendo. Muitas vezes o teto se disfarça de “falta de oportunidade”, “baixo orçamento” ou momento errado quando, na verdade, se trata de uma estrutura que precisa ser rompida. Entender isso ajuda a transformar frustração em estratégia. Compreender isso permite transformar frustração em estratégia. Além disso, é essencial assumir a responsabilidade de aprimorar aspectos individuais: desenvolver habilidades de liderança, negociação e posicionamento, fortalecer o networking e comunicar com clareza seus resultados, ambições e competências. Mais do que esperar reconhecimento, é necessário buscá-lo de forma intencional.

Ainda que a desigualdade de gênero seja estrutural no Brasil, precisamos assumir o protagonismo das nossas vidas e carreiras “apesar de”. Isso significa não permitir que o teto de vidro se transforme em um teto mental — aquele que internaliza os limites e paralisa as ações. Por mais que existem dificuldades, romper com essas barreiras é algo possível – e urgente.

Que cada mulher possa se enxergar não apenas como parte de uma estatística, mas como agente ativa da própria trajetória. E que não nos esqueçamos que, quando uma mulher rompe, todas as outras avançam um pouco mais.

Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.
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