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Bombeiro relembra desastre de Mariana e revela tristeza por vítima não encontrada

Considerada a maior catástrofe ambiental do Brasil, rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, matou 19 pessoas e contaminou a bacia do Rio Doce

Montagem com registro da destruição em Bento Rodrigues e foto do tenente Kleber Pesso

Dia 5 de novembro de 2015. Após o almoço, chega uma mensagem: o chefe avisa a equipe que uma barragem se rompeu na região de Mariana, em Minas Gerais. Depois disso, foram 40 dias de trabalho intenso e caminhadas que chegavam a 10 km.

As memórias são do 2º tenente Kleber Pesso, do Batalhão de Emergência Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad) do Corpo de Bombeiros. Há dez anos, ele era 1º sargento e integrou as equipes de busca no distrito de Bento Rodrigues.

Em entrevista à Itatiaia, nessa quarta-feira (5), o tenente relembrou os difíceis dias da missão e falou sobre como superou as imagens “perturbadoras” do regate às vítimas do desastre.

As primeiras impressões

Kleber estava na segunda equipe do batalhão que saiu de Belo Horizonte em direção a Mariana. Os primeiros foram de helicóptero, mas eles se deslocaram em viaturas.

“Quando conseguimos retirar a lama para a gente acessar, a primeira imagem que tive de Bento Rodrigues é que havia morrido muitas pessoas. A primeira imagem que ficou na minha cabeça foi: ‘Morreram mais de mil’”, disse.

“Na realidade a gente não sabia nada, né? Nem quantas pessoas moravam naquele local. Então, pelas imagens, a gente deduzia que tinha morrido muita gente”, acrescentou.

Posteriormente, foi contabilizada a morte de 19 pessoas, sendo que uma nunca foi encontrada: Edmirson José Pessoa, de 48 anos.

Trabalho de 40 dias

A equipe do Corpo de Bombeiros foi dividia em dois grupos. Cada grupo trabalhava sete dias, enquanto a outra voltava para casa, em um revezamento que durou 40 dias. “Cansava muito, né? Mas o nosso objetivo ele era maior que o cansaço. A gente tinha que localizar aquelas pessoas que estavam desaparecidas”, relembrou.

Com o passar do tempo, diminuía a esperança dos socorristas encontrarem pessoas com vida. “A ideia era que elas estivessem vivas. Mas, no decorrer dos dias, essa possibilidade foi diminuindo. Tivemos que conviver com essa situação de perder as esperanças de encontrar pessoas vivas e encontrar só restos mortais”, detalhou.

Além disso, o trabalho era desafiador. Eram cerca de 10 km de caminhada na lama por dia, com risco de queda e afogamento, lidando com a frustração da difícil missão de procurar por vidas humanas. De acordo com o tenente, quando um resto mortal era encontrado, a sensação era de alívio, pois era possível dar uma satisfação para a família e possibilitar um “enterro digno” da vítima.

Memórias que ficam

“Vi muita coisa que não queria ver novamente: o dano ambiental, a perda de vidas humanas e de animais. A lembrança que ficou não foi boa, não”, desabafou.

No entanto, o tenente Kleber Pessoa afirma que a superação é necessária: “A gente tem que superar, porque, senão, carrego isso comigo pelo resto da minha vida”.

Ele conta que a superação veio com o passar dos dias: outras ocorrências surgiram e novas pessoas foram ajudadas. Além disso, o suporte da família foi fundamental para continuar a vida.

“O tempo foi passando e foi aliviando”, disse. “Essa ocorrência me tornou uma pessoa mais resiliente”, acrescentou.

Uma marca ficou: a frustração de não ter encontrado os restos mortais do 19º desaparecido. Segundo o tenente, a missão “não foi completa”: “A gente deveria tê-lo localizado, mas Deus não permitiu”.

Dez anos do desastre em Mariana

Por volta das 16h do dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, da Samarco, localizada no distrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro de Mariana, se rompeu.

O colapso da estrutura causou a morte de 19 pessoas, deixou mais de 600 desabrigadas e despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério no meio ambiente.

A lama contaminou a bacia do Rio Doce, nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, e alcançou o mar. Essa é considerada a maior catástrofe ambiental na história do Brasil.

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Jornalista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na Itatiaia, escreve para Cidades, Brasil e Mundo. Apaixonado por boas histórias e música brasileira.