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Cientistas europeus desenvolvem plataforma para melhorar saúde mental dos adolescentes

A plataforma de saúde digital visa identificar fatores que influenciam o bem-estar dos jovens e detectar perfis propensos a desenvolver doenças mentais

Como antecipar e prevenir futuros casos de depressão ou ansiedade que podem afetar a saúde mental dos adolescentes?

Este é o objetivo do estudo IMPROVA (Intervention Enhancing Mental Health in Adolescents), financiado pela União Europeia e criado por um grupo de cientistas europeus.

A plataforma de saúde digital visa identificar fatores que influenciam o bem-estar dos jovens e detectar perfis propensos a desenvolver doenças mentais.

A ferramenta está em fase de testes desde setembro e o projeto é liderado pela pesquisadora francesa Maria Melchior, do Instituto Pierre-Louis de Epidemiologia e Saúde Pública, em Paris. O objetivo é que, dentro de alguns meses, a plataforma possa ser acessada gratuitamente pelo computador, celular e tablet.

Segundo ela, a equipe recrutará cerca de 12 mil alunos do Ensino Fundamental e Médio em escolas na França, Espanha, Romênia e Alemanha para testar o dispositivo.

Os participantes deverão responder a um questionário sobre sua saúde mental no início e no fim do ano letivo. Um outro grupo sem acesso à plataforma também terá acesso às questões, para que os cientistas possam comparar as respostas.

O modelo, utilizado por profissionais da saúde, analisa cinco “dimensões psicológicas”, que englobam problemas emocionais, nível de isolamento, agressividade, hiperatividade, falta de atenção e concentração, além de empatia.

A ferramenta traz ainda conteúdos que esclarecem dúvidas sobre a saúde mental e propõe exercícios que ajudam na gestão do estresse ou do sono - fatores conhecidos pela influência negativa no psiquismo dos jovens.

Segundo a pesquisadora, estimativas mostram que os adolescentes passam em média 10 horas por dia no celular. Esse isolamento virtual se explica pela diminuição do contato com os amigos na “vida real”, típico da nova geração hiperconectada.

Uma das consequências é que muitos jovens acabam abandonando atividades esportivas ou artísticas, antes consideradas prazerosas, o que contribui para a solidão.

Maria Belchior explica que a plataforma não visa obter um diagnóstico, mas dar uma visão global do bem-estar do usuário e apontar possíveis riscos para a saúde mental.

“Só o fato de fazer perguntas e querer saber como eles vão já vai ajudá-los, nem que seja um pouco, a desbloquear a expressão de certas emoções”, explicou a epidemiologista francesa à RFI.

Essa conscientização pode incitar alguns dos jovens a buscar ajuda, dentro escola ou fora dela, o que concretamente já ocorreu, explica. Para isso, linhas telefônicas específicas e endereços úteis também podem ser consultadas na plataforma.

O projeto também propõe um site paralelo para professores e pais, que visa difundir informações sobre os problemas psicológicos mais comuns vividos pelos adolescentes e os fatores de risco, como a exposição ao bullying e as dificuldades de relacionamento, por exemplo.

“A ideia é informar melhor os pais e as pessoas que trabalham com os adolescentes sobre a saúde mental, e tentar mudar um pouco o ambiente em que eles vivem. O objetivo é sensibilizar os adultos sobre essas questões, para que eles saibam o que pode ser feito se o adolescente não vai bem”, diz a epidemiologista francesa.

Diversidade

O recrutamento dos adolescentes que participam da fase piloto na França foi feito em parceria com o Ministério da Educação e da Saúde. Em seguida, o projeto foi implantado nas escolas, em função do interessa das secretarias de Educação das regiões francesas.

As cidades situadas na periferia de Paris, por exemplo, rapidamente demonstraram interesse pela iniciativa. Para selecionar as escolas participantes, a pesquisadora francesa utilizou como principal critério a diversidade.

A preferência foi dada para estabelecimentos situados fora da capital, com alunos de diferentes classes e origens sociais. Maria Belchior destaca que as escolas em Paris não são apropriadas para o estudo porque são exemplos de “segregação”.

De acordo com ela, existem dois tipos de estabelecimento: aqueles frequentados por famílias ricas e de classe média e outros por jovens em situação mais precária. “O que nos interessa é tornar essa ferramenta acessível para todos, não apenas para aqueles que vivem em famílias onde a saúde e o desempenho escolar são importantes”, frisa.

Após a seleção das escolas com esse perfil, a equipe da pesquisadora apresentou o projeto nos estabelecimentos. Só na França, até agora 1.600 jovens se inscreveram para testar a plataforma.

Pressão crescente

Maria Melchior lembra que a pressão em torno dos jovens na França vem crescendo após as reformas de acesso ao Ensino Superior implementadas pelo Ministério da Educação.

“Eles têm a impressão de que qualquer nota baixa ou avaliação ruim vão gerar consequências negativas para o resto da vida.

Tudo isso traz ansiedade e mostra como é necessário se questionar sobre a adoção de certas políticas públicas”, observa.

A ferramenta, reitera, deve ser um dispositivo a mais para os adolescentes, mas ela não substitui “uma terapia ou o contato com um humano”, conclui Maria Melchior. Ela lembra que o nível de ansiedade das novas gerações hoje é maior, e isso se deve em parte ao acesso generalizado à informação.

“O mundo em que vivemos é complicado e os jovens têm muito mais informações sobre isso, inclusive as crianças”, diz. “Nós não falamos mais com elas da mesma maneira que falávamos com a geração anterior, que era poupada das discussões dos adultos. Isso é um fator que deve ser levado em conta, além de tudo o que envolve as mudanças climáticas”, conclui.

RFI
A RFI é uma rádio pública francesa, transmitida em francês e 15 outros idiomas, entre eles o português do Brasil. Formada por uma equipe de jornalistas sediados em Paris, a redação brasileira da Rádio França Internacional foi criada em 1982 e conta com a colaboração de 400 correspondentes ao redor do mundo. A RFI Brasil propõe noticiários diários, além de conteúdos de texto, áudio e vídeo.
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