Juristas divergem sobre decisão do STF que tirou mandato de Carla Zambelli

Especialistas explicam por que há interpretações diferentes sobre o artigo da Constituição que trata da perda de mandato de parlamentares condenados

STF tem unanimidade para determinar a perda do mandato de Zambelli

Especialistas em direito consultados pela Itatiaia divergem da decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de confirmar, nesta sexta-feira (12), a determinação do ministro Alexandre de Moraes que retirou automaticamente o mandato da deputada licenciada Carla Zambelli (PL-SP). O principal ponto é sobre quem tem a palavra final sobre a perda de mandato de deputados e senadores condenados criminalmente - o STF ou o Congresso.

Pela Constituição, a perda do mandato nos casos de quebra de decoro e condenação criminal deveria ser decidida pela própria Câmara dos Deputados ou pelo Senado. Mas, ao longo dos anos, o STF passou a aplicar a chamada “perda automática”, sem consulta ao Legislativo - ponto da divergência

Para o advogado Paulo Henrique Studart, especialista em Direito Público, o texto constitucional não deixa espaço para dúvidas sobre a competência do Legislativo. “A Constituição é bastante clara nesse ponto. O parágrafo segundo do artigo 55 da Constituição é expresso ao prever nos casos dos incisos 1, 2 e 6. Dentre eles está a condenação criminal, transitado em julgado, a perda do mandato não é automática, ou seja, não é um efeito automático da decretação da condenação criminal, e depende sim de uma decisão da Câmara dos Deputados”, afirma.

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Ele avalia que, ao decretar a perda do mandato sem enviar o caso ao Parlamento, o Supremo ultrapassa um limite institucional. “Quando uma decisão do Supremo decreta automaticamente essa perda do mandato, ele acaba substituindo uma competência que a Constituição reservou expressamente ao poder legislativo. Isso acaba tensionando o sistema de freios e contrapesos e enfraquecendo o controle político previsto no texto da Constituição”, argumenta.

Studart explica que a ideia de perda automática não está escrita na Constituição, mas foi construída ao longo de precedentes do STF, especialmente em casos como os dos ex-deputados Paulo Maluf e Natan Donadon. Segundo ele, essa construção se apoia na impossibilidade prática de o parlamentar exercer o mandato quando está preso, mas não afasta o fato de que o texto constitucional exige deliberação da Casa:

“Isso é uma construção jurisprudencial. Outros dispositivos na Constituição que regem essas hipóteses de perda dos mandatos, por ausência do parlamentar à casa legislativa, pela falta de lições ordinárias e tudo mais”, disse.

Interpretação diferente

Já o advogado Fabrício Duarte, mestre em Direito Público e professor na Escola do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG), vê o tema por outro ângulo. Ele reconhece que o artigo 55, de fato, prevê que a perda do mandato seja submetida à Câmara ou ao Senado, mas diz que essa regra precisa ser lida dentro do contexto histórico da Constituição.

Segundo Duarte, esse dispositivo surgiu em 1988 como proteção contra possíveis abusos do Judiciário herdado do regime militar. “A inserção desse parágrafo decorre de um receio que havia a época da promulgação da Constituição de que o Supremo Tribunal Federal, ainda integrado por diversos membros indicados pelo regime anterior, pudesse de alguma forma ser utilizado para perseguição”, afirma.

Com o tempo, diz advogado, esse temor perdeu sentido e o Supremo passou a interpretar o artigo de forma diferente. “Hoje a jurisprudência do Supremo entende que a perda do mandato eletivo é uma condenação acessória à decisão judicial transitada em julgado”.

Para o jurista, permitir que o Parlamento revise a decisão penal seria violar a própria autoridade do Judiciário. “Hoje a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a perda do mandato eletivo é uma condenação acessória à decisão judicial transitada em julgado”, diz.

Fabrício Duarte conclui que, por isso, o STF entende não ser mais necessário submeter esse tipo de decisão ao plenário da Câmara dos Deputados: “Por isso hoje se compreende não ser necessária a subjeção desta condenação, a perda do mandato eletivo decorrente da condenação criminal transitada em julgado ao plenário, como previu o artigo 55 para o segundo”, conclui.

Graduado em jornalismo e pós graduado em Ciência Política. Foi produtor e chefe de redação na Alvorada FM, além de repórter, âncora e apresentador na Bandnews FM. Finalista dos prêmios de jornalismo CDL e Sebrae.

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