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França aprova lei para regular atuação de influenciadores

Norma proíbe promoção de produtos e serviços de risco e prevê pena de até dois anos de prisão

Atuação de influenciador digital agora tem regras específicas na França

Você já deve ter visto influenciadores indicarem produtos ou serviços — como procedimentos estéticos — considerados arriscados. Na França, isso não pode mais ocorrer: o Senado do país aprovou na quinta-feira (1º), por unanimidade, uma lei que regula a atividade no país.

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A iniciativa interpartidária busca combater os excessos dos cerca de 150 mil influenciadores franceses (segundo estimativas do governo). A norma — que foi aprovada também por unanimidade na Câmara — proíbe que eles promovam, entre outros, tratamento cuja prescrição seja reservada a profissionais de saúde.

As sanções previstas vão de multas que podem chegar a € 300 mil a penas de dois anos de prisão. “Temos de garantir que os influenciadores digitais, que representam empregos e a criatividade francesa, estejam sujeitos às mesmas regras da rádio, da televisão e dos meios de comunicação tradicionais”, diz Bruno Le Maire, ministro da Economia e Finanças da França.

Está proibido, ainda, o anúncio de apostas, investimentos em criptomoedas e outros produtos financeiros de risco, bem como de itens contrabandeados, tabaco e artigos de nicotina — cada vez mais utilizados por adolescentes no país. Além disso, a lei veta a sugestão de interrupção de tratamentos e a oferta de assinaturas de aconselhamento esportivo.

Segundo a proposta, influenciador é quem “utiliza sua reputação para comunicar conteúdos ao público por meios eletrônicos com vista a promover, direta ou indiretamente, bens, serviços ou uma causa de qualquer tipo em troca de um benefício econômico ou de vantagem de outra espécie”.

A norma determina que seguidores de influenciadores sejam alertados sobre imagens produzidas por inteligência artificial e fotos e vídeos com filtros de correção. “A lei define um regime jurídico para a atividade de influenciadores, suas agências e empresas que os contratam”, diz Raphael Molina, especialista em direito sobre o marketing de influenciadores, em entrevista à Folha. “Todos devem ser responsabilizados se sua atuação gerar vítimas.”

Fica estabelecido, ainda, que o Estado invista em campanhas de sensibilização em escolas sobre os abusos dos influenciadores. Além disso, deve apresentar um relatório, em até seis meses após a publicação da lei, sobre os recursos da Direção-Geral de Concorrência, Consumo e Repressão a Fraude (DGCCRF) para o combate às fraudes promovidas por eles.

Uma carta aberta da União dos Profissionais de Influência e Criadores de Conteúdos (UMICC) com mais de cem assinaturas aponta que, “nos últimos meses, alguns fizeram crer que fraudes, produtos de contrabando e práticas comerciais duvidosas representavam o setor”. “Na realidade, representam apenas uma minoria”, diz a entidade, que afirma que sua prioridade é proteger os consumidores. “Somos a favor da regulamentação.”

Há, ainda, obrigações para as plataformas digitais: elas devem implementar botões de alerta e remover conteúdos denunciados pelas autoridades com agilidade. Além disso, sinalizadores de confiança devem ter prioridade — isso inclui associações de consumidores ou associações de vítimas de influência credenciadas pelo Ministério da Economia. No Brasil, a regulamentação desses serviços é discutida no Congresso Nacional.

Se o influenciador residir fora da França, mas se dirigir ao público de lá, precisará ter um representante local que possa ser submetido à legislação. Molina destaca que a maioria das empresas e dos profissionais já cumpre as leis. “A regulamentação vai permitir a profissionalização do setor e levar empresas a agentes e influenciadores que atuam legalmente.”

Denúncia na Justiça

Em janeiro, Le Maire lançou uma consulta pública sobre o tema para “apoiar e supervisionar melhor os influenciadores”. Isso porque o rapper francês Booba denunciou na Justiça que as práticas comerciais da agência de influenciadores Shauna Events induziam ao erro e que a empresa praticava fraude organizada.

De acordo com a DGCCRF, seis em cada 10 influenciadores franceses não cumpriam regras de regulamentação sobre publicidade nem respeitavam direitos de consumidores. “Eles não foram transparentes sobre a natureza comercial de sua abordagem ou sobre a identidade da pessoa em nome da qual agiam”, diz o relatório de uma campanha que monitorou 50 influenciadores e concluiu que 30 deles haviam cometido infrações.

O documento serviu como referência para 18 sanções administrativas e 16 processos criminais. Com isso, empresas como a Meta, responsável por Facebook e Instagram, e outras, apagaram várias contas de influenciadores.

Acusados negam irregularidades

Marc Blata, que vive em Dubai, por exemplo, é alvo de centenas de denúncias de fraude. Ele tem 4 milhões de seguidores no Instagram e promete retornos financeiros significativos a investimentos em tokens não fungíveis ( NFTs) — aquelas imagens com certificado de autenticidade digital. Blata contesta as acusações.

Outro caso envolve Dylan Thiry, que vive em Dubai e tem mais de 2 milhões de seguidores no Instagram. Thiry é criador da Para as Nossas Crianças, uma organização que arrecadava doações regulares para, supostamente, construir poços d’água e abrigos para crianças em países da África. Ele é acusado, entretanto, de nunca ter realizado as construções, mas afirma que usou o dinheiro para ajudar necessitados na África. A ONG foi fechada.