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O que acontece com o cérebro ao acelerar vídeos e áudios - um hábito cada vez mais comum, mas com riscos

Prática popular entre jovens busca eficiência, mas pode impactar memória, atenção e compreensão, segundo especialistas

A aceleração de vídeos, áudios e mensagens de voz virou rotina para muitos usuários, especialmente jovens e adolescentes. Plataformas como YouTube, Netflix, WhatsApp e Telegram oferecem opções para reproduzir conteúdos em velocidades até duas vezes superiores à normal.

Uma pesquisa na Califórnia revelou que 89% dos estudantes aceleram as aulas online. Dados da plataforma iVoox mostram que mais de 10% dos ouvintes de podcasts em espanhol também consomem conteúdo em velocidade aumentada, prática conhecida como ‘speedwatching’. A tendência é impulsionada pela busca por otimização de tempo e maior consumo de informação.

“Vivemos em uma cultura da instantaneidade, em que os tempos de espera causam angústia”, explica a psicóloga María Paula Castro, do Hospital Universitário Austral. “Queremos absorver o máximo de informação no menor tempo possível, ainda que isso tenha um custo”, completa.

O cérebro precisa codificar, armazenar e recuperar informações ao ouvir conteúdos. Em ritmo normal, falamos cerca de 150 palavras por minuto. Aumentar essa velocidade exige maior esforço cognitivo e sobrecarrega a memória de trabalho - sistema de armazenamento temporário do cérebro. “Podemos captar a ideia geral, mas perdemos detalhes significativos ao acelerar a reprodução. A velocidade altera os processos cognitivos necessários para memorizar informações detalhadas”, alerta Castro.

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Um estudo que analisou 24 pesquisas sobre aprendizado com videoaulas identificou que velocidades de até 1,5x geram pouco impacto, mas acima de 2x, o desempenho piora significativamente - em alguns casos, a nota em provas cai até 17 pontos percentuais.

A Associação Americana de Psicologia também aponta que a compreensão varia conforme o conhecimento prévio e o interesse do estudante. Já estudos da Universidade de Los Angeles sugerem que jovens tendem a manter melhor atenção em vídeos acelerados, mas alertam para a falta de pesquisas sobre os efeitos a longo prazo.

Especialistas destacam ainda possíveis riscos para a saúde mental e o desenvolvimento cognitivo, especialmente em adolescentes. “Acelerar o conteúdo reduz a capacidade de análise e conexão emocional. Silêncios, pausas e entonações também transmitem informações, e ao eliminá-los, perdemos parte do significado emocional da mensagem”, afirma Castro.

Há também dúvidas sobre o treinamento cerebral para lidar com conteúdos mais rápidos. "É preciso desenvolver metacognição para avaliar e filtrar informações. Sem isso, podemos subestimar os desafios cognitivos envolvidos”, comenta Martín Barrera Oro, psicólogo da Universidade de Buenos Aires.

Entre as recomendações dos especialistas estão o uso moderado da ferramenta, a priorização da qualidade sobre a quantidade de informação e a adoção de pausas para favorecer a compreensão profunda. “O speedwatching pode ser útil ocasionalmente, mas quando vira padrão, prejudica funções essenciais do pensamento crítico”, conclui Castro.

Barrera Oro pondera: “Não devemos demonizar nem idealizar a prática. O equilíbrio está em usar a ferramenta de forma consciente, respeitando as necessidades individuais”.

Jornalista graduado, com ênfase em multimídia, pelo Centro Universitário Una, de Belo Horizonte. Com mais de 10 anos de experiência em jornalismo digital, é repórter do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Antes, foi repórter da Revista Encontro. Escreve, em colaboração com a Itatiaia, nas editorias de entretenimento e variedades.