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Dez anos de Mariana: o legado da maior tragédia ambiental do Brasil

Colapso na barragem da Samarco causou a morte de 19 pessoas e despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério

Tragédia de Mariana, em 2019, deixou 19 mortes

A tragédia de Mariana completa uma década nesta quarta-feira (5). Eram cerca de quatro horas da tarde do dia 5 de novembro de 2015, quando a barragem de Fundão, da empresa Samarco Mineração S.A., localizada no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana-MG, rompeu.

Considerada a maior catástrofe ambiental da história do país, a mistura de rejeitos de minério, areia, água e substâncias químicas desceu desenfreada por cerca de 600 quilômetros, pela Bacia do Rio Doce, até encontrar o mar, no Espírito Santo. O volume era suficiente para encher aproximadamente 22 mil piscinas olímpicas.

Ao todo, 19 pessoas morreram, e 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério foram despejados. Um relatório do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), publicado em 2017, aponta que o número de pessoas desalojadas, desabrigadas e afetadas econômica e ambientalmente somente em Minas Gerais chegou a 311 mil.

Como aconteceu?

A barragem de Fundão entrou em operação em 2008 e foi projetada para armazenar os resíduos da extração de minério de ferro (um material sem valor econômico, mas que, por razões ambientais, precisa ser contido de forma segura). A estrutura, feita de terra, era administrada pela Samarco Mineração S.A., controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton.

No dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão liberou uma enxurrada de lama que atingiu primeiro a barragem de Santarém, localizada logo abaixo. Com a força do impacto, Santarém transbordou e a onda de rejeitos ganhou ainda mais volume e velocidade.

A lama percorreu cerca de 55 quilômetros pelo Rio Gualaxo do Norte até desaguar no Rio do Carmo. Nesse trajeto, devastou o distrito de Bento Rodrigues, situado a cerca de 5 quilômetros abaixo da barragem, onde viviam aproximadamente 600 pessoas. Depois de destruir o povoado e seguir pelo Rio do Carmo, os rejeitos entraram no Rio Doce, o principal curso d’água da região, com quase 900 quilômetros de extensão.

A lama passou por dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo até chegar à foz do rio, em Linhares, no litoral capixaba. Mais de 11 toneladas de peixes morreram, e a lama causou prejuízos ao patrimônio, à pesca, à agropecuária, ao turismo e ao lazer na região.

Linha do tempo até o rompimento

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), os problemas na barragem de Fundão começaram muito antes do rompimento. Apenas cinco meses após o início da operação, em abril de 2009, a estrutura apresentou forte infiltração de água na face externa do reservatório.

De acordo com o MPF, situações como essa em barragens não representam, por si só, um risco, desde que o sistema de drenagem funcione adequadamente. Como o sistema não funcionou corretamente, a água começou a carregar material sólido, como areia e lama, abrindo canais internos e provocando erosão dentro da estrutura.

O dano foi tão grave que a Samarco precisou esvaziar o reservatório, ainda no início da operação, para tentar conter o problema. O histórico de falhas continuou e, em julho de 2010, outro problema foi identificado: houve vazamento de rejeitos arenosos para fora da barragem, o que levou a uma nova paralisação das atividades.

Nos anos seguintes, a barragem passou por diversas intervenções de engenharia, incluindo a construção de um recuo não previsto no projeto original e executado sem licenciamento ambiental. Essas modificações teriam contribuído para o rompimento ocorrido em novembro de 2015.

Alguém foi condenado?

Em 14 de novembro de 2024, nove anos e 9 dias depois do rompimento da barragem, a Justiça Federal absolveu todos os réus. A juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho absolveu a Samarco e suas controladoras, a Vale e a anglo-australiana BHP Billington e também a consultoria VOGBR, além de executivos e empregados dessas empresas.

O Ministério Público Federal (MPF) acusou os réus de crimes como homicídios qualificados e lesão corporal, o que foi afastado pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, em 2019. A juíza, ao proferir a sentença que absolveu a Samarco, concluiu que “não ficou comprovado o nexo de causalidade entre as condutas resultado”.

Segundo o advogado criminalista Paulo Crosara, as defesas deram “uma rasteira na tese acusatória”. Além disso, um elemento crucial que fortaleceu a argumentação foi a desqualificação de uma testemunha chave, ligada ao projetista da barragem.

O MPF apresentou recurso contra a sentença de primeira instância que absolveu os réus. No documento, que será julgado pelo Tribunal Regional Federal da Sexta Região, sediado em Belo Horizonte, o órgão questiona o argumento de que as provas apresentadas não permitiriam a identificação das condutas específicas de cada acusado que levaram ao rompimento da barragem.

Houve reparação?

As mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco criaram, em 2016, a Fundação Renova, responsável por gerir as ações de reparação. A atuação da entidade tem sido alvo de polêmicas e críticas por parte dos atingidos.

Em maio de 2019, por exemplo, moradores afetados afirmaram, em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que a Renova criminaliza e silencia as vítimas do rompimento da barragem, além de ameaçar, perseguir e promover assédio e divisão entre as comunidades. Segundo eles, a fundação também ignora direitos e adia o cumprimento de acordos.

A Fundação Renova também foi acusada de se aproveitar da lentidão e da demora na tramitação dos processos judiciais para postergar a reparação dos danos às comunidades, atuando, na prática, como defensora dos interesses das mineradoras.

Reconstrução

Uma década após o rompimento da barragem de Fundão, as comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo finalmente foram reconstruídas. As entregas começaram em 2025, com 338 imóveis concluídos, entre moradias, comércios, sítios, lotes e outros bens privados. Também foram finalizados 22 equipamentos públicos, como escolas, postos de saúde, cemitérios e praças, que compõem a nova infraestrutura dos distritos.

Em entrevista à Itatiaia, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, José Carlos Loss Júnior, destacou que houve grande esforço técnico nas ações de compensação, como nas áreas de saúde, restauração florestal e saneamento, mas pouca efetividade na reparação do dano ambiental principal. Segundo ele, o principal problema ainda é a presença da lama de rejeitos depositada no leito do Rio Doce.

Como vivem os moradores do novo Bento Rodrigues?

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, ainda marca a rotina dos atingidos. O novo distrito de Bento Rodrigues, reconstruído pela Fundação Renova, abriga parte das famílias que perderam suas casas, mas o sentimento de pertencimento ainda não voltou a ser o mesmo.

“Está diferente. A comunidade não é mais unida como antes. Acho que é por causa do tamanho, que ficou maior. É até difícil a gente rever os amigos”, contou Darlisa Azevedo, de 59 anos. Ela teve a casa e o antigo Bar da Una reconstruídos no Novo Bento, mas ainda sente falta da convivência próxima que existia antes da tragédia.

Para Antônio Gonçalves, de 56 anos, o momento continua sendo de adaptação, em meio a obras que ainda não foram concluídas.

Entre os que decidiram não se mudar para o novo distrito está Dan Mol, de 58 anos. O empresário perdeu a casa e a plantação em Paracatu de Baixo. Para a reportagem, ele revelou estar preocupado com o impacto emocional sobre os atingidos.

“As casas são bem construídas, os vilarejos ficaram bem estruturados, mas a gente tem muita preocupação com o ser humano, com a situação mental das pessoas. Faltou uma estrutura psicológica, alguém para acompanhar esse recomeço. Voltar à origem, começar tudo de novo depois de dez anos não é simples”, afirmou.

O professor universitário e psicanalista René Dentz, que acompanhou grupos de atingidos, avalia que houve empenho na tentativa de oferecer apoio psicológico, mas que o processo falhou em compreender o significado profundo das perdas vividas.

Ele explica que, embora a Fundação Renova tenha reunido profissionais competentes de todo o país, faltou sensibilidade para entender que Bento era uma comunidade rural, distinta de Mariana. “As pessoas ali perderam duas coisas principais: a terra e a comunidade. E a terra, para elas, é quase uma extensão do corpo”, explicou o psicanalista.

Segundo Dentz, o novo Bento foi projetado como um conjunto de casas, quase um condomínio, mas não reproduz o espírito da comunidade rural que existia antes.

Quem morreu na tragédia?

  • Edmirson José Pessoa, de 48 anos (única vítima não encontrada)
  • Emanuely Vitória, de 5 anos
  • Thiago Damasceno Santos, de 7 anos
  • Mateus Márcio Fernandes, de 29 anos
  • Marcos Xavier, de 32 anos
  • Marcos Aurélio Pereira Moura, de 34 anos
  • Samuel Vieira Albino, de 34 anos
  • Vando Maurílio dos Santos, de 37 anos
  • Edinaldo Oliveira de Assis
  • Claudemir Santos, de 40 anos
  • Claudio Fiuza, de 40 anos
  • Sileno Narkievicius de Lima, de 47 anos
  • Waldemir Aparecido Leandro, de 48 anos
  • Daniel Altamiro de Carvalho, de 53 anos
  • Ailton Martins dos Santos, de 55 anos
  • Pedro Paulino Lopes, de 56 anos
  • Maria Elisa Lucas, de 60 anos
  • Maria das Graças Celestino, 64 anos
  • Antônio Prisco de Souza, de 73 anos

Quais municípios foram atingidos?

De acordo com um levantamento do Governo de Minas Gerais e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os rejeitos da barragem alcançaram 35 municípios mineiros, espalhados por uma área de quase 18 mil quilômetros quadrados, o equivalente a todo o estado de Sergipe. A soma das populações dessas cidades, conforme o Censo de 2010, ultrapassa 1,04 milhão de pessoas.

Lista:

  1. Aimorés
  2. Alpercata
  3. Barra Longa
  4. Belo Oriente
  5. Bom Jesus do Galho
  6. Bugre
  7. Caratinga
  8. Conselheiro Pena
  9. Córrego Novo
  10. Dionísio
  11. Fernandes Tourinho
  12. Galiléia
  13. Governador Valadares
  14. Iapu
  15. Ipaba
  16. Ipatinga
  17. Itueta
  18. Mariana
  19. Marliéria
  20. Naque
  21. Periquito
  22. Pingo-d'Água
  23. Raul Soares
  24. Resplendor
  25. Rio Casca
  26. Rio Doce
  27. Santa Cruz do Escalvado
  28. Santana do Paraíso
  29. São Domingos do Prata
  30. São José do Goiabal
  31. São Pedro dos Ferros
  32. Sem-Peixe
  33. Sobrália
  34. Timóteo
  35. Tumiritinga
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Estudante de jornalismo pela PUC Minas. Trabalhou como repórter do caderno de Gerais do jornal Estado de Minas. Na Itatiaia, cobre Cidades, Brasil e Mundo.
Allãn Passos é jornalista, nascido em Mariana, formado pela UFOP em 2012. Atuou como assessor de comunicação na Prefeitura de Mariana e na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Entre 2015 e 2018 foi repórter aéreo de trânsito. Desde abril de 2018 é editor e apresentador do Jornal da Itatiaia Noite. Integrante do PodTudo, atua como repórter e apresenta os programas Chamada Geral e Plantão da Cidade nas férias e folgas dos titulares.
Mineiro de Urucânia, na Zona da Mata. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (2024), mesma instituição onde diplomou-se jornalista (2013). Na Itatiaia desde 2016, faz reportagens diversas, com destaque para Política e Cidades.