Belo Horizonte enfrenta uma alta no número de acidentes de trânsito, com 2024 já sendo o pior dos últimos cinco anos e 2025 mantendo a tendência. De janeiro a agosto deste ano, o crescimento foi de 4,8% em relação ao mesmo período do ano anterior, quase 3 mil acidentes a mais.
O Anel Rodoviário e a avenida Cristiano Machado continuam sendo os pontos mais críticos da cidade, liderando as estatísticas de ocorrências. Especialistas em trânsito apontam uma combinação de fatores que vão desde o volume de tráfego e características das vias até a falta de fiscalização e investimentos em segurança.
Os números levantados pela Itatiaia da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) mostram que, em 2024, o Anel Rodoviário registrou 4.337 acidentes, seguido pela Cristiano Machado, com 3.994.
O aumento geral na cidade também é expressivo: de 2023 para 2024, houve um salto de 6,9%, passando de 79.153 para 84.649 registros.
Gráfico mostra o aumento no número de acidentes em Belo Horizonte
Trânsito rodoviário e urbano
“A Cristiano Machado e o Anel Rodoviário são duas vias que têm maiores extensões. O Anel é a maior via de Belo Horizonte, a Cristiano Machado vem em seguida e, além de ser muito extensa, tem um tráfego muito intenso. Então, estatisticamente falando, há uma probabilidade bastante grande de acontecerem mais acidentes nos locais onde há maior volume de tráfego e uma grande extensão”, disse o consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade.
Ele explica que o Anel Rodoviário sofre com um conflito entre o tráfego rodoviário e o urbano: “Virou uma rodovia dentro da cidade, e há uma mistura desses dois tráfegos, o que não é bom em termos de segurança. E ela recebeu muito pouco investimento ao longo do tempo, com pouca atenção para as questões de segurança”, explica.
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Ele diz que a Cristiano Machado é semelhante ao Anel nesse sentido, a partir do trecho de saída de Belo Horizonte. “Lá também há mistura de tráfego rodoviário com urbano”, diz.
O especialista acrescenta que a Cristiano Machado tem ainda o problema: “Há uma grande urbanização, o que implica em travessias de pedestres, viagens bastante curtas, outros usos, muito ônibus, por exemplo.” Segundo Silvestre, isso favorece a ocorrência de acidentes.
Gráfico mostra os acidentes pelas principais avenidas de Belo Horizonte
Alta velocidade
De acordo com a especialista em gestão, segurança e educação no trânsito Roberta Torres, um dos principais problemas é a velocidade máxima permitida alta no Anel Rodoviário. Isso explica, diz, não só a quantidade de acidentes, mas também a gravidade, frequentemente resultando em óbitos.
“Uma velocidade média também mais alta pode explicar não apenas a quantidade de sinistros de trânsito, mas também a severidade deles, porque os resultados acabam sendo óbitos”, afirma. “A Cristiano Machado já é uma via arterial, mas com alguns trechos com velocidade máxima permitida mais alta, como 70 km/h, por exemplo”, explica.
A via também sofre com a falta de investimentos históricos em segurança, precisando ser transformada em via urbana, com passeios, iluminação e marginais adequadas.
“O Anel, particularmente, é um problema mais grave, não só porque tem o maior número de acidentes, mas porque ficou abandonado durante muitos anos em termos de investimento”, acrescentou Roberta.
Em junho, o Anel Rodoviário foi oficialmente municipalizado. A partir de agora, a responsabilidade pela administração dos 26 quilômetros que cortam a cidade passa a ser da Prefeitura de Belo Horizonte, o que promete ações específicas para diminuir o número de ocorrências.
A Prefeitura de Belo Horizonte disse, por nota, que os números disponibilizados pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) seguem metodologia própria de tabulação, diferente daquela utilizada pela BHTrans.
Em 2023, por exemplo, foram registrados 70 sinistros no Anel Rodoviário, sendo dois fatais. Desses, 60 envolveram motocicletas, 43, carros e 10, caminhões. Os números da Sejusp, por outro lado, mostram, no mesmo ano, 4.093 ocorrências na via, com 29 óbitos.
Gráfico mostra o número de acidentes em BH em 2025
O crescimento no número de acidentes em toda a cidade também é reflexo da alta taxa de motorização.
“O volume de veículos explica boa parte do problema: BH tem alta taxa de motorização — menos de duas pessoas por veículo — o que intensifica a circulação. O uso de motos cresce e, muitas vezes, de forma irregular”, disse Roberta.
Não é para menos que os anos de 2020 e 2021, período marcado por isolamento social e restrições de circulação devido à pandemia, registraram os menores volumes de acidentes da série histórica. “Não havendo veículos, não há acidentes”, disse Silvestre de Andrade.
Veja os dados;
Em 10 anos, de 2014 a 2024, Belo Horizonte ganhou 1.113.747 veículos a mais, representando um aumento de 66,9% da frota nas ruas.
Número de mortos
Entre 2023 e 2025, a avenida Amazonas superou a avenida do Contorno no número de mortes. “A avenida Amazonas tem se consolidado como um corredor de vítimas fatais no trânsito, o que acende um alerta. Trata-se de uma via de uso intenso tanto por veículos quanto por pedestres, com ocupação densa ao longo de sua extensão — comércio, residências e serviços”, diz Silvestre.
Ele acrescenta como fatores contribuintes o fato de a via ser um importante corredor de ônibus, mas sem faixas segregadas. “A avenida também concentra vários cruzamentos e funciona como saída de Belo Horizonte para cidades como Contagem, Betim e também para São Paulo, ampliando ainda mais o fluxo”, completa.
Gráfico mostra as vias que registraram mais acidentes com mortes nos últimos três anos
Soluções
“Não existe bala de prata” para resolver o problema dos acidentes de trânsito, diz Silvestre. A solução, segundo os especialistas, passa por um conjunto de ações integradas e contínuas.
Para resultados mais rápidos na preservação de vidas, a medida mais eficaz é reduzir a velocidade máxima e investir em ações como as áreas de 30 km/h já implantadas em BH, principalmente perto de escolas, hospitais e locais com grande fluxo de pedestres.
Além disso, de acordo com os especialistas, é fundamental investir na educação para o trânsito desde a base escolar, formando pedestres, ciclistas e futuros motoristas mais conscientes e com maior percepção de risco.
Enfrentar a violência no trânsito, conclui Silvestre, é um “processo permanente que exige seriedade e um olhar detalhado para os problemas de cada via, a fim de criar projetos específicos que possam minimizar a insegurança e preservar vidas”.
O que diz a prefeitura
De acordo com a PBH, a BHTrans mantém ações permanentes para reduzir acidentes de trânsito em Belo Horizonte.
Entre elas estão o monitoramento diário das vias, fiscalização eletrônica de velocidade e avanço de sinal, melhorias na sinalização, travessias elevadas, redutores e campanhas educativas voltadas a motoristas, pedestres, ciclistas e motociclistas. Essas medidas contribuíram para a queda de 69% no número de mortes no trânsito e de 70% nos atropelamentos entre 1999 e 2023, mesmo com o crescimento da frota.
Além dessas ações, a prefeitura, informou, por meio de nota, que tem investido em obras de mobilidade que buscam dar mais fluidez ao tráfego e segurança aos usuários. No Anel Rodoviário já são feitos serviços de manutenção e melhorias, enquanto no vetor Norte, na avenida Cristiano Machado, estão em andamento intervenções que incluem a construção de viadutos e trincheiras.
Também estão previstas obras na avenida Amazonas, com a implantação de um novo terminal de integração do BRT e adequações no sistema viário. A proposta é priorizar o transporte público coletivo e oferecer mais conforto e segurança para quem circula na região.