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Relação entre álcool e obesidade pode causar danos à saúde metabólica, diz estudo

Pesquisadores investigam como o consumo de álcool afeta diferentes tipos de gordura corporal e aumenta os riscos de doenças metabólicas e cardiovasculares

Pesquisadores investigam como o consumo de etanol afeta diferentes tipos de gordura corporal e aumenta os riscos de doenças metabólicas e cardiovasculares

O consumo de álcool associado ao sobrepeso é uma combinação perigosa para a saúde. Pesquisadores da USP, em Ribeirão Preto, alertam que essa associação aumenta o risco de desenvolver doenças hepáticas e cardiovasculares. O grupo publicou um artigo de revisão que analisa como o álcool interage com diferentes tipos de tecido adiposo e afeta o metabolismo.

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Os pesquisadores observaram que o tecido adiposo marrom pode ter uma ação inicial protetora contra os efeitos do álcool. Esse tipo de gordura ajuda a queimar calorias e a regular os lipídios, o que contribui para uma melhor saúde metabólica.

De acordo com o professor Carlos Tirapelli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), compreender o funcionamento desses tecidos é essencial para desenvolver novos tratamentos. “Quando você entende os elementos que participam de uma condição de saúde, consegue pensar em formas de bloquear esse processo e identificar potenciais alvos terapêuticos”, afirma Tirapelli ao Jornal da USP.

Tipos de tecido adiposo

O estudo investigou três tipos de tecido adiposo: branco, marrom e perivascular. O tecido adiposo branco é o mais abundante no corpo humano e tem como função principal armazenar gordura e regular o metabolismo por meio da liberação de adipocinas — substâncias que atuam em órgãos como o fígado e o pâncreas.

Nos casos de obesidade, o tecido adiposo branco passa a liberar substâncias inflamatórias que prejudicam o funcionamento dos órgãos. “Ele regula a função do fígado, e o fígado, por sua vez, é essencial no metabolismo dos lipídios”, explica Dourado.

O consumo excessivo de álcool interfere nesse equilíbrio. O etanol reduz a quebra da gordura corporal e estimula o acúmulo de lipídios, favorecendo a esteatose hepática — o conhecido “fígado gorduroso”. Essa alteração também pode aumentar o risco de diabetes tipo 2.

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O tecido adiposo marrom, por outro lado, tem como função gerar calor por meio da queima de gordura, processo chamado de termogênese. Ele está concentrado em regiões específicas do corpo, como o pescoço. Estudos mostram que o etanol prejudica essa função, reduzindo a capacidade de o corpo regular a temperatura.

“Esse tecido possui muitas organelas que facilitam a degradação dos lipídios, diferente do tecido branco”, explica Dourado. Ele ressalta que modular o funcionamento da gordura marrom pode ajudar a proteger o organismo de doenças hepáticas e cardiovasculares.

Tecido adiposo perivascular

O tecido adiposo perivascular (PVAT) envolve os vasos sanguíneos e apresenta características tanto do tecido branco quanto do marrom. Por muito tempo, ele foi considerado apenas uma camada de proteção mecânica. “Em 1991, pesquisadores sugeriram que essa gordura também poderia modular o tônus vascular”, explica Tirapelli.

Em condições normais, o PVAT ajuda a manter os vasos dilatados e o sangue fluindo corretamente. No entanto, em pessoas com obesidade ou que consomem álcool com frequência, esse tecido perde suas funções benéficas e passa a liberar substâncias inflamatórias, contribuindo para o aumento da pressão arterial.

“O consumo de etanol é um fator de risco para hipertensão arterial. É provável que o vaso sanguíneo passe a ter uma capacidade de contração maior”, afirma o professor ao Jornal da USP.

O álcool e seus efeitos

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há dose segura para o consumo de álcool. O etanol é uma substância psicoativa que pode causar dependência física e psicológica.

Thales Dourado explica que o álcool tem efeitos diferentes a curto e longo prazo. “Num consumo baixo, o etanol possui características ansiolíticas. Mas, a longo prazo, ele promove danos teciduais, associados ao estresse oxidativo”, alerta o pesquisador.

Tirapelli reforça que a dependência aumenta com o tempo. “Quanto maior a quantidade e a frequência do consumo, maior a chance de complicações. Como o álcool gera ‘recompensa’, a tendência é consumir cada vez mais”, afirma ao Jornal da USP.

Tratamento e prevenção

Interromper o consumo de álcool é a medida mais eficaz para evitar danos. No entanto, em usuários crônicos, os efeitos podem ser permanentes. “É comum ouvir: ‘se o etanol faz mal, é só parar de beber’. E muitas vezes não é bem assim”, explica Tirapelli.

O metabolismo do álcool varia entre indivíduos. Populações asiáticas, por exemplo, têm uma menor expressão de enzimas que metabolizam o etanol, o que reduz a tolerância. Mulheres também apresentam menor atividade dessas enzimas em relação aos homens.

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Em experimentos com animais, os pesquisadores testaram o uso da losartana — medicamento utilizado para controlar a pressão arterial. “Identificamos que o tratamento com losartana previne a disfunção do tecido adiposo perivascular causada pelo etanol”, afirma Tirapelli. “Além disso, a droga reduz a pressão arterial induzida pelo álcool.”

Os pesquisadores defendem que terapias capazes de restaurar as funções protetoras do tecido adiposo podem reduzir os riscos metabólicos e cardiovasculares relacionados ao etanol. “Cada organismo responde de forma diferente. Se entendermos como o etanol faz mal, podemos desenvolver intervenções específicas para cada indivíduo”, conclui Dourado ao Jornal da USP.

(Sob supervisão de Aline Campolina)

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Izabella Gomes é estudante de Jornalismo na PUC Minas e estagiária na Itatiaia. Atua como repórter no jornalismo digital, com foco nas editorias de Cidades, Brasil e Mundo.