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Uso extraoficial do TSE: Moraes se defende e diz que ‘não há nada para esconder’

Ministro teria usado estrutura do TSE para a produção de relatórios para uso em investigações contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)

O ministro Alexandre de Moraes se defendeu da acusação de uso extraoficial da estrutura do Tribunal Superior Eleitoral para investigações em curso no Supremo Tribunal Federal. De acordo com o jornal “Folha de S. Paulo”, a equipe de Moraes no STF teria ordenado que um órgão de monitoramento de desinformação do TSE elaborasse relatórios para embasar decisões do ministro contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos inquérito das “fake news” e das milícias digitais. Em discurso na sessão plenária do STF nesta quarta-feira (14), disse que nenhuma matéria jornalística sobre o caso preocupa seu gabinete e que todos os procedimentos foram legais.

“Várias vezes surgiam aqueles investigados que estavam reiterando as condutas ilícitas realizadas nas redes sociais. Quais condutas? Basicamente a incitação ao golpe de Estado, a incitação a atentados antidemocráticos, a glorificação do AI-5, a discurso de ódio contra ministros dessa corte do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive com ameaças de vida, ameaças de morte, risco à vida dos integrantes e seus familiares. Nós sabemos que há a necessidade de preservação desse conteúdo, porque senão eles são apagados e não podem ser recuperados. Isso é um procedimento. Um procedimento normal investigativo”, disse Moraes, completando:

“Esse procedimento, a partir dessa constatação que aqueles já investigados reiteravam nas condutas, poderia se dar de duas formas. Poderia se dar a partir de uma requisição à Polícia Federal para que ela realizasse e a partir de uma solicitação ao Tribunal Superior Eleitoral. (...) Obviamente, o caminho mais eficiente da investigação naquele momento era a solicitação ao TSE.”

Moraes disse que o TSE tem poder de polícia, podendo determinar a produção de relatórios.

“Absolutamente todas as defesas tiveram acesso aos relatórios juntados, os autos, e puderam impugná-los. Todos os agravos regimentais foram trazidos ao plenário dessa Corte. Absolutamente todos os agravos regimentais foram confirmados por esse plenário. Então, não há nada a esconder”, concluiu Moraes.

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O CASO
De acordo com a reportagem, as mensagens revelam um fluxo fora do comum envolvendo o TSE e o STF. Entre os envolvidos nas mensagens está o principal assessor de Moraes no STF.

Em alguns momentos das conversas, segundo a “Folha de S. Paulo”, assessores relataram irritação do ministro com a demora no atendimento às suas ordens.

“Vocês querem que eu faça o laudo?”, consta em uma das reproduções de falas do ministro.

“Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, comentou um dos assessores.

“Ele tá bravo agora”, disse outro.

O maior volume de mensagens com pedidos informais, segundo o jornal, envolveu o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Alexandre de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, um perito criminal que à época chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE. Tagliaferro deixou o cargo em maio de 2023, após ser preso sob suspeita de violência doméstica.

As mensagens mostram que Airton Vieira pedia informalmente a Tagliaferro — via WhatsApp — relatórios específicos contra aliados de Jair Bolsonaro. Esses documentos eram enviados da Justiça Eleitoral para o inquérito das fake news, no STF.

O ministro Alexandre de Moraes e Eduardo Tagliaferro, ex-TSE

Em nenhum dos casos aos quais a “Folha” teve acesso havia informação oficial de que esses relatórios tinham sido produzidos a pedido do ministro ou do seu gabinete. Em alguns, aparecia que o relatório era “de ordem” do juiz auxiliar do TSE. Em outros, uma denúncia anônima. As mensagens são de agosto de 2022 a maio de 2023.

Um exemplo citado pela reportagem é relacionado ao jornalista Rodrigo Constantino. Dois pedidos de monitoramento e produção de relatórios sobre publicações dele mostram como se dava a dinâmica, segundo o jornal.

Um dos pedidos de relatório é de 28 de dezembro de 2022, a quatro dias da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu terceiro mandato.

Airton pergunta a Tagliaferro se ele pode falar. “Posso sim, posso sim, é por acaso [o caso] do Constantino?”. Depois desse áudio, os dois teriam iniciado uma conversa sobre um pedido de Alexandre de Moraes para fazer relatórios a partir de publicações das redes de Constantino e de Paulo Figueiredo, ex-apresentador da Jovem Pan e neto do ex-presidente João Batista Figueiredo (regime militar).

À época, Constantino e Figueiredo entraram na mira de Moraes porque fizeram ataques à lisura da eleição e a ministros do STF, além de incitar os militares contra o resultado das urnas.

Eduardo Tagliaferro e Airton Vieira

Tagliaferro encaminhou uma primeira vez. Na sequência, Airton Vieira manda novos prints de postagens de Constantino e pede alterações do documento. Pelas mensagens, fica claro que o pedido para produção do relatório partiu do próprio Moraes.

“Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: vocês querem que eu faça o laudo? Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando”, diz Vieira em áudio enviado às 23h59 daquele dia.

"É melhor por [as postagens], alterar mais uma vez, aí satisfaz sua excelência”, completa Vieira.

Tagliaferro então responde, já na madrugada do dia 29 de dezembro de 2022, e afirma que o conteúdo do relatório enviado anteriormente já seria suficiente, mas que iria alterar o documento.

“Concordo com você, Eduardo [Tagliaferro]. Se for ficar procurando [postagens], vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele [Moraes] cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, responde Vieira.

Dias depois dessa conversa, em 1º de janeiro de 2023, Airton Vieira enviou a Tagliaferro cópias de duas decisões sigilosas de Moraes, relacionadas ao inquérito das fake news, que foram baseadas em um relatório supostamente enviado espontaneamente. Nas decisões, Moraes determinou a quebra dos sigilos bancários de Constantino e Figueiredo, bem como o cancelamento de seus passaportes, bloqueio de suas redes sociais e intimações para que fossem ouvidos pela Polícia Federal.


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É jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Cearense criado na capital federal, tem passagens pelo Poder360, Metrópoles e O Globo. Em São Paulo, foi trainee de O Estado de S. Paulo, produtor do Jornal da Record, da TV Record, e repórter da Consultor Jurídico. Está na Itatiaia desde novembro de 2023.