Em 24 de janeiro deste ano, quatro dias depois de sua posse, o presidente Donald Trump disse que “adoraria ver o Canadá ser o 51º estado americano”. E chamou de “governador” o então primeiro-ministro Justin Trudeau do país vizinho.
Mais do que surpresa, tal postura gerou fricções diplomáticas entre duas nações amigas; realçou o nacionalismo de 41 milhões de canadenses; impactou o comércio de bens e serviços entre Washington e Ottawa e influiu decisivamente no resultado de uma eleição.
O preço político das palavras do presidente americano veio na forma de uma súbita guinada do eleitorado canadense antes propenso, segundo as pesquisas, a dar a vitória nas eleições de março ao candidato apoiado por Trump (acabaram elegendo como sucessor de Justin Trudeau seu aliado político, Mark Carney).
O preço na dimensão econômica veio de diferentes formas.
Primeiro, por um sentimento nacionalista que levou enorme continente de consumidores a boicotar produtos americanos. Esse movimento foi turbinado quando o governo de Donald Trump aumentou drasticamente as tarifas cobradas sobre exportações canadenses (35%, em média), sob a alegação de que o vizinho nunca teria proporcionado tratamento justo aos Estados Unidos na questão do comércio bilateral.
O comportamento do consumidor e a postura do novo primeiro-ministro Mark Carney se alinharam. O movimento “Buy Canadian“ (ou “compre produtos canadenses”) levou varejistas a privilegiar produtos nacionais e reduzir a oferta de itens de origem americana, cujas vendas caíram entre 15% e 20%, em média.
Contribuição decisiva para esse movimento foi o próprio engajamento do ecossistema digital. A plataforma MadeInCa.ca e hashtags como #ShopLocalCanada, além de aplicativos de varejistas promovendo alternativas locais fizeram crescer a preferência por produtos fabricados no país. O governo de Ottawa está criando sua versão “Buy Canadian” (a ser totalmente implementada no primeiro semestre de 2026) visando aumentar os vínculos com fornecedores nacionais nas suas próprias compras de produtos de serviços.
O país passou também a procurar uma diversificação em suas exportações visando compensar, pelo menos parcialmente, a penalização imposta por Washington via tarifas. Rapidamente, tratativas nessa direção ganharam força e os negócios passaram a crescer junto a Reino Unido, Alemanha, Irlanda do Norte e mesmo países da América Latina.
O comércio com o Brasil, por exemplo, avançou de forma relevante segundo dados da Câmara de Comércio Brasil-Canadá: nossas vendas somaram US$ 5,08 bilhões entre janeiro e setembro de 2025, um aumento de 14% em relação ao mesmo período de 2024. No sentido inverso, as importações de produtos canadenses também cresceram: elas chegaram a US$ 2,36 bilhões, 7% a mais no acumulado do ano.
O espírito nacionalista dos canadenses tem se expressado de forma vigorosa no turismo. As travessias de carro entre diferentes províncias do país e o território americano estão caindo cerca de 25% este ano segundo o instituto Statistics Canada.
Turistas acostumados a fugir do rigoroso inverno local para passar férias na ensolarada Flórida estão mais escassos: o movimento de aluguel de imóveis para esse público no estado durante a última temporada caiu 30% e as reservas de hotéis apresentaram queda de 20%.
As viagens aéreas também sofreram impacto. A Air Canada chegou a interromper voos para oito destinos nos Estados Unidos devido a uma brusca queda na demanda.
Contribuiu ainda para inibir a ida para os Estados Unidos um novo fator de controle de fronteiras. Estrangeiros que pretendem ficar mais de 30 dias no país precisam agora se identificar digitalmente, algo que nunca havia sido exigido dos pacíficos vizinhos do norte. Pesquisa do Institute Angus Reis com canadenses que declararam viajar este ano menos ao país vizinho do que nos últimos dez anos apontou três principais razões para isso: preocupações com o clima político e a segurança nas relações bilaterais; a intenção de mostrar suporte ao seu próprio país nesse momento sensível; preocupações com os agentes de fronteira dos EUA ou com a aplicação das leis de imigração.
Pesquisa da Canada’s Non-profit Foundation Committed ro Independent Research perguntou a cidadãos que decidiram não viajar aos Estados Unidos este ano quais suas principais alternativas (respostas podiam ser múltiplas): em 42% das respostas houve menções de que a decisão foi permanecer no próprio país; também 42% das respostas apontavam a preferência por destinos internacionais fora da América do Norte. Viajar ao México foi opção mencionada em 21% das respostas.
A decisão pelo turismo interno mostrou bons números: entre o final da primavera e o pico do verão do hemisfério norte (maio a agosto), os canadenses gastaram 6% mais este ano dentro do país segundo a organização nacional de turismo Destination Canada. Ao mesmo tempo, foi registrada uma movimentação 10% maior no Airbnb em seu próprio território.
A US Travel Association observou, em um relatório produzido antes do início das disputas comerciais deste ano, que os turistas do país vizinho têm um “impacto enormemente positivo na balança comercial dos EUA com o Canadá". E que em 2024 eles gastaram cerca de US$ 20,5 bilhões em diferentes regiões americanas.
Um porta-voz da associação disse em um comunicado que uma queda de apenas 10% no número de turistas canadenses poderia eliminar cerca de 14.000 empregos nos EUA — cenário que se desenha bem pior do que aquela estimativa neste 2025.
Desde o início das tensões comerciais e das constantes menções do presidente Donald Trump sobre o Canadá se tornar o 51º estado americano houve queda de 19% no número de canadenses em viagem a Califórnia.
Mike Waterman é um empresário que faz parte de um grupo de 16 líderes do setor de turismo da região que foi a Vancouver, neste mês de novembro, para lançar uma campanha de relações públicas destinada a convencer os canadenses a voltarem. Em um evento que fez parte dessa programação membros da indústria do turismo fizeram questão de salientar que a Califórnia compartilha valores semelhantes aos dos vizinhos e discorda de políticas do governo americano.
Em abril, o governador Gavin Newson (que esteve na COP30 semana passada em Belém) produziu um vídeo específico para o público canadense em que ressaltava que seu estado está distante de Washington não apenas em posicionamentos políticos mas também geograficamente: uma imagem mostra como a Califórnia, banhada pela Oceano Pacífico, está na costa oeste, oposta à capital americana situada na costa leste.