As transformações recentes no mundo do trabalho têm colocado o empreendedorismo no centro do debate sobre geração de renda para jovens. A expansão das plataformas digitais, a crescente automação impulsionada pela inteligência artificial e o baixo nível salarial de grande parte dos empregos formais no Brasil formam um cenário no qual empreender parece, para muitos, não uma escolha, mas uma necessidade.
O trabalho em plataformas digitais — como transporte por aplicativo, entregas e serviços por demanda — oferece flexibilidade e a possibilidade de ganhos diretamente associados ao esforço individual. Para jovens que buscam autonomia, essa forma de trabalho parece atrativa. Contudo, essa flexibilidade é acompanhada de fragilidades: não há garantias trabalhistas, como férias remuneradas, previdência, décimo terceiro ou proteção em casos de doença ou acidente. A relação entre trabalhador e plataforma não configura vínculo empregatício, deixando milhões de jovens em uma zona cinzenta entre empreendedorismo e informalidade.
Paralelamente, a introdução acelerada da inteligência artificial tem transformado ocupações tradicionais e tornado obsoletas diversas funções. Esse movimento intensifica a competição por empregos formais, ao mesmo tempo em que pressiona jovens a buscar alternativas que garantam renda imediata. Em muitos setores, especialmente os de menor qualificação, as oportunidades disponíveis oferecem salários baixos, jornadas extensas — frequentemente em regime 6 x 1 — e pouca perspectiva de ascensão profissional. Nessa equação, o emprego formal deixa de ser sinônimo de estabilidade e passa a representar, para muitos, rigidez e remuneração insuficiente.
É neste contexto que emerge uma compreensão distorcida de empreendedorismo. A ideia clássica de empreender — identificar problemas, desenvolver soluções e construir negócios inovadores — muitas vezes dá lugar a uma “opção compulsória”, motivada não por vocação ou desejo de criar, mas pela percepção de que as ocupações tradicionais oferecem condições piores. Assim, o discurso do empreendedorismo como caminho de autonomia e prosperidade precisa ser problematizado: em grande medida, o fenômeno reflete a precarização das alternativas disponíveis.
Outro elemento central nessa discussão é a relação entre educação e trabalho. A formação escolar de grande parte dos jovens brasileiros não os prepara para nenhum dos dois caminhos. De um lado, falta uma educação que desenvolva competências demandadas pelo mercado em transformação — como pensamento crítico, resolução de problemas, competências digitais e socioemocionais. De outro, os sistemas educacionais raramente estimulam a mentalidade empreendedora, entendida não como abrir um negócio, mas como a capacidade de criar, inovar e adaptar-se.
Diante dessas mudanças, é urgente repensar políticas públicas de educação, trabalho e renda que ampliem as alternativas reais para os jovens. O empreendedorismo pode, sim, ser um caminho legítimo — mas precisa deixar de ser uma saída forçada pela falta de opções e tornar-se uma escolha sustentada por formação adequada, condições justas e oportunidades de desenvolvimento.
Essa discussão será abordada em uma série de podcasts, intitulada Batalhadores do Brasil, produzida pela iniciativa Imagine Brasil, da Fundação Dom Cabral, em parceria com o Instituto Unibanco.
Aldemir Drummond, é professor na Fundação Dom Cabral e Coordenador da iniciativa Imagine Brasil.