Atingidos pela tragédia de Mariana alertam para prazos e falta de acesso ao acordo

Audiência Pública na Assembleia Legislativa reuniu atingidos que ainda não foram contemplados pelo Acordo de Reparação do Rio Doce

Audiência da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe Rio Doce) na Assembleia Legislativa

Representantes de comunidades atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, alertaram que falta cerca de um mês para o fim do auxílio de moradia temporária custeado pela Samarco — benefício que pode ser suspenso sem que haja definição sobre o destino das famílias ainda não contempladas pelo Acordo de Reparação do Rio Doce. As lideranças também voltaram a denunciar supostas irregularidades na distribuição dos recursos, afirmando que pessoas supostamente fora da área atingida estariam recebendo valores.

As críticas foram apresentadas durante audiência pública realizada nesta quinta-feira (27) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O encontro foi promovido pela Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe Rio Doce) e reuniu atingidos de Minas Gerais e do Espírito Santo, além de representantes do judiciário, dos governos estadual e federal.

Barra Longa, a 60 quilômetros de Mariana, foi a única cidade que teve seu centro urbano invadido pela lama da barragem, que destruiu cerca de 40 imóveis e isolou duas comunidades rurais.

Simone Silva, liderança do Quilombo de Gesteira e integrante da Comissão de Atingidos de Barra Longa, cobrou que o acordo contemple famílias que ainda não foram reconhecidas como atingidas. Segundo ela, o fim próximo dos contratos de aluguel temporário deixa moradores sem perspectiva de moradia.

“As pessoas estão fora das suas moradias, estão em aluguéis temporários, e o aluguel vence agora em dezembro, muitos de nós já fomos notificados, nós vamos morar onde? Onde a gente vai colocar os nossos filhos? Porque ninguém discute isso, ninguém está falando sobre moradia, então é importante que a gente venha para esse espaço para denunciar que a moradia é um direito, está na Constituição. Mas e aí, como que acontece? O acordo pode ser bom para quem está lá em cima, para o sistema, mas para nós atingidos que estamos na ponta, não. Tem os ribeirinhos, as comunidades tradicionais, que nós não fomos reconhecidas até hoje” afirmou em entrevista.

Irregularidades no PTR

Simone também denunciou que muitas famílias ribeirinhas, diretamente afetadas pela contaminação do Rio Doce, ficaram de fora do Programa de Transferência de Renda (PTR), previsto no acordo. Ela afirma que pessoas que vivem longe da região — inclusive fora do país — estariam recebendo o benefício.

“Tem pessoas que estão a muito mais de 5 quilômetros, tem gente que está fora do Brasil recebendo PTR, e nós que estamos nas margens do Rio, estamos sem. Nós não tivemos direito. Barra Longa, todo mundo sabe que é a única cidade onde a lama passou dentro, levando nossos lares, nossos entes queridos. E lá, as pessoas não receberam o PTR, por quê? Porque precisa comprovar renda nos últimos 12 meses. Você tem que ter o CAF (Cadastro de Agricultura Familiar), você tem que comprovar renda nos últimos 12 meses. Como comprovar renda nos últimos 12 meses se os quintais, os terrenos, os lotes estão debaixo de lama?”, finalizou.

Governo Federal promete checagem de fraudes

Tatiana Lemos Sandim, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, afirmou que o governo federal já está ciente das denúncias e iniciou tratativas para revisar todos os repasses de programas ligados à reparação.

Ela reconheceu que diversos atingidos não conseguiram comprovar os danos sofridos e disse que a pasta estuda alternativas para incluí-los no acordo, embora sem garantia de solução.

“A gente sabe, e a gente está reunindo esses documentos porque isso está na letra do acordo, mas a gente quer reunir essas informações e conversar, porque a gente entende que uma coisa você ser atingido, outra coisa é você ter os documentos para provar que você é atingido. Só que a gente está executando o que está lá no acordo, a gente vai reunir as informações e vai conversar sobre como a gente faz para que a gente não reproduza essa injustiça de deixar as pessoas dentro do acordo, mas eu não posso me comprometer com vocês que isso vai mudar, eu posso me comprometer que a gente está atento e a gente está juntando essas informações”, declarou.

Sandim ainda declarou que a pasta já manifestou interesse em criar um grupo de trabalho para discutir a resolução do problema de fraudes ou falta do recebimento de indenizações pelo rompimento da barragem.

Apesar das cobranças, nenhum representante dos órgãos envolvidos no acordo esclareceu o que será feito em relação à moradia das famílias que perderão o auxílio em dezembro.

A reportagem solicitou posicionamento ao Governo de Minas e à Samarco e aguarda retorno.

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Jornalista graduado pela PUC Minas; atua como apresentador, repórter e produtor na Rádio Itatiaia em Belo Horizonte desde 2019; repórter setorista da Câmara Municipal de Belo Horizonte.

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