A nova Bancada Cristã da Câmara dos Deputados será formada pela união das frentes parlamentares evangélica e católica e terá liderança alternada entre as duas representações a cada ano.
O projeto prevê uma alternância anual de liderança entre as duas frentes. No primeiro ano, o comando ficará com a comunidade evangélica, liderada por Gilberto Nascimento (PSD-SP), tendo Luiz Gastão (PSD-CE), que é católico, como vice. No seguinte, a liderança passará aos católicos, com um vice evangélico.
Quem articula a criação do grupo prevê que a bancada poderá se tornar a maior do Congresso, com apoio inicial de cerca de 300 deputados. Caso a criação da bancada seja aprovada, evangélicos e católicos terão em mãos mais poder de negociação frente aos deputados, tendo direito de voto nas reuniões dos líderes partidários e cinco minutos semanais de fala no plenário da Câmara - privilégios até então restritos a partidos e blocos parlamentares.
A proposta que cria a bancada é relatada por Diego Garcia (Republicanos-PR) e teve urgência aprovada na última quarta-feira (22), permitindo que siga direto ao Plenário sem análise nas comissões.
Segundo os autores, a medida busca “reafirmar o compromisso do Parlamento com a representatividade plural”, garantindo que “convicções morais partilhadas por grande parcela da população brasileira encontrem expressão legítima e transparente no processo legislativo”.
Apesar da unificação, as frentes continuarão atuando de forma independente, mas pretendem se unir em pautas que expressem valores comuns
‘Não é bancada de igreja’
Pastor evangélico e um dos principais nomes ligados a articulação cristã na Câmara, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) defendeu a criação da Bancada Cristã e rebateu as críticas sobre a mistura entre religião e política. Segundo ele, a proposta não tem caráter religioso, mas ideológico e moral:
“Quando se pensa em criar uma bancada cristã, nada tem a ver com religiosidade. Não é bancada de crente, de igreja, nem tem papel de ativismo religioso”, afirmou o parlamentar.
Otoni disse ainda que, embora o argumento do Estado laico seja usado para criticar a proposta, a criação da bancada não contraria a Constituição:
“O Estado é laico, mas não é laicista. A própria Constituição foi promulgada sob a proteção de Deus. O Estado admite a existência de Deus, tanto que, em toda sessão da Câmara, ouvimos: ‘sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro’.”
Segundo ele, a bancada “já nasce gigante”, com foco em defender pautas conservadoras nos costumes e valores que, segundo ele, “representam a base moral da sociedade brasileira”.
Reações e críticas
A criação da Bancada Cristã provocou reações entre parlamentares. A deputada Duda Salabert (PDT-MG) afirmou que a proposta contraria o princípio do Estado laico, pois permitiria a uma religião influenciar decisões políticas.
“Votei contra a criação da bancada cristã por entender que quem tem que orientar a construção de políticas públicas não é uma religião, mas as necessidades urgentes do povo”, declarou.
Duda também citou o exemplo de Belo Horizonte, onde uma bancada cristã municipal teria barrado projetos voltados à redução da desigualdade social por “motivações moralistas”.
“Se é uma bancada cristã, vai ter que ter uma bancada do candomblé, uma bancada da umbanda. O Brasil é diverso e não pode ser orientado por uma única crença”, completou.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) também criticou a proposta, defendendo que “separar igreja e Estado é essencial”:
“O cristianismo é majoritário, mas não pode ser hegemônico. Tenho minha fé cristã, mas ela não me dá poder sobre outras religiões. Essa bancada abre espaço para discriminação”, afirmou.
Segundo Alencar, a medida cria um precedente que exigiria a criação de bancadas de outras religiões, e até de ateus, para manter o equilíbrio representativo.
Bancada dos Povos de Terreiro é articulada em reação
A deputada Daiana dos Santos (PCdoB-RS), também contrária à proposta, anunciou que está articulando a criação da Bancada dos Povos de Terreiro e Comunidades Tradicionais, de caráter suprapartidário.
Segundo ela, o novo grupo busca defender a laicidade, a liberdade religiosa e o combate à intolerância, e não é “uma bancada contra outra”, mas “um espaço afirmativo para garantir voz institucional a quem historicamente foi silenciado”.
Em entrevista à Itatiaia, o deputado Luiz Gastão também defendeu que a proposta não fere o princípio do Estado laico, argumentando que a Constituição garante a livre manifestação da fé.
“O Estado é laico, mas não laicista. Quem é contra a bancada está indo contra o que está no regimento da Constituição”, afirmou.
Questionado sobre o fato de a bancada incluir apenas evangélicos e católicos, o deputado respondeu:
“As outras religiões não têm frentes no Congresso. Se tivessem, seriam bem-vindas.”